Ficções

Ficções Jorge Luis Borges




Resenhas - Ficções


173 encontrados | exibindo 136 a 151
1 | 2 | 3 | 4 | 10 | 11 | 12


Henrique Fendrich 05/06/2018

Parece-me que nunca houve época melhor para se ler esses contos do que essa em que cada vez mais se discute seriamente a existência de universos e dimensões paralelas. Ter outras versões de mim em outras partes que interagem com outras versões das mesmas pessoas, como é sugerido em "O jardim de veredas que se bifurcam" (um dos contos que mais gostei), está bem longe de ser um disparate entre os teóricos da mecânica quântica. Será que um dia o realismo mágico vai ser só realismo?
Henrique Fendrich 05/06/2018minha estante
Em tempo, o meu favorito foi "O milagre secreto". Que construção!




Raquel.Faria 23/05/2018

O grande desafio
Eu só posso estar ficando doida ao achar que Stephen Hawking foi meu desafio de 2018. Vocês já leram algum livro do Borges? Mano, é muita loucura! Confesso que terminei sem entender muita coisa. Definitivamente Borges não é para qualquer um. Pra início de conversa é preciso conhecer muito do universo literário pra entender as sacadas irônicas que ele lança sutilmente em seus contos. Ele é um gênio. Estou maravilhada com a técnica de escrita. Ele cria mundos imaginários e personagens tão bem construídos que é preciso muita força pra lembrar que é apenas "fantasia". Quem inventa livros para escrever críticas a respeito, citando páginas e trechos e compara com outros livros também fantasiados? Quem joga com a realidade? Até a nossa vidinha pacata ganha outros ares em suas mãos. Não. Não dá para ler Ficções ou qualquer outro livro dele uma única vez. É preciso ir além. É preciso viver a paixão por livros e bibliotecas para, enfim, tentar entender aquela mente inquieta e fantástica que Borges gentilmente nos oferta com suas obras.
Diogo Maciel 23/05/2018minha estante
Interessante :)




Alan Martins 20/05/2018

Ficção ou realidade?
Título: Ficções
Autor: Jorge Luis Borges
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2007
Páginas: 176
Tradução: Davi Arrigucci Jr.

“A verdade é que vivemos adiando tudo o que é adiável; talvez todos nós saibamos no fundo que somos imortais e que, cedo ou tarde, todo homem fará todas as coisas e saberá tudo.” (BORGES, Jorge Luis. Funes, o memorioso. In: Ficções. Companhia das Letras, 2007, p. 105)

A obra com a qual Jorge Luis Borges obteve reconhecimento internacional é uma coletânea de contos, onde a realidade e a ficção se fundem, criando narrativas únicas.


MESTRE ARGENTINO
Borges nasceu na capital argentina — Buenos Aires —, em 1899. Passou boa parte da adolescência em Genebra, onde faleceu em 1986, vítima de um câncer no fígado.

Dedicou-se à escrita durante toda sua vida, mesmo após ficar completamente cego, aos cinquenta e cinco anos de idade. Além de ficcionista, foi poeta e também tradutor, pois era fluente em diversos idiomas. Seu forte era o conto. Todos os seus livros mais conhecidos são antologias de contos. Não seria exagero afirmar que Borges foi um dos maiores contistas de todos os tempos. Philip K. Dick, que também gostava de escrever contos, via o argentino como uma de suas maiores influências literárias.

Assim como James Joyce, Fernando Pessoa, Virginia Woolf e Jorge Amado, Jorge Luis Borges faz parte de um seleto grupo de autores influentes que não receberam o Nobel de Literatura. Todavia, o leitor crítico sabe que prêmios não querem dizer muita coisa, apesar de serem importantes. Um grande autor deixa sua marca na história da literatura, tenha recebido o Nobel ou não, e foi isso o que Borges fez.

