O Homem Duplicado

O Homem Duplicado José Saramago




Resenhas - O Homem Duplicado


264 encontrados | exibindo 196 a 211
1 | 2 | 14 | 15 | 16 | 17 | 18


Hildeberto 04/04/2018

Alguns livros nos dão sono, enquanto outros nos fazem ficar despertos até às duas da madrugada para descobrir seu desfecho. "O Homem Duplicado" pertence a esta segunda categoria de livros que nos despertam nos seus mais variados sentidos.

Tertuliano Máximo Afonso, ao assistir um filme, encontra um ator secundário idêntico a si. Daí parte toda a trama, pois Máximo Afonso irá tentar desvendar os mistérios por trás desse seu "duplicado".

Ler Saramago é como ouvir estórias contadas ao fim de tarde. A narrativa envolve os diálogos e acontecimentos, mas também comentários irônicos, pensamentos, possibilidades que de fato não ocorrerão, personagens metafísicas como o "Senso Comum" e uma boa dose de sarcasmo.

Sobre o que trata "O Homem Duplicado"? Para mim, uma das questões mais marcantes é a linguagem, sua função e suas potencialidades. Em diversos momentos o autor volta a este mesmo ponto.

Além disso, trata da complexidade do ser humano e das relações humanas, temas recorrentes na produção de Saramago.

Por fim, há o ponto central da narrativa, os dois duplicados. Especificamente, o autor questiona a identidade individual. Porém, tenho alguns questionamento. Afinal, embora os duplicados possuam aparência idêntica, no decorrer da leitura fica evidente que possuem personalidades distintas (o que já seria possível antever pelas suas escolhas profissionais). No meu entendimento, a questão da identidade do livro deve ser analisada a partir da busca no mundo de um espaço individual, mas não a uma perca de identidade. A problemática toda está nas relações sociais, não no que os duplicados são internamente. Eles não perdem suas respectivas identidades, apenas sentem ameaçado sua "face social", sua individualidade como vista pela sociedade. E talvez seja este o ponto: embora os seres humanos possuam múltiplas diferenças, tanto psicológicas como físicas, o atual panorama social nos toma como iguais pelos aspectos exteriores, ao induzir a uma redução das diferenças física e padronizar-nos, como se fôssemos produzidos em série. As diferenças que nos tornam únicos são ignoradas e, afinal, nos tornamos substituíveis. Embora tenhamos identidades particulares, a sociedade age como se não a tivéssemos devido à uma semelhança exterior e estereotipada baseada em hábitos, roupas e gostos.

Eis a grande questão do livro: embora idênticos em tudo na aparência, inclusive nas digitais, os dois duplicados teriam a mesma identidade? Poderiam ser substituíveis entre si?

Enfim, grande livro de um grande autor, que demonstra segurança notável na sua escrita (efeito Nobel?). Se tiver a oportunidade, leia.
comentários(0)comente



Andrade 21/10/2017

Saramago me surpreendeu bastante. Ao longo da narração muitas das vezes comparei a obra com ''O duplo''de Dostô. O escritor consegue trabalhar muito bem a psique do ser humano.

Tertuliano, ao assistir um filme indicado pelo professor de matemática, acha que viu o ''duplicado'' dele mesmo . Nisso ele passa a investigar e gera no leitor aquela velha dúvida: será que isso é mesmo verdade? Ou coisa da cabeça dele mesmo? Para mim, é fantástico essa sacada do Saramago. Fico embasbacado como ele consegue trabalhar tão bem a mente do ser humano, conseguindo prender a atenção do leitor.

''Ao pai, não terá outra solução que ir visitá-lo ao cemitério, assim é a puta da vida, sempre se nos acaba.''

Um ponto bem crucial do livro, para mim, é a negação da morte. Se todos nós iremos morrer, para quê tentar fugir?

O autor nos traz aquela velha questão da nossa atual sociedade: por que muita das vezes nós perdemos nossa identidade?
Flávia 22/10/2017minha estante
Nunca li O Duplo (já quero!). Creio que irás gostar tb do ensaio sobre a cegueira.




Rodolfo Vilar 10/10/2017

O homem duplicado ou a busca pelo verdadeiro eu | O Homem duplicado
“Olharam-se em silêncio, conscientes da total inutilidade de qualquer palavra que proferissem, presas de um sentimento confuso de humilhação e perda [...] como se a chocante conformidade de um tivesse roubado alguma coisa à identidade própria do outro”. Essa é a reação de Tertuliano Máximo Afonso, professor de história que inesperadamente se vê numa situação bastante intrigante: descobrir que existe uma duplicata de sua pessoa no mundo. Como você reagiria? Qual seria sua surpresa ao descobrir por acaso que no mundo existe um alguém igual a você nos gestos, nas feições, na fala e até nos pequenos detalhes?

Saramago nesse livro, mais uma vez nos surpreendendo com seu jogo de destinos e ideias, brinca com a possibilidade já levantada no próprio livro do Dostoievski chamado “O duplo”, quando cria um personagem que, por meios físicos e psicológicos, sente-se duplicado. Tertuliano Máximo Afonso, depois que recebe uma dica de um filme para assistir, percebe que um dos atores da película é nada menos que uma cópia fiel de sua personalidade, o que o intriga a ir mais longe ao ponto de entrar em contato com o sujeito para trocarem figuras, ou melhor, trocarem comparações sobre corpos e vida. Só que nessa decisão de ir mais longe ao ponto de entrar em contato com o sujeito que é sua cópia, Tertuliano se vê preso numa teia de conspirações e disfarces que fará com que os seus problemas sejam multiplicados até o levar a quase loucura. O livro não é apenas um enredo sobre a ideia de criar um personagem duplo, mas sim também a ideia de aprofundar o leitor na psique de uma mente confusa e cheia do cotidiano de suas obrigações, forçando a nós leitores a nos questionarmos sobre o que é verdade e o que é mentira dentro do texto. Muitas vezes nos deparamos com o Senso Comum, que aqui no livro se mostra como um dos melhores personagens já criados por Saramago, onde através de sua visão nos surpreende com ideia de confundir o certo pelo errado, o falso pelo verdadeiro, o branco pelo preto.

