Ana 08/12/2022
"Vau do mundo é a coragem."
João Guimarães Rosa foi um escritor, diplomata e médico Brasileiro. É respeitado como o escritor de maior notoriedade junto com Machado de Assis e também é visto como um dos maiores autores do século XX. Nasceu em MG em 1908 e faleceu em 1967 no RJ.
Sua obra prima, Grande Sertão: Veredas é considerada uma das maiores obras de literatura mundial. É um romance experimental modernista publicado originalmente em 1956.
Aqui temos um narrador- personagem já ancião que conta suas aventuras e vivências pelo Sertão de MG, Bahia e Goiás. Ele foi um jagunço na época do cangaço. A narrativa é um turbilhão de regionalismos, arcaísmos, neologismos e mistura de palavras. Também não é linear até quase metade da obra, pois como temos um narrador, o Riobaldo contando seus causos, pensamentos, dúvidas, de forma aparentemente aleatória, portanto fica muito difícil entender de primeira o que está acontecendo e o que ele quis dizer. Essa sensação de confusão vai melhorando com o passar das páginas.
É um livro inesgotável, que permite muitas interpretações e cheio de elementos que proporcionam diferentes reflexões. Estima-se que existam por volta de 1.500 trabalhos abordando aspectos desse livro.
Percebe-se, entre muitas outras, 3 linhas de abordagem da narrativa:
A linguagem como construção e interpretação de mundo, O sertão como alegoria da vida e Diadorim e o pacto faústico como impossibilidade de compreensão de questões existenciais.
A primeira característica que fica visível para o leitor é a forma que o autor utiliza a linguagem. É um jeito muito peculiar de se expressar. Riobaldo é um sertanejo e foi um jagunço, portanto, fala por meio de gírias, palavras e expressões específicas do Sertão Brasileiro. Isso perdura por todo o livro, que é um relato dessa personagem. É quase como se ele estivesse por meio das palavras tentando expurgar sua consciência e seu coração. Como uma longa sessão de terapia.
A segunda característica é a repetição da frase: "Viver é perigoso." Nas suas andanças pelo Sertão Riobaldo sente medo, dúvidas, angústias, reflete sobre o mundo e si mesmo. Viver é perigoso porque a vida exige da gente coragem para fazer escolhas e responsabilidade para arcar com as consequências dos nossos atos. "Vau do mundo é a coragem."
Agora chegamos ao Diadorim, personagem que parece funcionar como um guia para Riobaldo, alguém que o auxilia a fazer as travessias. Do medo à coragem, do conhecido ao desconhecido, do certo ao incerto, do definido ao indefinido. A relação entre os dois é muito interessante. "Diadorim é minha neblina."
O pacto faústico é outro elemento muito importante. Riobaldo quer ser, quer tomar coragem e se apropriar de sua existência, para isso faz um pacto com o Diabo, que ele chama de muitos nomes, entre eles demo, que é um anagrama de medo, mas não espere algo como Fausto do Marlowe, ou do Goethe. Aqui o Diabo é mais sutil, mais discreto, mais tímido. Fato é que ele faz esse pacto e logo depois começa a agir com ousadia, iniciativa e acaba se tornando o líder dos jagunços. Mas percebe que suas dúvidas e incompreensões ainda perduram e que sempre existirão porque a existência é um rio caudaloso que está sempre em movimento e que existem questões sem respostas e essa é a graça de viver. "O mais importante e bonito, do mundo, é isto: Que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando." Livro espetacular e inesgotável.