Higor 19/08/2016
Sentimentos ao longo da vida
Após a leitura de três coletâneas de contos de Alice Munro, um total de mais de 25 histórias, compreendemos o porquê de ela ter sido escolhida pela Academia em 2013: ela escreve muito bem, sobre qualquer coisa, que em um primeiro momento parece ser bobagem, futilidade, nada de grandioso, mas a simplicidade, de maneira bem escrita, deixa o leitor fascinado com as descrições feitas, e até desejoso de viver aqueles - ao menos os bons - momentos em que os personagens são contemplados.
Como de costume, somos inseridos na vida de pessoas, mais precisamente mulheres, que têm sentimentos ali, dentro de si, guardados, esperando o momento certo de serem expostos, ou até mesmo visíveis, mas em um nível que não o suficiente. São sentimentos por namorados ou maridos, por amigos ou parentes, e até meros conhecidos que fizeram algo de diferente em alguma época da vida.
O primeiro conto, que dá nome ao livro, já nos mostra uma mulher aparentemente sem sentimentos, mas que tem sim, algo dentro de si, querendo ser explorado, retribuído ao patrão, mas a brincadeira de duas crianças deixa o leitor aflito sobre como tudo vai acabar.
Já o segundo, 'Ponte flutuante', começa de maneira confusa, mas ao longo da leitura, percebemos que o problema está armado: Jinny está com câncer, mas seu marido aparenta não se preocupar; ao invés disso, dá indícios que está flertando com a impaciente Helen, a mulher que vai cuidar dela.
O conto menos interessante talvez seja 'Mobília de família', onde uma garota percebe que a mulher, amiga da família, que ela sempre adorou, não exatamente isso. O estranho, na verdade, é que talvez nos frustremos junto com a personagem e possamos colocar a culpa até no conto, já que a elogiava excessivamente, e agora discorre com a mesma intensidade sobre a verdadeira mulher.
Depois disso, temos um dos melhores contos do livro, mas talvez o mais marcante, que vem sempre à mente quando o mencionamos. 'Conforto' fala de maneira interessante o suicídio, o que Nina quase considera uma trapaça do que poderia ser uma eutanásia. O pensamento ateísta do personagem também nos arrebata, e ficamos reflexivos ao final da leitura.
Ainda temos outros contos maravilhosos, como o leve e surpreendente 'Queenie' e o triste, porém belo 'O urso atravessou a montanha', que trata o amor da terceira idade de um senhor que tem que lidar com o Alzheimer da mulher.
É fácil de entender o porquê de 'Ódio, amizade, namoro, amor, casamento' ser considerada a obra prima de Munro, apesar de eu amar fortemente a ideia de 'Falsos segredos', e meu primeiro contato com a autora, em 'Amiga de juventude'. É difícil escolher uma coletânea ou um conto em especial, diante da qualidade dos textos da autora.
Munro descreve os personagens, com suas qualidades e defeitos, de maneira surpreendente, que podemos vislumbrar pessoas que conhecemos em cada uma delas. As situações não são de outro mundo, assim como as atitudes delas, mas todos são tão humanos, meros cidadãos comuns do Canadá, mas que poderiam facilmente morar no mesmo bairro que eu.
Este livro faz parte do projeto 'Lendo Nobel'. Mais em:
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