Saramago usando de suas fábulas, nos mostra um problema da atual sociedade: A perda da identidade do sujeito. Um sujeito que vive em meio ao cotidiano que lhe prende, ou avesso (ou confuso e estagnado) as suas mais estranhas fantasias. O homem duplicado não é somente um problema de quantidades humanas, mas sim uma possibilidade de experiências para novas vidas. Tanto que essa ideia é mais abrangida no filme dirigido por Denis Villeneuve, o conceito do homem preso as teias de sua vida. O que não conta é que o filme é a casca, enquanto que o livro é a alma. No primeiro trata-se do externo e suas consequências, no segundo nos aprofundamos tanto na alma do personagem que somos capazes de nos esquecer em seu mundo.

Em seu prefácio “O caos é uma ordem por decifrar”, o autor nos mostra que mesmo em meio a confusão de seus pensamentos e de suas vontades, ainda é possível para Tertuliano Máximo encontrar a si mesmo, bastante apenas decifrar aquilo que possa ser o “correto” ou o “errado” para suas escolhas, como por exemplo não enganar a si mesmo e aqueles que o cercam. O Homem duplicado é a jornada do homem ao mundo externo e também, por indecifráveis escolhas, a jornada do homem dentro de si mesmo, procurando a verdade que o poderá representar.

site: http://bodegaliteraria.weebly.com/biblioteca/o-homem-duplicado-ou-a-busca-pelo-verdadeiro-eu-jose-saramago-o-homem-duplicado
Evelyn.Vieira 27/12/2017minha estante
undefined




Ariadne Twigg 03/10/2017

Li esse livro e.... resultado: Adorei!
LIVRO: O HOMEM DUPLICADO
AUTOR: JOSÉ SARAMAGO
EDITORA:C OMPANHIA DE BOLSO
ANO : 2008

O primeiro livro do Saramago que eu li! Resultado: Me apaixonei!
Essa obra é estupenda!!! Magnífica! Extraordinária! Não é a toa que ganhou o Nobel de literatura em 1998!
O livro trata-se de uma obra de ficção, em que apresenta o tema IDENTIDADE, a partir da vida de um professor de História, o Tertuliano Máximo Afonso.
O professor, descobre um belo dia que é um Homem Duplicado. Ah, mas engana-se quem acha que o livro fala de clonagem, não, não... o livro nos remete a perda de identidade numa sociedade que cultua a individualidade e, paradoxalmente, estabelece padrões seja de aparência ou de conduta. Nos faz refletir sobre a contra-cultura, ou seja , por vezes não devemos nos resignar aos padrões culturais impostos, mas sim em assumirmos a nossa identidade algo que vai contra os conceitos da Sociedade capitalista em que vivemos.
O livro obviamente é todo em português de Portugal, assim sendo para nós brasileiros uma leitura um pouco densa, com palavras não muito usuais, e com termos, ditos populares e frases por muitos desconhecidas. Mas é uma forma de aprendermos muito sobre a Lingua Portuguesa. A forma de escrita com parágrafos corridos e acentuação específica é outro fator que chama a atenção durante a leitura.
Gente, super indico esse livro!!! Leiam e depois me digam o que acharam!
Mil beijinhos,
Até a próxima!







site: http://licurtiepostei.blogspot.com.br/
comentários(0)comente



Carla 29/09/2017

"O caos é uma ordem por decifrar"
Desde que somos postos no mundo somos levados a crer na nossa unicidade. Tudo nos leva a crer que somos sujeitos únicos, incríveis, dotados de todas as capacidades para que realizemos todos os nossos sonhos e nos tornemos a melhor versão de nós mesmos (Nietzsche feelings). Mas será, realmente, que somos assim tão especiais?
Em "O homem duplicado", Saramago nos coloca diante de um dilema: quem sou eu além da minha cara? Se me colocassem lado a lado a um sujeito cuja aparência, em todo, se iguala a minha, o que sobra da minha identidade? É possível conviver com a noção de que, ao contrário de que nos fizeram crer, não somos tão especiais assim? De que sequer somos únicos? E quem sabe não somos suficientes para colocar em prática tudo aquilo que idealizamos?!
Além de uma escrita envolvente, de um enredo que aprisiona o leitor capítulo após capítulo, Saramago nos apresenta críticas sagazes a respeito da sociedade pós-moderna, das supostas verdades do Senso Comum - impregnado de machismo e outros pré-conceitos - e do sem-sentido da vida.
Impossível parar de ler antes da última palavra. Impossível também ficar indiferente à leitura.
comentários(0)comente



yuri.ulrych 18/04/2017

O Homem Duplicado Análise Estrutural e Semântica
O Homem Duplicado - Análise Estrutural

