Angélica 29/03/2012Solanin (Série Completa) Chegar aos vinte anos de idade pode parecer algo muito legal, mas não há como negar que também é uma etapa da vida muito angustiante. Nesta idade passamos pela transição final entre adolescente e adulto, e, com o leque de opções se estreitando cada vez mais e a iminência da entrada do trabalho e da rotina na vida cotidiana, é mais do que natural que uma série de perguntas e inseguranças comece a surgir em nossas mentes. "Solanin", mangá em dois volumes de Inio Asano, publicado por aqui pela L&PM editora, é uma pequena e emocionante crônica sobre a chamada "crise dos vinte anos", retratando o amadurecimento de um grupo de amigos no início da vida adulta.
Começamos a história conhecendo Meiko, jovem recém-formada em Línguas Estrangeiras e que trabalha como secretária em um escritório em Tóquio, onde divide um pequeno apartamento com o namorado. Entediada com seu emprego monótono, Meiko começa a se perguntar se aquilo é realmente o que ela deseja para sua vida. Após uma conversa com seu namorado Taneda, a garota decide se demitir e ir atrás de seus sonhos de liberdade. A decisão de Meiko coloca em curso uma série de eventos que mudarão a vida e o modo de pensar não somente da jovem, mas também de Taneda e dos amigos Billy, Kano e Ai.
Creio que o tema central já deixa isso claro, mas é sempre bom reafirmar: esse não é um mangá feito para ser lido por crianças, talvez nem mesmo por adolescentes. Nele não há nenhum tipo de cena chocante ou tema espinhoso, mas sua trama diz respeito a um conflito muito específico de uma determinada fase da vida, de modo que acho difícil que pessoas que ainda não passaram por esse momento compreendam completamente a mensagem da história; acredito que parte do que torna um livro/mangá/whatever inesquecível é a época na qual ele passa por nossas vidas, e detestaria ver um material tão bom quanto "Solanin" sendo menosprezado simplesmente por não ter sido apreciado na hora certa.
Bom, mas voltemos à história: toda essa conversa sobre "crise dos vinte anos" parece apontar para um desenvolvimento dramático da história, e muitos podem mesmo ser repelidos pela ideia de poder encontrar neste mangá um material excessivamente emocional, a ponto de se tornar piegas. Felizmente, "Solanin" passa longe desse cenário: Asano soube acertar muito bem o tom de sua narrativa, misturando cenas dramáticas e cômicas de modo a criar uma trama de leitura leve, porém não menos emocionante e profunda. Há sim muitos momentos de drama e reflexão, mas cenas de descontração bem colocadas evitam que o material se torne "pesado" ou desnecessariamente dramático, gerando até mesmo alguns momentos engraçados. Além disso, o autor escolhe muito bem as palavras e as situações para expor suas ideias, de modo que nada soa excessivo ou forçado. O mangá provoca no leitor uma crescente sensação de melancolia, mas também de sublimação, de superação de barreiras - tudo de uma maneira muito bela e natural.
Por se tratar de uma história de amadurecimento e crescimento emocional, há pouco espaço para o humor nos diálogos de "Solanin". O autor, porém, soube utilizar-se de um artifício bastante interessante para inserir pequenos momentos cômicos em sua trama: ao fundo de cada cena, podemos muitas vezes ver pequenos momentos absurdos ou sem sentido: uma notícia de jornal anunciando a captura do monstro do pântano, uma mulher vestida de passista de escola de samba, um rapaz com um moicano que vai até o teto, e por aí vai. Estes pequenos momentos geralmente estão escondidos nos cantos dos quadros, em partes nas quais o leitor não costuma prestar muita atenção. Essa peculiaridade acaba se tornando uma atração a parte dentro do mangá, fazendo com que o leitor saia esmiuçando as páginas em busca de algum flagra inusitado.
Mas como não poderia deixar de ser, o grande trunfo de "Solanin" está mesmo em seus personagens. O quinteto de protagonistas é construído de forma bastante realista, e cada um de seus membros representa uma faceta das questões enfrentadas pelos jovens nessa fase da vida: no centro de tudo estão Meiko e Taneda, que representam o conflito entre ir atrás de sonhos e aspirações a fim de encontrar a "grande felicidade", ou contentar-se com o bem-estar morno de uma vida pacata, mas repleta de "pequenas felicidades". Temos também Kato, garoto sexto-anista da faculdade, que procura adiar a entrada na vida adulta o máximo possível; Ai, a namorada de Kato, uma garota racional e pé no chão que se contenta com seu emprego em uma loja de calçados; e por fim Billy, meu personagem preferido, um roqueiro peludo herdeiro da farmácia da família que, apesar de ter emprego estável e futuro financeiro garantido no comércio familiar, não consegue deixar de se atormentar pensando na possibilidade de deixar aquela vida pré-moldada para procurar seu próprio caminho. Todas as personagens são muito simpáticas e cheias de vida interior, de modo que é fácil para o leitor simpatizar e se importar com elas.
O traço de Inio Asano também contribui para a climatização da narrativa. Sua arte é realista, porém ao mesmo tempo leve e agradável. Por fim, devo elogiar a edição da L&PM, que deu a este título um dos melhores tratamentos já recebidos por um mangá comum (leia-se que não é publicado em formato de luxo) no Brasil. As páginas são bem brancas e de boa espessura, evitando que vejamos a página seguinte através da folha; a arte é verdadeiramente em preto e branco, ao invés dos famosos tons de cinza que geralmente encontramos nos mangás "de banca"; as capas são feitas com um material relativamente resistente, que não fica marcado apenas por tocarmos nele (né Jbc? :P). A tradução também é outro ponto alto, tendo sido muito bem executada pela mais-do-que-competente Drik Sada. Só tenho dois "poréns" em relação a esta edição: O primeiro foi o modo como a tradução de algumas placas foram realocadas no mangá. A edição ficou pouco natural, já que a fonte utilizada para as indicações nas placas é muito "quadrada", e pedaços da arte que foram eventualmente apagados acabaram não sendo reconstruídos. Já o segundo é o formato escolhido pela editora para a publicação do mangá. Por mais que este formato de bolso barateie o custo da publicação e a padronize em relação às outras obras da coleção "L&PM Pocket" (à qual ela pertence), é importante lembrar que, como em toda história em quadrinhos, a arte é um dos fatores-chave para a apreciação de um mangá, de modo que um formato um pouco maior deixaria a leitura dos volumes mais agradável. Mas, de maneira geral, posso dizer que a L&PM começou sua investida no mercado de mangás com o pé direito, tanto em relação à escolha dos títulos quanto ao tratamento a eles atribuído.
Concluindo, recomendo a leitura de "Solanin" a todos os leitores que procuram uma história madura e capaz de nos fazer refletir sobre a vida, sejam eles fãs do estilo de mangá ou não. Inio Asano conseguiu criar uma obra verdadeiramente universal, capaz de ultrapassar as barreiras da mídia em que foi publicada e tocar a fundo todos aqueles que se proponham a apreciar sua obra.