Joana L. N Rocha 27/10/2023
Ao futuro leitor: ler este livro é um exercício
Ler este livro é um exercício de duas coisas: Empatia e respeito.
Empatia ao sofrimento alheio. E respeito à cultura alheia. Digo isto porque, durante toda a leitura, tive de praticar isso. Colocar-me no lugar de uma mulher negra e africana, que sofre pelas adversidades da vida: algo que não é difícil; é muito fácil se colocar no lugar não só de Rami, mas das outras quatro esposas. E, também, tive de entender, compreender e respeitar muitas tradições e hábitos que se diferem, e muito, com a nossa cultura (por exemplo, o fato da viúva ter de se "deitar" com o irmão do marido morto).
Sendo bem franca, não é um livro que leria. Não me considero conservadora, mas quando o assunto é sobre poligamia, torno-me uma mulher idosa arcaica e retrógrada (não me orgulho disso, estou tentando me "desconstruir"). Contudo, é leitura obrigatória da Unicamp, então tive de ler... E obrigada, Unicamp! É um livro que vai muito além desse tópico de um homem e várias esposas, é um verdadeiro estudo sobre a mulher e sua posição na sociedade, ainda mais a sociedade de Moçambique.
Há toda reflexão acerca da população feminina e seu papel na vida, na relação entre elas e com os homens. Toda uma desconstrução psicológica, especialmente de Rami, e depois uma construção, mostrando ao leitor, peça por peça, da psique de uma mulher que, desde o nascimento, é tratada como inferior. Não só a protagonista, mas todas as mulheres, inclusive as coadjuvantes. Como nós, mulheres, somos tratadas como subalternas e palanque aos homens, como a tradição nos obriga a servir ao sexo masculino, e como a tradição atua como grilhões.
Somos carne, somos osso que deve ser roído, senão pelo marido, por outro homem; não podemos estar livres porque não nascemos para ser livres, nascemos para sermos usadas na juventude e descartadas na velhice: essa é a visão da sociedade. Aqui, a visão da sociedade moçambicana. E é nesse contexto que Rami e as outras quatro esposas (Ju, Lu, Saly e Mauá) lutam contra essa visão e com os próprios sentimentos de inveja e ciúmes, e encontram a força interior.
Passamos raiva ao longo do processo, como leitor? Sim, mas essa caminhada de redescoberta não é doce e prazerosa mesmo. É uma estrada amarga e de espinhos, perfuram os pés e açoitam as costas. E o livro exprimiu isso de forma incrível.
Tenho muitos outros elogios, mas vamos nos ater aqui.
Se assim como eu, você está aqui por causa do vestibular: leia de coração aberto, permita-se sentir a experiência. A Unicamp não escolheu essa obra a toa.
Se você está aqui por outra razão: leia.