A narrativa da ficção usa a metalinguística como principal recurso para o desenvolvimento do sentido do enredo, sendo que a linguagem se manifesta falando de si mesma em várias camadas sucedidas ao texto: quando o protagonista, prosaico professor de história, por um momento sabe que está sendo narrado; ou quando o narrador aparece de repente como autor, escusando o próprio Saramago das suas próprias interpretações; ou até mesmo a personagem principal que se vê em outras personagens, heterônimos dela mesma.
Em muitos momentos o protagonista narra consigo mesmo, em diálogos, as situações hipotéticas de seus futuros devires. Os pensamentos sempre acabam falando mais alto, tanto que, ocasionalmente, aparece a figura arquetípica do Senso Comum dentro dele a conversar. Neste caso, Saramago atualiza a técnica do “Coro” utilizada por séculos no Teatro Grego, singularizando-a como personagem mental, a fim de expressar o que eram muitas vozes em uníssono, dando as opiniões arquetípicas do ser humano, no espectro do inconsciente coletivo, o Senso Comum, tenta ajudá-lo, como pode.
Como Saramago conseguiu alinhavar tantas metalinguagens diferentes e sobrepostas? A resposta é simples, existe um centro narrativo, além de ser uma tremenda ironia do autor-personagem, sempre quando ocorrem tais mudanças de ordem metalinguística, o texto volta por escrito à tríade, Tertuliano Máximo Afonso, diga-se de passagem, nome que a personagem odeia, dispondo assim o texto para uma nova mudança literária, a cada retomada.
Fora do centro narrativo Tertuliano Máximo Afonso, existe outras três personagens chamadas pelo nome completo que o texto modula para dar o seu movimento, Maria da Paz, e Antônio Claro, depois mais tarde Carolina Máximo. As outras personagens incitadas no texto, “Helena”,“Professor de Matemática”, “A vizinha”, “O Diretor da Escola”, “A Professora de Línguas”, “A secretária”, “O rapaz da locadora”, são plenamente terciários tanto pelo nome que lhes é atribuído, servindo apenas como notas de passagem.
Atenhamo-nos que quando o texto caminha em direção a Maria da Paz, há uma preparativa de tensão direta a Antônio Claro, que ao chegar por sua vez, o texto aumenta gravemente o seu grau de suspense, para depois amenizar ao centro conflituoso de Tertuliano.





O Homem Duplicado - Análise Semântica

Saramago levanta questionamentos sobre o modo operante da pós-modernidade, em que os seres humanos tem dificuldades de olhar para si mesmo, crise existencial, e de identidade de Tertuliano Máximo Afonso, no qual, não suporta o próprio nome, nem as maneiras de lidar com a profissão, muito menos amorosamente, se tem por fracassado mesmo com muitas chances batendo na porta da janela, se recusa em crise, visto às dúvidas e a insatisfação provinciana na qual se encontra, cheio de medos.
O seu duplo, é uma pessoa estabilizada em vida, ator secundário de cinema, tem poder econômico, e também tem suas escapadinhas do matrimônio, justamente o oposto de Tertuliano, atua sobre o pseudônimo de Daniel Santa-Claro, embora seu nome seja Antônio Claro. Saramago põe outra profunda discussão sobre a arte da atuação, personagens são heterônimos dos seus próprios atores?
Aconselhado pelo colega Professor de Matemática, vai à locadora e obsessivamente, acaba voltando mais e mais, a buscar filmes de Daniel Santa-Clara, cuja parecença é exatamente a mesma que a dele, de rosto, de corpo, de cicatrizes e por aí vai... Assiste todos aos filmes. Esconde essa façanha com tamanho apego, que evita de qualquer forma que seja descoberto. Alguns costumes característicos dele paulatinamente vão mudando, como ir de carro ao trabalho, ao invés de ônibus, ou propor ideias em meio a reuniões no emprego, de algum modo tenta esconder principalmente a sua angústia latente em si.
Maria da Paz vira joguete do seu pretendido Tertuliano, a partir da proposta dela assinar uma carta como fã do tal ator, para que o venha conhecer secretamente. Ela faz porque ama, ele faz porque deseja se encontrar. Acaba descobrindo o endereço, liga, e quem atende é Helena, esposa de Antônio Claro, que se assusta por ter a mesma voz do marido, aumenta mais ainda o suspense, a crise de relacionamento com ele. Tertuliano para encontrá-lo aparece disfarçado, para não ser identificado, conversam. Antônio Claro, surpreendido, quer evitá-lo como desde o começo dos contatos. Contudo, tem o desejo pernicioso de afundar psicologicamente de algum modo, dizendo ter nascido primeiro, e que Tertuliano seria seu duplicado, que não fariam testes de DNA, para não prejudicar a carreira.
Tertuliano, indefeso desiste, volta a querer se estabilizar com o que tem em mãos, sua mãe e Maria da Paz, propondo o tão almejado noivado que sua mãe queria. Mas manda ao endereço de Antônio Claro o disfarce, a barba postiça. Antônio provocado investigou a vida de Tertuliano, querendo passar uma noite de Tertuliano de adultério com Maria da Paz.
Invectivas acontecem no apartamento de Tertuliano, Antônio Claro entra, e sugere a troca de identidades, completamente fraco, aceita. Porém resolve se vingar dormindo com Helena. Afinal, um é duplo do outro, tudo isso acontece. Mas Tertuliano recebe a notícia, de que está morto, pois Antônio sofrera um acidente de trânsito matando também sua noiva, ambos se forcejaram, ela havia descoberto que não era seu noivo, segundo o narrador-autor. O choque é grande, mas Helena, compreensiva resolve continuar com “o duplo de seu marido”, como se fossem o mesmo, estando aberta para as diferenças.
A mãe, que chorava copiosamente teve oportunidade de vê-lo como Antônio Claro, no velório fingiu com Helena, valendo ressaltar que ela bem avisou Tertuliano. Saramago usa a imagem de Cassandra como oráculo de ação preventiva a ameaça que seria o Cavalo de Troia na cidade natal. Até que então toca o telefone, e alguém liga, com a mesma voz dele quando ligou para Antônio Claro. O livro termina com ele saindo armado até o local.
O duplo é sempre o segundo, quando o primeiro ressurge. Portanto, Tertuliano, poderá se matar, porque ele e o duplo são um só. Ao menos que ele aprenda a lição, tanto que até ele mesmo dizia a Antônio Claro que se um morre, o outro também morreria na sequência.
Saramago deixou este final em aberto, para a própria reflexão de escolha entre matar a si mesmo, ou se construir a partir de seus próprios pontos. Também é uma decisão duplicada.
Augusto Isaac 19/05/2017minha estante
Muito boa resenha, colega.


