Coruja 01/07/2020Diz a sabedoria popular que “segredo entre três, só matando dois”. Aplicar essa máxima ao clássico romance de Madame de La Fayette, não creio que sobrem personagens, até porque os próprios donos do segredo teriam de cometer suicídio para não ter comichões de se confessar com ninguém. Intrigas e fofocas são a base do enredo e todo mundo está mais que interessado nos mexericos da corte. Considerando tal fato, é meio hilário que Sarkozy tenha eleito o romance como um de seus inimigos particulares à época que foi presidente.
Publicado anonimamente em 1678, A Princesa de Clèves é um meio termo entre as baladas de amor cortês medieval e o romance realista psicológico, algo como Tristão e Isolda numa versão proto-machadiana. Na corte francesa de Henrique II, a beleza e virtude da jovem senhorita de Chartres acende intensas paixões por onde passa. Velhas rivalidades na corte envolvendo parentes seus, contudo, parecem impedi-la de fazer um casamento realmente vantajoso… até o Príncipe de Clèves perder o pai e assim ficar desimpedido de ordens contrárias. O príncipe ama a jovem desesperadamente, ao passo que ela lhe tem apenas respeito e um afeto confortável. Tudo iria razoavelmente não fosse pelo retorno do valoroso Duque de Nemours à corte, que, à primeira vista, desenvolve uma paixão obsessiva pela agora princesa… sendo por ela correspondido. Tal paixão, contudo, nunca é consumada diante do dever que ela entende ter para com seu marido - ao ponto de ela preferir confessar ao príncipe sua paixão para se certificar de que não vai traí-lo com o duque.
A Princesa de Clèves entrou na minha lista de leituras mais por curiosidade histórica que interesse literário. Afinal, ele é considerado o primeiro romance psicológico publicado. Além de ter sido escrito por uma mulher e sido um sucesso de público à época. Não é, contudo, uma leitura que flui com tanta facilidade: há algo do fluxo de consciência que mais tarde seria marca registrada de Virginia Woolf, pensamentos e ações se mesclando e confundindo, de tal forma que às vezes você se perde no enredo. Os personagens também não são lá muito simpáticos - a heroína é perfeita demais, o marido é insosso, o pretendente a amante é inconveniente e sua paixão fixa me assusta. Ainda assim, é uma curiosidade que vale ser saciada, seja para acompanhar a evolução do gênero romance, seja porque ao terminar você está com a cabeça cheia de imagens deslumbrantes da corte, seja porque há algo de intenso e intrigante e - bem, ele é considerado um monumento da literatura daquele país - francês na história.
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