Fabio Martins 19/04/2016
Relato de um náufrago
Neste o meu blog, nunca escondi a minha admiração pelo escritor colombiano Gabriel García Márquez, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 1982 por suas obras fantásticas, como Cem anos de solidão e O amor nos tempos do cólera. O que pouca gente sabe é que ele era jornalista em sua terra natal antes de se aventurar pelos caminhos do realismo mágico, que encantou o mundo posteriormente.
Em 1955, quando era apenas um repórter do jornal El Espectador, um destroier colombiano saiu dos Estados Unidos rumo a Cartagena, na Colômbia. Segundo informações oficiais, vindas do governo ditatorial de Gustavo Rojas Pinilla, oito tripulantes haviam naufragado em uma tormenta no mar do Caribe. Apenas um deles, Luis Alexandre Velasco, foi encontrado vivo (ou semimorto) na costa, após 10 dias praticamente sem comer e beber sobre uma pequena balsa.
Velasco foi considerado herói nacional e recebeu todos os tipos de honrarias por isso. Enquanto estava no hospital, apenas jornalistas a favor do regime de Pinilla tinham acesso a sua história de sobrevivência. Meses depois, já esquecido pela mídia, Velasco entrou na sede do jornal El Espectador disposto a contar novamente a história do naufrágio, que já era mais do que notícia velha. Mesmo cético, o editor-chefe sentiu que havia algo a mais ali, e encaminhou o marinheiro a Márquez para 20 sessões diárias de seis horas de entrevistas.
Foi aí que tudo mudou. O rapaz revelou que não houve tormenta, e sim um vento forte capaz de desamarrar diversos produtos comprados nos Estados Unidos geladeiras, televisores, etc. e arrastar os oito tripulantes. Acontece que um destroier não pode levar este tipo de carga, caracterizando contrabando. O relato foi publicado no jornal, dividido em 14 partes, gerando extremo desconforto ao governo. O jornal foi fechado e Márquez iniciou o seu exílio em Paris.
O livro Relato de um náufrago é a coletânea completa dessas publicações que mexeram com o governo colombiano. Independentemente do caráter político, é uma história deliciosa de se ler. É tão peculiar, que dá a impressão de ser mais uma narrativa fantástica tirada da mente criativa de Gabriel García Márquez. Ele, porém, apenas transcreveu o relato pormenorizado do sobrevivente, que era um exímio narrador, segundo o próprio jornalista.
A obra, em primeira pessoa, refaz toda a trajetória da tripulação do destroier e dos temores de Velasco em voltar para casa no imprevisível mar do Caribe. O protagonista, arrastado pelos produtos contrabandeados, lutou pela sobrevivência ao lado de seus colegas desafortunados, mas foi o único que conseguiu alcançar uma balsa. Infelizmente, o mar em revolta levou todos os outros. A partir daí, começou a saga desesperadora e angustiante dele em mar aberto, com poucas perspectivas de um resgate ou de encontrar terra, mas com muita esperança de um milagre.
Ao longo de 10 dias, o sobrevivente ficou à deriva e teve encontros com tubarões, buscou comida e teve momentos de desespero e o desamparo ao pensar em seu resgate improvável. Ao mesmo tempo que a narrativa é leve, há muita carga de tensão devido à situação do rapaz. Não esperava um livro tão bacana, já que pouco se fala desta publicação em comparação às outras mais conhecidas do autor.
Relato de um náufrago merece ser lido pelos fãs do escritor tanto pela narrativa fantástica porém real quanto pela importância histórica que tem.
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