Djalmo 10/08/2017minha estante
A sua análise sobre o último capítulo ao meu ver é a mais abrangente e plausível, obrigado por compartilhar sua compreensão.


Dara 01/06/2019minha estante
Resenha incrível!


skuser02844 18/05/2023minha estante
Não, o final não é aberto. Existe sim um terceiro duplicado.
Após Tertuliano Máximo Afonso descobrir o nome do ator secundário, começa a telefonar a todos aqueles nas lista telefónica que detêm o mesmo sobrenome. Em uma chamada particular, o interlocutor afirma que alguém já havia perguntado pelo Daniel Santa-Clara, informação que deixa o professor de história incomodado ao ponderar a hipótese de alguém estar também à procura do seu duplicado.
"...e foi ela ter-se recordado o homem das cordas vocais destemperadas de que havia mais ou menos uma semana outra pessoa tinha telefonado a fazer idêntica pergunta, Suponho que não terá sido o senhor, pelo menos a voz não se parece, tenho muito bom ouvido para distinguir vozes, Não, não fui eu, disse Tertuliano Máximo Afonso, subitamente perturbado, e essa pessoa era quem, um homem, ou uma mulher, Era um homem, claro. Sim, um homem, que cabeça a sua, pois não se está mesmo a ver que por muitas diferenças que possam existir entre as vozes de dois homens, muitas mais as haveria entre uma voz feminina e uma voz masculina, Ainda que, acrescentou o interlocutor à informação, agora que penso, houve um momento em que me pareceu que se esforçava por disfarçá-la.
[...]
Da fortíssima perturbação que lhe causara a notícia de que um desconhecido andava também à procura de Daniel Santa-Clara ficara-lhe uma inquieta sensação de desconcerto como se se encontrasse diante de uma equação de segundo grau depois de se ter esquecido de como se resolvem as do primeiro."
Páginas 119 e 120
É importante relembrar que no final, o terceiro duplicado afirma estar à procura de António claro há semanas.
"É o senhor Daniel Santa-Clara, perguntou a voz, Sim, sou eu, Andava à semanas à sua procura, mas finalmente encontrei-o"
Página 317




JJ 13/04/2017

O Homem Duplicado foi o quinto romance de José Saramago lido por este e o fator surpresa surgiu pela primeira vez. Após navegar por águas conhecidas em Ensaio Sobre a Cegueira (o filme de Fernando Meirelles já tinha sido assistido), o tom das obras se alterou um pouco em História do Cerco de Lisboa (releitura histórica); Caim (reinterpretação de dogmas); e O Evangelho Segundo Jesus Cristo (os dois juntos). Aqui, temos uma nova trama fantástica, que resgatou o impacto que o primeiro livro lido deixou de ter pela falta de ineditismo.

Ao nos depararmos com um professor em estágio inicial de depressão jamais imaginávamos que o pragmatismo de Saramago seria aplicado de forma tão espetacular. Quando ele insere o Senso Comum como personagem ao sacramentar que "para o professor de História Tertuliano Máximo Afonso, este dia em que estamos, ou somos, não havendo qualquer motivo para pensar que virá a ser o último, também não será, simplesmente, um dia mais. Digamos que se apresentou neste mundo como a possibilidade de ser um outro primeiro dia, um outro começo, e portanto apontando a outro destino" (pg. 28 da edição lida). Também para um leitor, amante da boa literatura e da poesia em calhamaços de Saramago, os dias que O Homem Duplicado foram lidos também não foram "apenas mais um".

A visão do professor de matemática, mais objetiva, de considerar a suposta neurose criada por Tertuliano em encontrar o que os alemães em seu linguajar chamou de doppelgänger um escape abre a bifurcação de interpretações por parte do leitor - e Saramago faz isso render ao máximo. Ele está muito à vontade para divagar sobre assuntos mais filosóficos como "a semiótica dos subgestos e dos subtons" e até mesmo acerca do surgimento das palavras.

O Senso Comum como outro "duplicado" aparece até pouco, mas sempre de forma especial. É a chance de dissecar um protagonista além do mero pensamento ou da consciência. Nestas passagens, tem uma leva no estilo Woody Allen de compor seus perturbados personagens, sempre fazendo inúmeras conjecturas sobre toda e qualquer situação. Veja como Tertuliano Máximo Afonso é descrito em fls. 181: "não pertence ao número dessas pessoas extraordinárias que são capazes de sorrir até quando estão sozinhas, o própria dele inclina-se para o lado da melancolia, do ensimesmamento, de uma exagerada consciência da transitoriedade da vida, de uma incurável perplexidade perante os autênticos labirintos cretenses que são as relações humanas".