“‘Pensar, analisar, inventar [escreveu-me também] não são atos anômalos, são a respiração normal da inteligência’.” In: Pierre Menard, autor do Quixote, p. 44

TÍTULO QUE DIZ TUDO
Quando iniciamos a leitura do primeiro conto deste livro, parece que estamos lendo fatos, uma história sobre algo que realmente existe (ou existiu). Mas aí nos lembramos do título dessa antologia e passamos a nos questionar: “isso que estou lendo é real mesmo, ou é tudo inventado?”

Uma resposta mais precisa seria: ambos. Borges utilizou fatos para compor estes contos. Há a inclusão de pessoas reais, fatos históricos, mas tudo inserido num cenário fantasioso, fictício.

O autor trabalhou durante muitos anos em bibliotecas — até se tornou diretor da Biblioteca Nacional Argentina —, e isso acabou se refletindo em algumas de suas histórias, principalmente naquelas que falam sobre livros fictícios. Esse tipo de conto me lembrou o estilo de H. P. Lovecraft, que também gostava de inventar tomos mágicos, com toda uma mitologia por trás.

‘Ficções’ é, na verdade, composto por dois livros, duas coletâneas de contos: ‘O jardim de veredas que se bifurcam’ (1941) e ‘Artifícios’ (1944). São contos de gêneros variados, contendo contos fantásticos, e até mesmo policiais. É difícil se aborrecer ao ler este livro.

“Outra por fim, não menos vil, argumenta que é indiferente afirmar ou negar a realidade da tenebrosa corporação, porque a Babilônia não é outra coisa senão um infinito jogo de acasos.” In: A loteria na Babilônia, p. 61

CURTO, MAS NADA SIMPLES
Este livro é bem curto. Disse que o estilo de Borges, às vezes, me lembrou Lovecraft; o que eu não disse é que o autor argentino tem uma vantagem: seus contos são curtos e diretos, dizem muito em poucas palavras, diferente do estadunidense, que costumava enrolar muito, deixando suas histórias enfadonhas, cansativas. Jorge Luis Borges é sucinto.

Curto ou longo, não são fatores que tornam uma história simples ou não. Tudo depende da habilidade do autor. Borges possuía muita habilidade para escrever contos. É muito mais gostoso ler um conto de poucas páginas, mas cheio de conteúdo, do que um conto longo, cheio de enrolações, de informações desnecessárias.

Com isso não quero dizer que ‘Ficções’ é um livro complexo, difícil de ser lido. Muito pelo contrário, o nível da leitura não é nada simples, porém nenhum bicho-papão. O maior desafio, talvez, seja o de descobrir onde a realidade termina e onde a ficção começa. É uma linha bem tênue, fruto de um autor talentoso e inteligente.

Dentre os contos, destaco ‘O jardim de veredas que se bifurcam’, ‘A morte e a bússola’ e ‘O fim’.

“A escrita metódica me distrai da presente condição dos homens. A certeza de que tudo está escrito nos anula ou faz de nós fantasmas.” In: A biblioteca de Babel, p. 78

SOBRE A EDIÇÃO
Edição comum, que faz parte da coleção Biblioteca Borges, publicada pela Companhia das Letras. Brochura, capa com orelhas, miolo em papel Pólen Soft e boa diagramação. Apesar de minha edição ser uma reimpressão de 2018, a grafia ainda não está atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009.

Davi Arrigucci Jr., o tradutor (que também é autor de diversos livros e ensaios), executou um bom trabalho de tradução, que inclui algumas notas de rodapé.

“Não há exercício intelectual que não seja afinal inútil.” In: Pierre Menard, autor do Quixote, p. 43

CONCLUSÃO
Não é preciso uma torrente de palavras para dizer muito, e ‘Ficções’ está aí para provar isso. Antologia composta por contos bem curtos, mas cheios de conteúdo, histórias que fazem o leitor refletir. Tentar alongar demais um conto pode deixá-lo enfadonho, uma leitura maçante. Borges conhecia a medida exata para um conto ficar perfeito. Como o título do livro indica, tudo é ficção, embora possa parecer se tratar de fatos. É que, com muita habilidade, o autor mesclou realidade e ficção, criando histórias fantásticas, que parecem reais. Ao longo da leitura, vamos viajar entre diversos gêneros da ficção literária, principalmente pelo fantástico. Jorge Luis Borges é um dos maiores nomes da literatura argentina e mundial. É justo dizer que ele foi um dos contistas mais habilidosos de todos os tempos, além de um dos autores mais influentes do século XX.

