O ano da morte de Ricardo Reis

O ano da morte de Ricardo Reis José Saramago




Resenhas - O Ano da Morte de Ricardo Reis


68 encontrados | exibindo 61 a 68
1 | 2 | 3 | 4 | 5


Rosa Santana 15/04/2020

O título do romance já diz o que José Saramago, esse renomado autor, detentor do Nobel de Literatura, se propõe a contar nas 415 páginas que se abrem diante do leitor.
Ricardo Reis, um dos heterônimos de Fernando Pessoa, nasceu na cidade do Porto, Portugal, em 19 de setembro de 1.887. De formação jesuíta, estudou Medicina e se mudou para o Brasil, em 1.919 expatriando-se espontaneamente por ser monárquico e discordar da Proclamação da República Portuguesa. Não se teve mais notícias dele. Sua poesia apresenta uma visão contemplativa do ?espetáculo do mundo?, sem nele interferir, para voltar-se ao aperfeiçoamento interno, sem paixões: uma poesia clássica, fria, sem emoção, ao estilo pregado por Horácio, descrevendo mulheres diáfanas, irreais, deusas inatingíveis. Assim criou-o Fernando Pessoa, não dando data para sua morte.

Então entra em ação a narrativa de José Saramago, que poderia nos apresentar um Ricardo Reis tal qual fora criado, mas, surpreendentemente, ele o transforma em outra criatura, transcendendo a ?original?, se assim a pudermos chamar: leva-o para Lisboa em um navio em 30 de dezembro de 1935, um dia chuvoso e frio, dois dias depois que seu criador, Fernando Pessoa, foi sepultado. Coloca-o em contato com pessoas de carne e osso, que participam ativamente da política, da vida econômica e social de Lisboa; coloca Lídia, homônima de sua personagem na poesia, que, ao contrário daquela, nutre grande humanidade em si: por ele, então seu amante, pelo irmão, pelo filho de ambos que, ao final, está em seu ventre; coloca-o de frente com investigadores de Salazar, com a pobreza da cidade; e, mais, coloca-o cara a cara com nada mais nada menos do que com seu criador, o defunto Fernando Pessoa, que o vem procurar para longas conversas acerca de variados assuntos. Mas, sobretudo, daqueles concernentes à obra de cada um deles!
Por longa pesquisa feita, o autor vai levando o leitor para o ano de 1.936, contando-lhe fatos nacionais e mundiais das mais diversas áreas; fala da eleição na Espanha, em que vence os ?comunistas?, da consequente tomada do poder pelo general Franco, implantando a ditadura; da ação de Salazar, em Portugal, também ditador; Mussolini na Itália empreendendo guerra contra a Somália; Hitler ascendendo na Alemanha... Enfim, Ricardo Reis é colocado nesse cenário de guerra e de desigualdades sociais a que Saramago sempre combate! É esse o espetáculo do mundo que ele tem para admirar. A grande questão é: como não interferir, ficar passivo diante desse quadro de violência e de matança? Apesar de não ser o frio e distante ser criado por Pessoa, em alguns momentos senti vontade de sacudi-lo e dizer: reage! porque ele sente emoção diante dos acontecimentos, embora não seja o bastante para levá-lo a ação!
Assim acompanha ele o desenrolar dos fatos: diariamente compra jornais para contemplar a maravilha do mundo; recebe a visita da amante em seu apartamento alugado, até que ela decide não ir mais vê-lo; divaga pelas ruas e conversa com Fernando Pessoa! Até que este lhe diz que não voltará mais. Então, nosso protagonista diz que se vai, definidamente com seu mestre! E morre Ricardo por não ter mais a luz do seu criador!
Saramago com sua grande capacidade de construção, foi capaz de respeitar a personalidade de cada um dos envolvidos na narrativa, mas não sem dar pinceladas filosóficas segundo sua órbita! Os diálogos travados pelo criador com sua criatura, dirigidos logicamente pelo narrador, reabilitam, ainda que de leve, aos olhos do leitor o reacionário Fernando Pessoa que, como conhecemos emitiu opiniões que nos parecem desumanas acerca de assuntos concernentes às questões políticas e sociais da época. Assim, diz FP: ... você esquece a importância das contradições, uma vez fui eu ao ponto de admitir que a escravatura fosse uma lei natural da vida, das sociedades sãs, e hoje não sou capaz de pensar sobre o que penso do que então pensava e me levou a escrevê-lo (página 384)

Quem lê a narrativa vê, com certeza, José Saramago, Fernando Pessoa e Ricardo Reis: uma soma dos três grandes escritores, como diz esse trecho ao final, quando Reis e Pessoa se despedem do leitor, se encontrando, à nossa vista, pela última vez: ?Ricardo Reis tem uma curiosidade para satisfazer, Quem estiver a olhar para nós, a quem é que vê, a si ou a mim, Vê-o a si, ou melhor, vê um vulto que não é você nem eu, Uma soma de nós ambos dividida por dois.? (Página 394). Assim também, a soma dos três, dividida por três resulta em O Ano da Morte de Ricardo Reis!

Achei delicioso me deparar com vários trechos das criaturas de Fernando Pessoa, todos muito bem contextualizados, resultado da grande capacidade de escrita de Saramago.
Obrigada, Pessoa, pela genialidade da criatura, Ricardo Reis; obrigada, Saramago, por lhe dar vida, e fazê-lo descansar em paz.
comentários(0)comente



Pê Reck 18/04/2020

O livro mais...
Difícil do Saramago que li até agora. É o preferido de muita gente que conheço, mas eu achei só ok, um Saramago, ok.
comentários(0)comente



Leonardo 07/06/2020

Referências muitas
"O Ano da Morte de Ricardo Reis" é um livro complexo por envolver uma imensidão de referências literárias, históricas, políticas, ideológicas e existencialistas. Talvez por essa fama de difícil, não figure entre os mais populares do escritor na atual geração de leitores em que me incluo. É inegável, entretanto, que se trata de uma obra grandiosa.