A fluidez das palavras é tanta que por vezes Saramago parece escrever para si mesmo. "As palavras são o diabo, nós a crer que só deixamos sair da boca para fora aqueles que nos convêm, e de repente aparece uma que se mete pelo meio, não vimos de onde surgiu, não era para ali chamada, e, por causa dela, que não é raro termos depois dificuldade em recordar, o rumo da conversa muda bruscamente de quadrante, passamos a afirmar o que antes negávamos ou vice-versa, isto que acabou de acontecer aqui foi o melhor dos exemplos" (pg. 186). Uma pérola, quase um mini-conto.

Além de bem humorado e divertido, ainda sobra espaço para um final surpreendente.
comentários(0)comente



Gahcardozo 11/02/2017

A perda da individualidade no marasmo moderno
A obra de José Saramago é impecável aos que se dedicam nas aventuras de suas histórias repletas de críticas sociais, metáforas e mensagens densas. Em "O homem duplicado", pude retornar ao universo do autor que não vira desde "Memorial de convento", uma belíssima história sobre amores e vôos, aos quais dedicarei fala em outro momento.
O importante, agora, é, pois, terminada a obra, a sensação de ressaca que recai sobre meus pensamentos enquanto repasso o último capítulo na cabeça. A impecabilidade do enredo é o ponto chave dessa obra, sem dúvidas. Tertuliano Máximo, o entediado professor de história, vê sua vida mudar quando descobre a existência de um sósia, uma versão duplicada de sua existência: um ator secundário em filmes de uma produtora que ganhará um expectador assíduo e quase obcecado. Tertuliano inicia sua aventura tentando fugir da depressão, e consegue levar-nos a questionamentos sobre a perda de identidade na sociedade pós-moderna. Ou melhor, a plasticidade da identidade, que aqui torna-se um elemento nas mãos de Saramago, elemento manipulado, escondido, revelado, e, em última instância, um truque aplicado no leitor. Como uma carta na manga.
Cada palavra encontra seu momento certo, e é certeiramente fixada: o "bom senso", personagem que ironicamente aparece por algumas vezes, deve acompanhar todo aquele que pensar em começar essa incrível história.
E se descobríssemos, num mundo onde cada um busca incessantemente ser único, que temos um outro espelho? Conflito de ordem. Talvez essa seja mesmo a melhor forma de definir a obra de Saramago. Um conflito por resolver.
comentários(0)comente



João Moreno 12/01/2017

Mais Crônica que Resenha: Breve História com Saramago

(Atualização IX – Projeto “Evite o Emburrecimento durante às Férias Acadêmicas”)

“(...) e ele disse que não muito obrigado, e por ter agradecido chorou ainda mais, foi como se lhe tivessem vindo pôr uma mão no ombro e lhe dissessem, Tenha paciência, com o tempo o seu desgosto há-de-passar, é verdade, com o tempo tudo passa, mas há casos em que o tempo se demora a dar tempo para que a dor se canse, e casos houve e haverá, felizmente mais raros, em que nem a dor se cansou nem o tempo passou”. (Pág.267).

Meu relacionamento com Saramago é de longa data: escritor português, ateu e jornalista, já me era familiar muito antes de conhecer-lhe verdadeiramente às obras.

Prêmio Nobel em 1998 - e durante tempos a grandiosidade do que isto representava não atingir-me-ia - morreu quase centenário: escritor que escrevia em português, mas um português distante com origem portuguesa.

Ainda: uma de suas Magnum Opus fora adaptada aos cinemas: Ensaio sobre a Cegueira, sob direção do brasileiro Fernando Meirelles (Cidade de Deus), tornando-nos mais sensíveis a sua existência.

Acabou-se aí nossa familiaridade e percebam vocês: não passávamos-nos de estranhos (assim como os são os mesmos rostos conhecidos de um ambiente qualquer e rotineiramente frequentado).

Em 2015 veio-me a oportunidade: a sinopse de As Intermitências da Morte sempre me encantara, e desde um ano antes, este estava a tomar poeira em uma humilde coleção ambiciosamente chamada Biblioteca Particular.

Livros em mãos e algumas poucas linhas lidas e o estranhamento. E qual foi a minha surpresa ao descobrir numa letra minúscula, grifado em itálico:

“Por desejo do autor, foi mantida a ortografia vigente em Portugal”. (Pág.4).

Abandonei-o de imediato, afinal, como viria a descobrir em anos:

“Tanto é o que precisamos de lançar culpas a algo distante quando o que nos faltou foi a coragem de encarar o que estava a nossa frente”. (Pág.9).

As palavras não poderiam ser tão perfeitas – e até o encaixe dessa frase na narrativa foi acidental - por fim, rendi-me às suas linhas, fui tomado de assaltado por seu texto saramaguiano:

sa·ra·ma·gui·a·no

([José] Saramago, .antropônimo + -iano)

adjetivo

1. Relativo a José Saramago (1922-2010), escritor português, à sua obra ou ao seu estilo (ex.: personagens saramaguianas).

adjetivo e substantivo masculino

Que ou quem admira ou se dedica ao estudo e à investigação da obra de José Saramago.
Superei as dificuldades impostas por meu senso comum (aqui estou a fazer referências a obra que tenho a ingrata missão de resenhar), e o referido livro tornara-se-ia um de meus preferidos.

