spoiler visualizarMaria 11/03/2020
Mein tiere techeterl
"Tudo neste livro é invenção, mas quase tudo aconteceu."
Esta é a tragédia de um homem e a sua via-sacra em busca da filha “desaparecida”. Nosso protagonista é judeu e fora vítima do holocausto. Sua filha, professora universitária, culta, tímida, discreta, uma “dissidente”, décadas depois encontra-se em uma terra tão distante da Europa de Hitler, mas tão próxima à banalização do mal.
K. representa tanto o absurdo Kafkiano presente na obra “O processo” quanto um retorno à tragédia grega “Antígona” e os questionamentos acerca dos limites do poder. Esse pai desesperado, envolto em um labirinto engendrado pelo poder estatal, remete-nos a Judith Butler e seus “quadros de guerra”. Afinal, seria a vida dessa filha subversiva passível de luto? Certamente hoje muitos diriam “não” sem sequer titubear, uma vez que o líder maior do executivo enaltece figura de reconhecido torturador e é aclamado.
Por que uma ditadura perdura? Existem os realmente atrozes que, na verdade, são poucos (como certo delegado exaltado pelo regime),mas existe um número muito grande entre aqueles que escolhem não tomar parte e, quando necessário, usar a suposta conduta da vítima para legitimar a violência sofrida. Se figuras como o delegado torturador causam-nos asco (sim, essa é a palavra exata) em muitos momentos, a indignação não é menor quando os “defensores da ciência” usarão dos subterfúgios mais abjetos para justificar não apenas o silêncio, mas a escolha em compactuar com a violência perpetrada pelos agentes do Estado.
Um dos raros momentos em que nosso protagonista parece encontrar alguma compreensão é quando decide levar chocolates e cigarros aos presos e conta, uma vez mais, a sua desgraça.Aqueles homens, endurecidos pela violência, souberam ouvir – e realmente entender- aquele pai.
K. é um livro profundamente doloroso. E, sobretudo, a dor de saber-se impotente, de conduzir uma existência inteira subjugado pela impunidade, amargando a tragédia de sentir o quão frágeis são os mecanismos que -supostamente- conduzem à justiça.