A história se passa no final de 1935 e o ano de 1936, em pleno avanço do fascismo na Europa. A ditadura salazarista vigora em Portugal, o avanço do nazismo se intensifica na Alemanha, a guerra civil espanhola se aproxima e o fascismo italiano mostra uma de suas faces mais cruéis na invasão à Etiópia. Era apenas o fascismo que vigorava, não havia resistência? Claro que sim, porém a fonte principal de informação de Ricardo Reis era o jornal, totalmente enviesado e sob forte censura em Portugal na época. Saramago retrata Portugal como um país que se diz tão grandioso, mas na realidade é uma nação pouco influente sobre os rumos da Europa, à mercê das verdadeiras potências. Ricardo Reis, sendo um monarquista, vê tanto os movimentos fascistas quanto os de resistência como puramente republicanos versus republicanos, e não toma partido diretamente.

A solidão de Ricardo Reis mostra-se muito no lado contemplativo do personagem e torna-se exacerbada à medida que ele se entrega ao marasmo da existência. Essa monotonia é constantemente quebrada por duas personagens chave, Lídia e Marcenda, completamente opostas em suas origens e classes sociais. Lídia é um nome recorrente na obra do “verdadeiro” Ricardo Reis ("É tão suave a fuga deste dia, Lídia, que não parece, que vivemos"), porém diferente da mulher evocada pelo poeta heterônimo, a Lídia na obra de Saramago é uma mulher do povo, entregue aos prazeres carnais e crítica da realidade. Além disso, o próprio Fernando Pessoa, já morto, constantemente surge nos mais inusitados momentos para dialogar com Ricardo. Estes trechos são profundos, cômicos e tomados de ironia, com certeza os pontos altos do livro e onde a genialidade de Saramago mais se mostra.

“[...] Acima dos deuses está o destino, O destino é a ordem suprema, a que os próprios deuses aspiram, E os homens, que papel vem a ser o dos homens, Perturbar a ordem, corrigir o destino, Para melhor, Para melhor ou para pior, tanto faz, o que é preciso é impedir que o destino seja destino [...]”

Este livro contém uma série de referências, que na minha experiência não foram proveitosas. Em outras obras saramaguianas a crítica a um sistema imposto é presente, mas em geral adquire um viés abstrato e se dilui na trama. Neste livro, a menção é concreta até demais e não senti uma fluidez entre temas históricos, referências a Fernando Pessoa e as relações pessoais que Ricardo Reis constrói em Lisboa. Jamais chamaria a este livro prolixo, o que me incomodou um pouco foram as divisões até demasiadamente óbvias nos capítulos, como uma receita (x parágrafos de relações pessoais, x parágrafos de caminhadas por Lisboa, x parágrafos de leitura de notícias sobre a situação na Europa, x parágrafos de diálogo com Fernando Pessoa). Da metade para o fim certos parágrafos se tornaram maçantes e pouco proveitosos, mesmo eu parando a leitura o tempo todo para pesquisar o fato/ pessoa histórica que ele se referia. Não posso deixar de dizer que o último parágrafo é genial (o último capítulo como um todo é excelente) e a jogada de palavras entre a primeira e a última frase do livro também é algo que só um escritor do calibre de Saramago escreveria de modo tão simples e com tanto sentido.
comentários(0)comente



spoiler visualizar
comentários(0)comente



Lara.Emanuelle 18/08/2020

Três anos
Eu passei três anos com esse livro nas mãos. Terá um verdadeiro desafio nas mãos, pois encontrará uma leitura densa e complicada demais. Você vai estar lendo, bem tranquila e do nada tem um poema, uma descrição de fatos jornalísticos, ou, a depender do quão distraído no pensamento estiver, vai ter a impressão de não ter sido alfabetizada. Afinal, o estilo de escrita Saramago não facilita muito a leitura. Destarte, é um desafio que vale acatar.
comentários(0)comente



Jaciara44 13/09/2020

Frases que amei:
"Aos deuses só peço que me concedam o nada lhes pedir".
"É com atos que respondemos, e também com os atos que perguntamos".
comentários(0)comente



spoiler visualizar
comentários(0)comente



Déa Paulino 16/04/2009

Tinha um pouco de medo de O Ano da Morte de Ricardo Reis porque, na época em que o li, não conhecia muito sobre os heterônimos do Fernando Pessoa. Fui surpreendida por um romance deliciosamente bem escrito, como são todos os do Saramago, que independe do prévio conhecimento da vida e da obra do Pessoa para que seja compreendido.
Além de tratar de uma terna história de amor, dos tormentos de um poeta apaixonado condenado à eternidade imaterial, e das delicadezas das relações humanas, O Ano da Morte de Ricardo Reis é um passeio repleto de imagens, aromas e cores por Lisboa e parte da sua História. É uma bela homenagem a Fernando Pessoa (ou Ricardo Reis), também. O livro torna o heterônimo ainda mais apaixonante e, como todos os bons livros, multiplica-se - acaba por direcionar-nos, inevitavelmente, a outros livros, do (e sobre o) autor homenageado.
Saramago foi generoso, como só os melhores sabem ser.
comentários(0)comente



68 encontrados | exibindo 61 a 68
1 | 2 | 3 | 4 | 5


Utilizamos cookies e tecnologia para aprimorar sua experiência de navegação de acordo com a Política de Privacidade. ACEITAR