Parti para o Homem Duplicado ciente do que aguardava-me, ou totalmente surpreso diante de algo que não se esperara, do sentimento de espanto, admiração e assombro que percorreram-me a espinha diante dos personagens e características peculiares, das intromissões do senso comum e diálogos ágeis, argutos. Diante da irrealidade dos acontecimentos, que sempre direciona-nos ao não imaginado:

“O que de todo em todo não compreende, por muito que tenha posto a cabeça a trabalhar, é que, desenvolvendo-se em autêntica progressão geométrica, de melhoria em melhoria, as tecnologias de comunicação, a outra comunicação, a propriamente dita, a real, a de mim a ti, a de nós a vós, continue a ser esta confusão cruzada de becos sem saída, tão enganosa de ilusórias esplanadas, tão dissimulada quando expressa como quando trata de ocultar.” (Pág.181).

Somos apresentados a Tertuliano Máximo Afonso, professor de história, trinta e oito anos, solteiro e não oficialmente comprometido com Maria da Paz:

“(...) mulher jovem, bonita, elegante, bem torneada no corpo e bem feita no carácter”. (Pág.225).

Esta uma bancária, um tanto quanto submissa ao indiferente tratamento por vezes recebido de nosso protagonista professor.

Não haveria romance se, por uma infeliz coincidência (ou premonição), Tertuliano não tivesse encontrado o seu duplo (ou seria ele o duplo do outro?), numa velha filmagem de categoria B, Quem Porfia Mata a Caça:

“Não é só nas vozes que somos parecidos, qualquer pessoa que nos visse juntos seria capaz de jurar pela sua própria vida que somos gémeos, Gémeos, Mais que gémeos, iguais, Iguais, como, Iguais, simplesmente iguais (…).

(Pág. 157-8).

Daí em diante temos o desenvolvimento de um transtorno compulsivo: Tertuliano não desistiria até descobrir-se quem o era aquele figurante de filmes de segunda categoria, onde morava e o mais importante: o que fazer quando descobrir-se que o figurante tinha o nome artístico Daniel Santa-Clara e de batismo António Claro.

A impressão que fica para os duplicados, é que mesmo sendo cópias físicas exatas e perfeitas um do outro, o mesmo não pode ser dito das referidas retidões morais: e se em um falha, pela falha ser de característica humana, no outro a imoralidade é premeditada e com júbilos consolidada.

Sobre a particularidade saramaguiana: voz tão particular e tão característica, que saber-se-á em todos seus outros títulos quem é que o escreve, sem a necessidade de conferir-se do nome o autor:

“(...) Estranha relação é a que temos com as palavras. Aprendemos de pequenos umas quantas, ao longo da existência vamos recolhendo outras que vêm até nós pela instrução, pela conversação, pelo trato com os livros, e, no entanto, em comparação, são pouquíssimas aquelas sobre cujas significações, acepções e sentidos não teríamos nenhumas dúvidas se algum dia nos perguntássemos seriamente se a temos.” (Pág.77-78).

da ausência de travessão como marcador de diálogos, do fluxo contínuo de consciência e ações, à não existência de parágrafos para diferir e ordenar ideias.

E o que mais chama à atenção além da ironia latente à tudo e a todos, talvez seja a capacidade de surpreender persistente em cada capítulo.

Certeza também de que a moralidade dos personagens, lá pro finalzinho do livro, é posta em xeque. Assim como, indubitavelmente, a nossa.

Referências Bibliográficas:

Saramaguiano

Disponível em: ://www.priberam.pt/dlpo/saramaguiano

Último acesso: 12-01-2017, às 01:11.

site: https://literatureseweb.wordpress.com/2017/01/12/atualizacao-xi-projeto-evite-o-emburrecimento-durante-as-ferias-academicas-mais-cronica-que-resenha-breve-historia-com-saramago/
comentários(0)comente



wesley.moreiradeandrade 11/01/2017

Há muito tempo que li Ensaio sobre a cegueira, uma das obras mais conhecidas de José Saramago, e me recordo que o livro me incomodou e me conquistou bastante. Também tentei naquele tempo, com pouquíssimo sucesso, ler Memorial do convento, leitura abandonada após algumas páginas, porém entendo que ainda faltava-me certa maturidade (ou um pouco mais de repertório) como leitor. Ainda pretendo reler Ensaio sobre a cegueira, não cogito ainda reencontrar as páginas de Memorial do convento, porém o que me levou à leitura de O homem duplicado não foi sequer a fama e a qualidade do único escritor em língua portuguesa a ganhar o Nobel de Literatura, mas a necessidade de assistir justamente à sua adaptação para o cinema, aquela com o Jake Gyllenhaal. Ler o livro antes de verificar como ele foi transposto para a telona.
Saramago retoma um assunto clássico da nossa literatura que é o duplo. Dostoievski já o abordou no romance O duplo, Borges também escreveu o conto O Outro e muitos devem se lembrar de William Wilson de Edgar Allan Poe que resgata a quase mesma situação: a de um personagem que encontra um homem semelhante a si. No caso do romance do escritor português este fato misterioso ocorre com o professor de História Tertuliano Máximo Afonso que descobre a existência de um homem idêntico a ele em idade e feições após assistir um filme em sua casa, uma comédia leve recomendada por um colega de trabalho. Surge daí uma verdadeira obsessão para descobrir a identidade desta pessoa, que é um ator em discreta ascensão. Além disso, Tertuliano é um homem divorciado e vive um romance titubeante com uma bancária com quem ele não deseja um maior envolvimento.
Temos a presença também de um narrador onisciente em 3ª pessoa que faz questão de interferir no enredo que está contando para fazer diversas digressões e ironias a respeito da História, da natureza humana ou para observar os rumos das personagens que fazem parte da trama. Além disso, já é uma marca estilística de Saramago fazer o uso de vírgulas ao longo do texto, onde diálogos (alguns deles acontecem entre o protagonista e o “senso comum”, que tenta dissuadir Tertuliano de algumas decisões e propiciam alguns ótimos momentos) e considerações se misturam no parágrafo, recurso que confunde muitos leitores menos afeitos à prosa de Saramago ou que o estão lendo pela primeira vez, mas que não se torna um impeditivo com o correr das páginas (Saramago recomenda que leiam os textos dele em voz alta para que não haja confusão com o uso das vírgulas).
A perplexidade da possível existência de alguém parecido com você (praticamente uma cópia) que pode dar novas possibilidades a sua existência, a possibilidade da troca de identidade ou da perda da própria. Um “eu” sempre em jogo e em risco de esvair-se, desfigurar-se diante de tantas necessidades, diante da prisão de uma vida social (que envolve o trabalho, um relacionamento amoroso, a família, entre tantas coisas) que também contribui com a anulação de si mesmo para que seja ou tenha aquilo que insiste-se em chamar de personalidade, condicionada a tantos fatores subjetivos.
A prosa de O homem duplicado flerta com este tema, acrescentando mais uma perspectiva ao tema do duplo, que ainda exerce grande fascínio no público literário e ficcional, e possui uma trama interessante e surpreendente com um narrador que muitas vezes rouba a cena da narrativa e torna a leitura ainda mais prazerosa.


