Kassem.Abdalla 03/08/2023
Os filhos que não seguem os pais
O ser humano enxerga sempre o mundo a partir de sua visão, e talvez essa nossa característica será, futuramente, a razão de nossa extinção.
Quando os EUA estavam trabalhando na bomba atômica, correndo o risco de perder a corrida para os Nazi, ainda sim eles se negaram em dividir informações com a URSS, apenas porque queria sair na frente. Esse fato, visto claramente durante o recém lançado filme do oppenheimer, retrata muito claramente o egoísmo da natureza humana, e como somos constantemente enviesados com a nossa ideologia de tal forma que colocamos isso a perder se a outra opção for ceder ao nosso opositor. Paralelamente, vemos aqui uma cena parecida, em que dois personagens dessa trama entram em um duelo, sendo, o viés ideológico o fator mais importante. E isso se encontra acima da vida deles.
Mas se me permite, gostaria de começar essa resenha de outra forma.
Esse livro busca retratar justamente o contraste de duas gerações, que acontece e acontecerá - julgo - durante toda a existência humana. Quando jovens, criamos raízes, e o mundo muda conforme alguns ousam pensar diferente, ou ousam reclamar, e isso conduz a realidade à um outro estado, o que acaba por produzir pessoas com outras raízes, que, cedo ou tarde, confrontará seu pai, e posteriormente, seu filho. E aqui vemos esse problema humanístico ser tratado com primazia, e uma impessoalidade digna de despertar em todos os grupos um sentimento de ter sido ofendido.
O texto é tão crítico com todos, em diversas passagem, que é muito complicado definir a posição ideológica do Ivan em relação a historia apenas a partir do que aqui está escrito, não à toa ele foi mais ou menos odiado por toda a Rússia, já que cada um se sentiu ofendido de alguma forma.
E o mais curioso é ver o quão atemporal essa obra se prova, uma vez que, do outro lado do mundo, no Brasil, nos dias de hoje, as discursões aparecem tão extremamente familiar ao que aqui é demonstrado na Rússia no século XIX.
Mas sem enrolação, vamos ao que interessa. Dentro da história, o enfoque principal é o personagem Bázarov, um assumidamente niilista. Tal termo, emprestado da filosofia, significa basicamente "negar", o que nos dias de hoje, no vocabulário popular, pode ser definido como "o homem que busca destruir os valores da família"...tudo bem, essa foi uma piada bastante politizada, mas se me desculpem, não tenho a habilidade do Ivan em soar impessoal através das palavras. Pois bem, o niilismo de Bázarov, que em tese muitas vezes se veste com um mantra "ceticista", se prova, em diversos momentos, abraçado com fortes convicções bastante deslocada com a ideologia. Principalmente se tratando de sua visão apresentado sobre as mulheres, já que ele se prova bastante preconceituoso, enxergando todas como caricaturas ou estereótipos do provavelmente pouco acesso que ele teve a tais damas. E tal preconceito só vem a calha, ou mesmo parece calhar, quando ele conhece a Anna, mas falarei ela em breve. Outra convicção, que agora não soa deslocado, mas apenas muito...idealizada ingenuamente, é a sua opinião sobre a arte. Ele basicamente despreza a arte, o que me soou muito como um jovem que apenas que se sair por cima, já que ele apresenta poucas "provas" de sua visão, se resumindo a julgar a arte sobre um olhar pragmático, o que de fato a induz ao fracasso. Mas muito injustamente seria, e talvez assim o Bázarov percebesse sua infantilidade, se julgássemos um médico pela beleza que é seus objetos de trabalhos (machucados, doenças etc). Talvez essa inversao mostrasse a ele o quão fajuto é seu critério para atacar a arte. Sobre sua personalidade no dia a dia, ele é extremamente desinteressado com quase tudo, relacionada é claro, com o dia a dia. Ele não se importa em discutir, ou apenas ouvir, me parece que tudo no mundo, que não seja o que ele quer naquele momento, é extremamente enfadonho, e acho que é assim que o seu pupilo, o Arkadi, se sente. Este que idolatra seu mestre, a ponto de levá-lo a sua casa depois de anos sem ver a familília, consegue transmitir muito bem uma vibe de irmão mais novo que apenas se resume a copiar os traços do irmão mais velho; ele vivi sobre uma aura que suplica por atenção tanto quanto um bebê precisa de leite. E basicamente, tudo que diz é apenas em concordância com o que diz Bázarov, ele nunca parece ter uma opinião de fato, e parece seguir o que pensa apenas pela conveniência do seu mestre ser assim. E Bázarov, de fato, o aceita, mas não sem sempre - e isso não é proposital - reafirmar que não precisa dele, ou mesmo que não se importa. E ele revela isso através de diversos comentários, sempre extremamente sarcásticos e, em certa medida, ácido. Ele possui um instinto gregário afiado, ainda que se perguntado, negasse isso como se fosse o pilar base de sua visão de mundo.
Essa última característica, fica evidente quando, mais adiante, ele conhece a Anna. Durante todo o período pré-esse-momento, sua rotina se resumia a estudar medicina e discutir com os pais de Arkadi. Nessas discursões, sua filosofia é expressa tanto com o que diz, como a forma que age, já que nunca é ele quem puxa a conversa. Normalmente é o Pável, o tio do Arkadi, que nos dias de hoje seria algo parecido com um sargento do exercito, fracassado, desiludido que julga a ditadura como "revolução". Pois voltando a Anna. Ela me soou quase como um retrato feminino do Bázarov, só que o termo direto de sua filosofa. Ele possui uma graciosidade meio indiferente em relação ao mundo, uma certa apatia fingida, e acima de tudo, uma tendencia à filosofia que a deixa ainda mais brilhante aos olhos do Bázarov, uma vez que acaba por soar "superior" aos seus olhos. E por ela, o nosso herói chega até a mudar uma de suas convicções, já que ele abandona a visão hegeliana de mundo, e passa a ter uma crença muito mais existencialista (isso acontece quando ele decide negar que "basta um exemplar humano para julgar todos os demais", e passa a enxergar as pessoas como indivíduos). E claro, ele se apaixona por ela, e como em todo bom romance russo, o amor não é correspondido.
Em suma, se eu tivesse que resumir esse livre em uma frase, seria, "um retrato do contraste de gerações entre os conservadores e os liberais, preocupados com a destrição do outro lado, a fim de..." (parei aqui propositalmente, espero que tenham entendido ;) )
Por fim, gostaria apenas de dizer que o Bázarov é um personagem tão intrigante, que ficamos tentados a ver sua mudança de espaço não por conta do espaço propriamente dito, mas a forma como o novo espaço irá recebê-lo.