Paulo Sousa 31/12/2023
Leituras de 2023
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A morte feliz [1971] - póstumo
Orig. La morte heureuse
Albert Camus (??, 1913-1960)
Bestbolso, 2017, 176p
Trad. Valerie Rumjanek
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?Até aqui vivera. Agora podia-se falar de sua vida. Desse grande e devastador arrebatamento que o levara para a frente, da poesia fugaz e criadora da vida, nada mais restava agora senão a verdade sem rugas que é o contrário da poesia. De todos os homens que trouxera em si, como todos no início desta vida, desses seres diversos que mesclavam suas raízes sem se confundirem, agora sabia qual deles fora. E essa escolha que no homem cria o destino, ele a fizera com consciência e coragem. Nisso residia toda a sua felicidade de viver e de morrer? (pág. 135/136).
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No quase findo ano, concluo mais um Camus, para minha listinha de cousas lidas desse escritor soberbo. Dele, já li ?A peste?, ?O estrangeiro? e ?A queda?. Todos livros magníficos. Todas leituras mais que essenciais.
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Terminei ele, na verdade, no dia de ontem, mas preferi refletir um pouco mais sobre este breve romance e o estranho fato de, aliado à ideia de um ?fim? trazido por Camus, ser exatamente o instante final de mais um ano, qual seja, ou a morte de 2023.
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Não tive como fugir da ideia de finitude, com tantas e amplas digressões como estas: se a vida, esta conexão ininterrupta de idas e vindas, sempre anuncia grandes evoluções e revoluções, quiçá fins e recomeços!
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Enfim.
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O mote de ?A morte feliz? é a ideia de que para se atingir a tal felicidade, é necessário ter tempo e para ter esse tempo, faz-se necessário ter dinheiro. Ponto. Patrice Mersault, o personagem principal da trama, se lança a esta busca, após anos de trabalho maçante e burocrático. Por meio de outro personagem, Roland Zagreus, a cujas ideias aparentemente Camus destila sua teoria de um ?final feliz?, Mersault consegue não pouca quantia em dinheiro, que usa para concretizar o estado de felicidade tão sonhado. Aqui, o autor argelino refaz alguns de seus motes literários, sobretudo do homem inapto ao meio em que vive, cuja inadequação fica cada vez mais aparente à medida que o personagem ? neste caso, Mersault ? percebe que investir na comunhão com os outros e na sua própria solidão não o tem ajudado tanto. Mersault buscou construir estas raízes, mas percebeu que o que era mesmo válido era o estado de felicidade quando do não mais existir. E é neste ponto, no fim do livro, que me deparo com uma das frases mais instigantes que já li (curiosos, leiam o livro! ;)).
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Camus sempre foi um escritor que me fascinou. Sempre o leio com a devoção de um epígono diante um grande filósofo (são tantas as passagens de seus livros que dariam aforismos maravilhosos!), sempre procuro ler com calma cada página sua, como se o mero passar de olhos por tamanha sapiência fosse um crime de indiferença. ?O estrangeiro? é seu livro mais famoso, mas, apesar de muitos considerarem ?A morte feliz? como um esboço inacabado, este é um livro que já ganhou cadeira cativa na minha magra lista de livros lidos neste ano difícil que foi 2023.
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O vindouro ano novo, que se inicia amanhã, certamente traz a esperança de um novo começo, onde posso enxergar a luz no fim do túnel da graduação a qual me dedico e que acaba em junho próximo e a imensa certeza, digo, felicidade, de saber que voltarei a ter um tempo para ler minha adorada literatura!
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Como disse no início desta mini-resenha, são finais, são recomeços. E é assim a vida! Evoé!