site: https://escritoswesleymoreira.blogspot.com.br/2016/07/na-estante-61-o-homem-duplicado-jose.html
comentários(0)comente



Helena 03/01/2017

"(...) autênticos labirintos cretenses que são as relações humanas..."

Conhecemos os pormenores da vida do professor Tertuliano Máximo Afonso, após reconhecer, em uma produção cinematográfica, um ator cuja imagem é sua perfeita cópia. A ação apenas começa a ganhar velocidade da metade para o fim da obra; mas é preciso ser persistente e paciente com a primeira parte da história, essa que lentamente é construída para dar base à sequência de acontecimentos finais.
Saramago traz metalinguagem na narrativa; além de densas divagações e reflexões que interrompem a trama, fazendo notar sua escrita com riqueza de detalhes e de vocabulário. Certamente não é uma leitura fácil e fluida, mas vale a pena! Foi meu primeiro contato com a genialidade de Saramago - fazendo jus ao seu Nobel de Literatura -, e pretendo partir para seus outros clássicos.
comentários(0)comente



Deghety 14/10/2016

Simplesmente Genial
Não farei aqui uma resenha, e sim um minisculo relato da reação que o livro despertou em mim.
Envolto no mistério, criando possiveis explicações durante toda a obra tenho que destacar a genialidade do enredo, das reflexões, das sensações humanas bem descritas por Saramago, te tragando para dentro da história, te tornando íntimo de Máximo, com um desfecho impactante de fazer prendermos a respiração. Um conselho: escolha uma explicação que julgar sensata a ti e fique com ela rsrs
comentários(0)comente



Wellington 26/05/2016

"As ações dos seres humanos, apesar de não serem já dirigidas por irresistíveis instintos hereditários, repetem-se com tão assombrosa regularidade que cremos ser lícito, sem forçar a nota, admitir a hipótese de uma lenta mas constante formação de um novo tipo de instinto, supomos que sociocultural será a palavra adequada, o qual, induzido por variantes adquiridas de tropismos repetitivos, e desde que respondendo a idênticos estímulos, faria com que a ideia que ocorreu a um tenha necessariamente de ocorrer a outro." (p. 168)

É o terceiro livro do Saramago que leio e a terceira vez que depois de ler as ultimas páginas eu sinto que não sou o mesmo, ou que pelo menos, a partir daqui eu já não posso seguir sendo o mesmo.
A maneira que o Saramago dá vida a trama, torna o mais absurdo em verossímil, e ainda consegue travar um diálogo incrível com o leitor é genial, acontece com naturalidade e embora o ritmo dele chegue a ser constante, quase sem pausas pra respirar, é arrebatador. Aqui em O homem duplicado quando ele fala de Tertuliano e Daniel, acredito, ele vai além do que o titulo sugere, ou do que por a gente já conhecer títulos parecidos, como O duplo do Dostóievski acabamos por associar. A história dos dois homens, semelhantes em tudo, mesmo não tendo parentesco nenhum, não é apenas sobre a perda de identidade do homem na sociedade, mas também sobre ser sintomático que nossas ambições intelectuais sejam limitadas devido ao mundo globalizado em que vivemos, e muito mais coisas, claro, coisas que eu não saberia como dizer. O desfecho é surpreendente. As palavras do Saramago ficam ecoando na mente por um tempo, retenha pra si tudo que você puder.
comentários(0)comente



Peterson.Silva 11/05/2016

Delícia
Esse livro é maravilhoso. Alguns comentários:

