Leonardo 19/01/2023
A Mágica da Vida
Uma moça comentou, há algum tempo atrás, uma resenha no Goodreads, se referindo à "Ortodoxia" como um livro que "leva sua cabeça até as nuvens enquanto faz seus pés se afundarem na terra. Te deixa mais tonto do que você já esteve, mas te faz andar mais ereto do que você já andou."
Por mais estranho que isso possa parecer, é real.
Quando me deparo com as palavras de Chesterton e C. S. Lewis, sinto-me como se estivessem falando diretamente comigo. Afinal, como eles, não fui Católico desde o nascimento. E é com esse sentimento de camaradagem que escrevo sobre minhas primeiras impressões e aprendizados ao ler Ortodoxia, um livro que, apesar de pequeno, é grandioso.
Ortodoxia é uma espécie de autobiografia pessoal de Chesterton, onde ele conta como, ao tentar criar sua própria filosofia, acabou descobrindo que ela já havia sido formulada há milhares de anos. Ele começa com uma argumentação um tanto provocativa, ao afirmar que o que realmente é perigoso para a saúde mental é o excesso de razão, e não de imaginação. Através de exemplos que vão de Shakespeare a São João Evangelista, Chesterton mostra como o poeta busca exaltação e expansão, elevando sua cabeça aos céus, enquanto o lógico busca colocar os céus em sua cabeça, resultando em uma fissura de sua mente.
Chesterton também discute o que Orwell em 1984 chamou de "duplo-pensamento", que muito se assemelha à sociedade atual. Ele aponta como os políticos condenam a guerra como um desperdício de vidas, mas, como filósofos, afirmam que toda vida é uma perda de tempo. Como os pessimistas russos denunciam um policial por matar um camponês, mas, por princípios filosóficos, afirmam que o camponês deveria ter se matado.
Chesterton nos apresenta uma grande diferença entre a vida de santos como Joana D'Arc e aqueles que apenas viveram inventando e lançando teorias, como os Estóicos e outros escritores como Tolstói e Nietzsche. Joana não exaltou a luta, mas sim, lutou. Tolstói exaltou o camponês, ela era camponesa. Nietzsche exaltou o guerreiro, ela era guerreira.
Outra analogia que me chamou a atenção é a diferença entre fragilidade e perecibilidade. "Bata em um vidro de cristal e ele não durará um segundo, mas não o faça e ele durará um milênio."
Ele também aborda temas como poligamia, que considera como falta de plenitude sexual, e o fato de que se queixar de só se casar uma vez é tão absurdo quanto se queixar de só nascer uma vez.
Chesterton acreditava que havia mágica no mundo, e, como consequência, acreditou que também havia um mágico. Assim como a vida humana é uma narrativa, ele acreditava que havia um contador de histórias.
Ele também destaca que o fato de a igreja ser atacada tanto por aqueles que a veem como rígida demais quanto por aqueles que a veem como flexível demais, ativa demais ou passiva demais, pacifista ou sangrenta, otimista ou insensata, é prova de que ela se encontra em um equilíbrio indiscutível, e, portanto, pode muito bem estar no lugar correto. Esse tema do equilíbrio é abordado em todos os capítulos do livro, e é o que o torna tão valioso e instigante.
Ortodoxia é um livro que me deixou profundamente impressionado. Com certeza o relerei em alguns anos, mas por ora, posso dizer que as reflexões e insights que ele me trouxe são valiosíssimos. Decidi não falar sobre o último capítulo, pois para mim ele é o ponto culminante do livro e tentar resumi-lo seria como reduzir uma maçã à sua semente, e portanto, não cometerei tal crime.