jota 22/12/2012Amores (e negócios) balzaquianosBalzac foi um escritor tão profícuo que em algum momento nos deparamos com um livro dele em mãos. Impossível considerar-se um leitor completo (seja lá o que isso for) ou antenado sem ter passado os olhos por algum de seus inúmeros livros.
Não sou grande leitor de Balzac, mas com a leitura deste Esplendores e Misérias das Cortesãs completo a trilogia iniciada com O Pai Goriot e Ilusões Perdidas, três de suas obras mais representativas, que formam aquilo que estudiosos do autor francês chamam de "a espinha dorsal" do projeto A Comédia Humana (89 romances, novelas e histórias curtas).
Personagens que apareciam naqueles livros reaparecem aqui, como o maquiavélico Jacques Collin, grande criação balzaquiana. Da mesma forma, voltam os cavalheiros e amigos Eugène de Rastignac (em papel secundário) e o poeta Lucien de Rubempré. Lucien, personagem central de Ilusões Perdidas, também ocupa papel fundamental em Esplendores...
Ele e Collin, muito mais do que as personagens femininas (ou cortesãs), que são, na verdade, coadjuvantes dos dois, especialmente.
Esplendores... é dividido em quatro partes, todas bastante longas, e sem divisão em capítulos para auxiliar na retomada da leitura após eventual interrupção. As letras são miúdas, os parágrafos são longos e os personagens são muitos, como se estivéssemos a ler Dickens, numa comparação entre autores.
Quando escreve sobre alguém, Balzac praticamente recua até Adão e Eva para nos apresentar o sujeito. Uma vez devidamente apresentado - ele fazia isso pois seus personagens costumam reaparecer em diversos romances depois -, retoma a história básica de Lucien de Rubempré, seu protetor Jacques Collin (que frequentemente se traveste em outros personagens) e Esther, a cortesã amada por Lucien. E também tome História, muita História da França, especialmente da primeira metade do século XIX.
Não apenas História. E as histórias de Balzac têm importância que vão muito além da literatura, a ponto de Karl Marx, em correspondência a Friedrich Engels, ter escrito: "Aprendi mais com Balzac sobre a sociedade francesa da primeira metade do século, inclusive nos seus pormenores econômicos (...), do que em todos os livros dos historiadores, economistas e estatísticos da época, todos juntos."
Bem, ainda nos bons tempos de Balzac, a própria esposa dava palpites para o marido quando se tratava dele arranjar uma amante, melhor, uma cortesã. É o que acontece com o personagem do barão de Nucingen, um banqueiro alemão estabelecido em Paris, e que se apaixona por Esther, que, no entanto, ama o jovem Lucien de Rubempré. E as mulheres, quase todas casadas, caíam de amores pelos belos rapazes que frequentavam os salões parisienses...
Verdade é que não havia tanto sexo (às vezes não havia nenhum), importava mais exibir a bela criatura para a sociedade, presenteá-la com propriedades, especialmente joias, no caso das cortesãs. E também havia muito melodrama - pelo ser amado, inatingível, as pessoas se matavam ingerindo veneno, como acontece aqui.
A terceira e quarta partes são as mais interessantes do livro. É que os dois personagens principais - o poeta e amante singular Lucien de Rubempré e seu protetor, Jacques Collin - que a maior parte do tempo passa disfarçado de padre espanhol, Carlos Herrera, para escapar da justiça - são acusados de assassinato e presos.
Este fato e a consequência dele advinda, são o ponto alto do livro. Temos então Balzac a descrever com propriedade o judiciário francês e as prisões parisienses da época (início do século XIX). Até mesmo a sociedade dos bandidos parisienses, por ele explicitada, deve lembrar - guardadas as devidas proporções de lugar e tempo -, em sua constituição e modo de agir, um conhecido grupo criminoso paulista, o PCC.
Fica evidente também, conforme aponta o editor brasileiro da obra, “as relações entre a alta sociedade francesa e um mundo nebuloso e intermediário, onde figuram mulheres belíssimas e de origem duvidosa, bandidos e escroques variados (...).” E depois de muitas páginas, caminhamos para o final do livro. Encerram-se, finalmente, as histórias do poeta Lucien de Rubempré e do singular escroque Jacques Collin.
Lido entre 08 e 22.12.2012.