yuri.ulrych 18/04/2017
O Homem Duplicado Análise Estrutural e Semântica
O Homem Duplicado - Análise Estrutural
A narrativa da ficção usa a metalinguística como principal recurso para o desenvolvimento do sentido do enredo, sendo que a linguagem se manifesta falando de si mesma em várias camadas sucedidas ao texto: quando o protagonista, prosaico professor de história, por um momento sabe que está sendo narrado; ou quando o narrador aparece de repente como autor, escusando o próprio Saramago das suas próprias interpretações; ou até mesmo a personagem principal que se vê em outras personagens, heterônimos dela mesma.
Em muitos momentos o protagonista narra consigo mesmo, em diálogos, as situações hipotéticas de seus futuros devires. Os pensamentos sempre acabam falando mais alto, tanto que, ocasionalmente, aparece a figura arquetípica do Senso Comum dentro dele a conversar. Neste caso, Saramago atualiza a técnica do “Coro” utilizada por séculos no Teatro Grego, singularizando-a como personagem mental, a fim de expressar o que eram muitas vozes em uníssono, dando as opiniões arquetípicas do ser humano, no espectro do inconsciente coletivo, o Senso Comum, tenta ajudá-lo, como pode.
Como Saramago conseguiu alinhavar tantas metalinguagens diferentes e sobrepostas? A resposta é simples, existe um centro narrativo, além de ser uma tremenda ironia do autor-personagem, sempre quando ocorrem tais mudanças de ordem metalinguística, o texto volta por escrito à tríade, Tertuliano Máximo Afonso, diga-se de passagem, nome que a personagem odeia, dispondo assim o texto para uma nova mudança literária, a cada retomada.
Fora do centro narrativo Tertuliano Máximo Afonso, existe outras três personagens chamadas pelo nome completo que o texto modula para dar o seu movimento, Maria da Paz, e Antônio Claro, depois mais tarde Carolina Máximo. As outras personagens incitadas no texto, “Helena”,“Professor de Matemática”, “A vizinha”, “O Diretor da Escola”, “A Professora de Línguas”, “A secretária”, “O rapaz da locadora”, são plenamente terciários tanto pelo nome que lhes é atribuído, servindo apenas como notas de passagem.
Atenhamo-nos que quando o texto caminha em direção a Maria da Paz, há uma preparativa de tensão direta a Antônio Claro, que ao chegar por sua vez, o texto aumenta gravemente o seu grau de suspense, para depois amenizar ao centro conflituoso de Tertuliano.
O Homem Duplicado - Análise Semântica
Saramago levanta questionamentos sobre o modo operante da pós-modernidade, em que os seres humanos tem dificuldades de olhar para si mesmo, crise existencial, e de identidade de Tertuliano Máximo Afonso, no qual, não suporta o próprio nome, nem as maneiras de lidar com a profissão, muito menos amorosamente, se tem por fracassado mesmo com muitas chances batendo na porta da janela, se recusa em crise, visto às dúvidas e a insatisfação provinciana na qual se encontra, cheio de medos.
O seu duplo, é uma pessoa estabilizada em vida, ator secundário de cinema, tem poder econômico, e também tem suas escapadinhas do matrimônio, justamente o oposto de Tertuliano, atua sobre o pseudônimo de Daniel Santa-Claro, embora seu nome seja Antônio Claro. Saramago põe outra profunda discussão sobre a arte da atuação, personagens são heterônimos dos seus próprios atores?
Aconselhado pelo colega Professor de Matemática, vai à locadora e obsessivamente, acaba voltando mais e mais, a buscar filmes de Daniel Santa-Clara, cuja parecença é exatamente a mesma que a dele, de rosto, de corpo, de cicatrizes e por aí vai... Assiste todos aos filmes. Esconde essa façanha com tamanho apego, que evita de qualquer forma que seja descoberto. Alguns costumes característicos dele paulatinamente vão mudando, como ir de carro ao trabalho, ao invés de ônibus, ou propor ideias em meio a reuniões no emprego, de algum modo tenta esconder principalmente a sua angústia latente em si.
Maria da Paz vira joguete do seu pretendido Tertuliano, a partir da proposta dela assinar uma carta como fã do tal ator, para que o venha conhecer secretamente. Ela faz porque ama, ele faz porque deseja se encontrar. Acaba descobrindo o endereço, liga, e quem atende é Helena, esposa de Antônio Claro, que se assusta por ter a mesma voz do marido, aumenta mais ainda o suspense, a crise de relacionamento com ele. Tertuliano para encontrá-lo aparece disfarçado, para não ser identificado, conversam. Antônio Claro, surpreendido, quer evitá-lo como desde o começo dos contatos. Contudo, tem o desejo pernicioso de afundar psicologicamente de algum modo, dizendo ter nascido primeiro, e que Tertuliano seria seu duplicado, que não fariam testes de DNA, para não prejudicar a carreira.
Tertuliano, indefeso desiste, volta a querer se estabilizar com o que tem em mãos, sua mãe e Maria da Paz, propondo o tão almejado noivado que sua mãe queria. Mas manda ao endereço de Antônio Claro o disfarce, a barba postiça. Antônio provocado investigou a vida de Tertuliano, querendo passar uma noite de Tertuliano de adultério com Maria da Paz.
Invectivas acontecem no apartamento de Tertuliano, Antônio Claro entra, e sugere a troca de identidades, completamente fraco, aceita. Porém resolve se vingar dormindo com Helena. Afinal, um é duplo do outro, tudo isso acontece. Mas Tertuliano recebe a notícia, de que está morto, pois Antônio sofrera um acidente de trânsito matando também sua noiva, ambos se forcejaram, ela havia descoberto que não era seu noivo, segundo o narrador-autor. O choque é grande, mas Helena, compreensiva resolve continuar com “o duplo de seu marido”, como se fossem o mesmo, estando aberta para as diferenças.
A mãe, que chorava copiosamente teve oportunidade de vê-lo como Antônio Claro, no velório fingiu com Helena, valendo ressaltar que ela bem avisou Tertuliano. Saramago usa a imagem de Cassandra como oráculo de ação preventiva a ameaça que seria o Cavalo de Troia na cidade natal. Até que então toca o telefone, e alguém liga, com a mesma voz dele quando ligou para Antônio Claro. O livro termina com ele saindo armado até o local.
O duplo é sempre o segundo, quando o primeiro ressurge. Portanto, Tertuliano, poderá se matar, porque ele e o duplo são um só. Ao menos que ele aprenda a lição, tanto que até ele mesmo dizia a Antônio Claro que se um morre, o outro também morreria na sequência.
Saramago deixou este final em aberto, para a própria reflexão de escolha entre matar a si mesmo, ou se construir a partir de seus próprios pontos. Também é uma decisão duplicada.