Flávia Menezes 25/04/2023
??? OS BRUTOS TAMBÉM AMAM.
"Todos os Belos Cavalos" é o primeiro livro da "Trilogia da Fronteira", publicado em maio de 1992, e de autoria do escritor norte-americano Cormac McCarthy, que na juventude serviu na Força Aérea dos Estados Unidos durante quatro anos, e ainda estudou Artes na Universidade do Tennessee. O escritor é vencedor dos prêmios "National Book Award", "National Book Critics Circle Award", recebeu um "Pulitzer de Ficção" em 2007, e ainda foi premiado com o "William Faulkner Foundation Award" em 1966 pelo seu primeiro notável romance "The Orchard Keeper".
Depois de ter começado a assistir ao seriado "Yellowstone", e de ter me apaixonado (e viciado!) pela história da família Dutton, eu fiquei à caça de um livro que trouxesse um pouco desse universo do rancho e dos cowboys, e foi aí que encontrei esse, que logo pelo título já me ganhou completamente. Afinal, para mim, não existe um animal mais belo, com toda a sua força e elegância, do que um cavalo. E por mais no escuro que eu estivesse por nunca ter lido nada escrito por esse autor, não precisei ler muitas páginas para perceber que a minha paixão por essa história seria imediata.
Curioso como em todas as minhas histórias prediletas de cowboys, sempre tem um John como protagonista: John "Jock" Ewing ("Dallas", seriado 1978), John Dutton ("Yellowstone", seriado), e agora, em "Todos os Belos Cavalos", John Grady Cole. Acho que esse nome já previa o encantamento que eu teria com essa trama, e que alegria eu fico só de saber que esse é apenas o primeiro livro de uma trilogia.
O protagonista é o último sobrevivente de uma longa geração de rancheiros texanos, e ao se ver privado de uma vida que ele acreditava que teria, parte em uma viagem para o México com seu melhor amigo Lacey Rawlings, descobrindo um país muito maior do que imaginavam, devastado e belo tanto quanto é árido e cruel, onde os sonhos são pagos com sangue.
"Todos os Belos Cavalos" é uma obra-prima de Cormac McCarthy, ambientada em 1949, e que se tornou um dos pilares da literatura americana moderna, com essa sua parábola sobre responsabilidade, vingança e sobrevivência.
Utilizando uma pontuação mais espaçada, e até mesmo substituindo as vírgulas por "e" para criar polissíndetos, McCarthy nos encanta com a sua escrita tão poética, onde somos transportados para esse universo onde o trabalho é braçal, suado, e os homens são simples, quase broncos, com suas falas sem muita enrolação, ganhando tudo na força do punho, da faca, ou da bala.
Mas mesmo com essa certa dose de violência bem sangrenta, é impressionante o que McCarthy consegue fazer aqui. Porque por incrível que pareça, essa é uma história de amor, e o romance aqui é de fazer inveja a qualquer romancista das mais apaixonadas.
Eu gosto de ver essa ideia do amor, da paixão acontecendo por um olhar tão puramente masculino. As cenas entre o jovem John Grady Cole e Alejandra possuem uma delicadeza que vem do cuidado, da atenção e da proteção que transpiram energia masculina. E eu confesso que foram partes tão gostosas de se ler, e que me conquistaram tanto. O empenho dele (John) por esse amor, e sua obstinação (e muita coragem!) em convencer a família da sua amada de que ele é digno dela, é de tocar o coração.
Nada como uma boa história de amor proibido, não é mesmo? Especialmente quando o protagonista é alguém que não desiste, e vai atrás da sua amada com tamanha gana, e tão cheio da certeza do que quer. McCarthy não ficou devendo em nada no romance, porque afinal, quem disse que os cowboys não amam? Amam sim! E por mais brutos que possam parecer, esse é um amor tão sem enrolação, tão sem discussões bobas, tão sem joguinhos... É aquele jeito simples de chegar e de apenas se estar junto. E eu preciso dizer que o jovem John sabia muito bem como demonstrar estar apaixonado, porque eu confesso que fiquei caidinha por ele!
Mas é claro que não é só de amor que se faz uma boa história de cowboys, e essa é uma trama bastante complexa de um jovem em busca de uma terra para chamar de sua. De um verdadeiro lar, que ele inicialmente acreditava ter achado em Alejandra. Mas que, por impedimento da família dela, acabou por lançá-lo no mundo, nessa contínua busca de si mesmo.
Quando a história começou, eu até me lembrava um pouco dos livros do Mark Twain, porque a amizade do John com Lacey me lembrou muito do Tom Sawyer e Huckleberry Finn. Claro que em uma versão mais faroeste, mas eram aventuras de garotos sendo garotos, ainda cheios de sonhos e de uma inocência que o tempo e os acontecimentos foram levando embora.
E o interessante em McCarthy, é que ele não se empenha muito em escrever grandes acontecimentos. Ele vai nos conduzindo por essa história como se estivéssemos sentados na sela de um cavalo, cavalgando sem pressa, na simplicidade do campo, onde vamos apreciando a tudo sem pensar nos ponteiros do relógio. Apenas observando o trajeto do sol, para que a noite não nos pegue de surpresa.
Um dos momentos mais perfeitos para mim foi o da conversa de John Cole com a "abuela" de Alejandra, e todo aquele conteúdo sobre a família e suas tradições, dores e anseios. Foi uma das partes mais emocionantes, até porque era um jovem perdido de si mesmo diante toda uma árvore genealógica tão complexa, a qual não há como não se curvar, e reverenciar.
Foram vários momentos tocantes nessa história, e que até me levaram às lágrimas, porque na dureza da vida, mesmo quando tudo parece tão difícil, ainda assim, são tantos os ensinamentos, e a dor que foi provocada vai dando forma à cicatrizes que faz com que seus personagens caminhem em um amadurecimento contínuo, e nos ensine muito sobre suas vidas e seus dissabores e amores.
São tantas frases impressionantes que me tocaram, tão bem construídas e que nos levam à reflexão, que a vontade é de colocar todas aqui. Mas eu vou escolher uma para terminar essa resenha, porque a genialidade da escrita de Cormac McCarthy é impressionante e precisa ser admirada.
E eu confesso que, só de terminar essa resenha, já quero mais dessa trilogia, e sei que logo embarcarei em "A Travessia", porque estou ansiosa para mergulhar novamente nesse universo simples, mas que tem um poder enorme de nos prender e encantar.
Que livro! E que achado!??
"Eu nunca fora estimada daquele jeito. Que um homem se colocasse naquela posição. Eu não sabia o que dizer. Naquela noite fiquei pensando por muito tempo e não sem desespero no que ia ser de mim. Queria muito ser uma pessoa de valor e tinha de me perguntar como aquilo seria possível se não houvesse em nossa vida alguma coisa como uma alma ou um espírito que pode suportar qualquer infortúnio ou desfiguramento e ainda assim não ser diminuída por isso. Se quiséssemos ser pessoas de valor esse valor não podia ser uma condição sujeita aos azares da sorte. Tinha de ser uma qualidade imutável. Houvesse o que houvesse. Muito antes do amanhecer eu sabia que o que tentava descobrir era uma coisa que sempre soubera. Que toda coragem era uma forma de constância. Que era sempre a si mesmo que o covarde abandonava primeiro. Depois dessa todas as outras traições eram fáceis".