É preciso ter em mente uma dupla escolha que foi feita em termos de marketing, na minha opinião: uma delas foi boa, outra foi “neutra”. A neutra é que a história não tem nada a ver com a perda de identidade no mundo moderno ou coisa parecida – pelo menos nenhum elemento me fez pensar nesse paralelo simbólico, e olha que ao longo do texto fiquei esperando que algum aparecesse. A boa é que não se disse o que a história realmente quase é, isto é, uma tragédia. Está certo que ela não termina tão mal quanto uma, mas o jeito como o autor constrói termos como o destino e o senso comum é fenomenal – na verdade toda a ideia do senso comum como um personagem não só é uma infusão de um humor ranzinza incrível como, ao meu ver, torna essa história algo muito semelhante a uma tragédia: a tragédia se compõe justamente das decisões ruins do herói que o levam a essa ruína. E, como a história faz pensar (e indicar), essas decisões em grande parte são justamente um contrariar o senso comum.
O final é excelente. Todas as coisas que acontecem nele.
A meta-linguagem é muito, muito, muito bem executada.
Eu lembrava que ler Saramago era cansativo, mas não tenho muita noção se esse é pior ou melhor nesse sentido que ‘Cegueira’ ou Intermitências da Morte. Talvez os parágrafos pareçam ainda mais avassaladores porque se trata de uma versão de bolso a minha, mas ainda acho o estilo dele fantástico – ainda que entenda quem possa se afastar dele.
Inclusive, se há uma coisa negativa que posso ter percebido, é como o estilo de diálogo dele favorece que cada diálogo se torne quase um ensaio para uma peça de teatro. Não tem muita fluidez, movimento – sim, na fala sim, e quantas conversas fantásticas ele nos dá; mas parece que elas são entregues enquanto os personagens ficam parados, com caras de tacho, as bocas servindo de alto-falantes passivos. Fica uma coisa meio estática, mas acho que teria dado muito errado se a linguagem, que nesse caso vira a estrela do show, não fosse tão bem talhada e trabalhada. Nenhuma analogia parece forçada, nenhuma poesia, brega; o narrador, nunca identificado, tem uma voz bacana e a história é cheia de insights. Ah, e os diálogos, esses que se fez com coisas boas, também são traçados como bem naturais em suas pausas e desvios, fluxos e refluxos.
É curioso como o palavrão é tratado às vezes, na literatura em geral, como uma questão de estar por todo o lugar ou não estar em lugar nenhum. Isso porque se ele não aparece com frequência, quando aparece pode confundir o leitor e parecer fora de lugar, já que a narrativa nunca indicou que era esse tipo de história. Mas aqui funciona porque, mesmo que por centenas de páginas ele não tenha aparecido (até que o tenha feito), há um certo tom ranzinza no narrador e uma certa névoa de tensão nos personagens que não nos faz desgostar quando eles aparecem. E, por terem sido raros, quando aparecem, tem muito impacto. Demonstram descontrole do personagem, raiva, energia narrativa.
Absolutamente recomendado!

site: http://petercast.net/blog/comentarios-sobre-o-homem-duplicado-de-jose-saramago/
comentários(0)comente



@fabio_entre.livros 23/02/2016

A essência dissolvida, a identidade duplicada

Encerrando, por ora, o meu itinerário de leituras saramaguianas (iniciado por “O Evangelho segundo Jesus Cristo” e seguido por “Caim”, “Ensaio sobre a cegueira” e “As intermitências da morte”), “O homem duplicado” é um livro que me surpreendeu de muitas maneiras. Como nas demais obras de Saramago, há, neste romance, a presença de elementos característicos do autor que me agradaram desde a primeira leitura: a metalinguagem, a digressão, o humor – por vezes cínico e direto, outras vezes sutil, esperando para ser descoberto nas entrelinhas – e, não menos importante, uma questão complexa e totalmente condizente com o mundo contemporâneo, uma vez que os livros desse autor (pelo menos os que li) possuem um apelo universal e atemporal.
Particularmente, em “O homem duplicado” temos uma intrincada e vertiginosa trama na qual a identidade buscada/perdida é o ponto alto dos questionamentos de Saramago. Assim, a fantástica história do professor Tertuliano Máximo Afonso, que por acaso fica sabendo de um ator que é idêntico a si, isto é, um duplicado, desencadeando uma obsessão no professor por conhecê-lo, é um convite a refletirmos acerca dos nossos próprios limites intelectuais no mundo globalizado em que vivemos hoje; um mundo que, a despeito de suas inovações constantes, vai minando nossa identidade, diluindo-a no vórtice do cotidiano. À medida que Tertuliano busca saber quem é Daniel Santa-Clara (o seu sósia), busca também saber quem é a si mesmo, saber quem é o “original” e quem é o duplicado; em outras palavras, nessa jornada de investigação da identidade do outro, Tertuliano entrelaça a sua própria vida à desse outro, numa sequência de pequenos episódios aparentemente banais e corriqueiros, mas que, na verdade, evidenciam a complexidade e os paradoxos da sua existência, a partir de agora confrontada pela existência do duplicado.
Com o estilo vigoroso que lhe é próprio, mas sem abrir mão da intimidade com o leitor, Saramago construiu em “O homem duplicado” uma obra sinuosa, crítica e dramática, inclusive com um traço que, a meu ver, permite uma comparação com “Ensaio sobre a cegueira”: enquanto em um a falta de visão (em todos os sentidos) acarreta uma degradação contínua no ser humano, sobretudo do ponto de vista da coletividade, no outro é a perda da identidade, da essência, de si mesmo, que conduz o homem (como espécie, não como gênero) a consequências inquietantes e não raro desastrosas.
Daniel 24/02/2016minha estante
Depois de ter degustado o forte sabor Saramaguiano e apreciado o contraste entre a razão e a insanidade, a ordem e o caos, tenho certeza que você nunca mais será o mesmo. Farei planos para vivenciar essa incrível jornada.


@fabio_entre.livros 24/02/2016minha estante
Disso eu já tinha certeza desde que terminei de ler o primeiro livro dele, mas a impressão de nunca mais ser o mesmo apenas se intensificou! E sim, Daniel, procure reunir a coragem, o tempo e a determinação para desbravar o universo de Saramago. Também já estou fazendo planos de fazer uma nova maratona com ele, com outros títulos, mas provavelmente não será mais neste ano.




264 encontrados | exibindo 196 a 211
1 | 2 | 14 | 15 | 16 | 17 | 18