Polly 25/05/2020
As Irmãs Makioka: uma encantadora decadência (#113)
Já falei aqui, em mais de uma oportunidade, que participo de um grupo de leitura ~muito incrível~ no WhatsApp. Ele, sem dúvida, foi o responsável pela maioria das minhas melhores leituras do ano passado. Em 2019, escolhemos ler apenas autoras e, olhe, foi uma experiência espetacular. Foram escolhidos nome de peso da literatura e os debates sobre os enredos através de diferentes perspectivas de vida só deixaram as leituras ainda mais ricas.
Em 2020, decidimos repetir a dose. Em time que está ganhando, a gente não mexe, não é? A proposta desse ano é viajar o mundo através dos livros (até por que a gente nem está podendo sair de casa, né?), de preferência, livros de nacionalidade pouco comum no mercado. E foi assim que “As Irmãs Makioka” chegou a minhas mãos. Este foi o meu primeiro contato com literatura japonesa e acredito que foi uma ótima maneira de começar.
O livro nos conta a história de quatro irmãs de uma família tradicional japonesa, outrora muito rica e influente, da região de Kyoto-Osaka. Tsuruko, Sachiko, Yukiko e Taeko vivem da glória do passado, no entanto, a realidade bate à porta mesmo sem elas desejarem e ela não é agradável. A decadência da família Makioka é, sobretudo, mostrada nas amargas propostas de casamento recebidas por Yukiko, a terceira das irmãs, que vê os anos passarem sem que nenhuma delas se concretize.
“As Irmãs Makioka” é sobre relacionamentos, sobre odiar pessoas que amamos (ou os erros que elas cometem), é sobre a rotina da vida, é sobre como o passado deve ser deixado para trás para que se efetivamente viva. Com passagens poéticas tão lindas a ponto de fazer umas lágrimas sorrateiras escaparem pelo canto dos nossos olhos, a definição mais precisa que eu consigo dar ao livro é que ele é vagaroso como a vida. Nele, como na vida, os anos passam e os dias são apenas a sucessão do mesmo dia e, vez ou outra, as coisas mudam repentinamente para marcar e determinar nossos futuros. A beleza e o amor, além do próprio viver, estão escondidos nos detalhes da rotina, basta a gente saber apreciar. E acho que esse é o valor mais precioso que o livro passa.
O perdão também é bastante exercitado nesta família. As aparências são até determinantes nas escolhas e ações dessas irmãs, mas o amor que elas sentem umas pelas outras sempre vence qualquer situação. Taeko, a caçula, por sentir culpa de um “erro imperdoável” do passado, por ser a que menos viveu as glórias da família e por ser de uma geração bem diferente da das irmãs, comete erros sucessivos (cada vez maiores), tão perdoáveis e vis para a nossa visão ocidental do século XXI, mas que aparentemente prejudicam o futuro de Yukiko e causam desconforto entre elas. Taeko é a ovelha desgarrada da família, mas nem por uma página, ou linha da narrativa, suas irmãs deixam de amá-la.
Ainda sobre Taeko, ela é, de longe, um dos meus personagens preferidos da história, ainda que haja decepções pelo caminho. Considero-a uma personagem muito bem construída, cheia de nuances, daquele jeitinho que a gente gosta. Talvez por Taeko parecer muito mais com o “ser mulher no século XXI”, a narrativa, quando se prende a sua história, torna-se irresistível e lemos 50, 100 páginas sem nem perceber.
E por falar nos meus personagens preferidos do livro, tenho que reservar um parágrafo especial para Teinosuke, marido de Sachiko, a segunda irmã. Teinosuke é sensível e prestativo, sendo a única pessoa que chega perto de entender os dilemas de Taeko. Ele entende sua alma artística (talvez por ter um pouco dela), uma alma que é sedenta de liberdade. Taeko vive em um mundo diferente do deles e Teinosuke é hábil o suficiente para compreender isso. Além de ele ser um gentleman, que sacrifica sua imagem diante da casa central apenas por amor à esposa.
As Irmãs Makioka é dividido em três livros. Confesso que o primeiro não me prendeu muito, mas vale a pena passar por ele, porque o segundo e o terceiro livros são incríveis. Conquistam nossa alma, de verdade. A leitura é um pouco melancólica e dá impressão que a gente não está saindo muito do lugar, mas a história é cheia de beleza, cheia de detalhes, cheia de aprendizados. E, sabe aquele vazio que a gente sente no peito ao chegar à última página? Ele acontece com As Irmãs Makioka e é justamente o que nos fornece a certeza de se estar diante de um livro maravilhoso. Recomendo a leitura!