“Recordou-se de que os sonhos dos homens pertencem a Deus e que Maimônides escreveu que são divinas as palavras de um sonho, quando são distintas e claras e não se pode ver quem as disse.” In: O milagre secreto, p. 141

Minha nota (de 0 a 5): 4

Alan Martins

Visite o blog para ler outras resenhas!

site: https://anatomiadapalavra.wordpress.com/2018/05/20/minhas-leituras-69-ficcoes-jorge-luis-borges/
Nimrod Serrano 18/12/2021minha estante
Ótima resenha Alan, vim saber mais sobre autor após ler um texto dele no "Crônicas Marcianas" de Bradbury. Eu daria uma chance, gosto muito de contos. O autor parece seguir ao pé da letra a "fórmula" para um bom conto. Sobre Lovecraft, concordo contigo, mas não me sinto afetado pelas particularidades da prosa dele.




Stella F.. 20/03/2018

Nova experiência
Primeiro Borges lido. Tinha um certo medo e não era sem razão. Achei muito difícil principalmente o primeiro conto. Depois fui acostumando com a linguagem. Mas não estava satisfeita e recorri a uma booktuber que tinha um projeto #lendoficçóes e foi bastante esclarecedor. Estou agora relendo cada um para tentar entender melhor e tirar proveito. Sei que não é resenha, é apenas um relato.da minha dificuldade de leitura mas achei importante fazê-lo.
comentários(0)comente



Valério 18/11/2017

Expectativa não correspondida
Já havia lido "O Aleph", que achei sensacional. Infelizmente, "Ficções" ficou aquém.
Continua com uma escrita impecável, uma redação que dá gosto. A primeira ficção é bem interessante e são imaginados países e planetas inexistentes.
Mas os demais são bons, mas não excelentes.
Daqueles livros bons, mas que não empolgam.
comentários(0)comente



Kalleb Olson 19/07/2017

Aquele autor que da vontade de colecionar tudo
Borges me conquistou com poucas palavras e agora sei que irei ser um seguidor fiel de seus trabalhos. Isso não é uma resenha, é uma declaração de amor. Como diria o próprio, pelo espelho vejo meu outro eu, ele o admira ou odeia o que le, lerá, leu... A linha do tempo há de estar em repetição. O Loop é o presente do passado futuro.
comentários(0)comente



Tuhã 01/05/2017

O labirinto no tempo de Borges
O "Tempo" de Ficções torna-se eterno na mente de seus interlocutores e o "Ciclo" de releituras é consequência natural.

É incrível o que Borges consegue fazer em poucas palavras, simplesmente genial.
comentários(0)comente



Oz 28/04/2017

Original e chato
Sem dúvida a leitura dos contos de Borges me soou como uma experiência original, já que são contos bem diferentes do que li até hoje. Ele mostra um grande potencial ao tratar de assuntos religiosos ou até mesmo psicodélicos, como em um dos contos no qual um sonho sonha outro sonho (um dos mais legais do livro).

Por outro lado, a escrita de Borges transborda uma erudição e uma estética que me parecem muito arrastadas, um texto difícil de digerir. Em diversos contos, são utilizados inúmeros personagens que eu particularmente nao sei se são reais (figuras que existiram) ou inventados (talvez seja justamente essa a intençao de Borges ao misturar ficçao com realidade), nos quais se relatam e comentam as obras literárias que esses personagens escreveram ou estão escrevendo. Achei esses contos extremamente chatos, com exceçao de "Tlon, uqbar e orbis tertius".

Fiquei com receio de ler mais coisas do Borges. Embora consiga reconhecer seus méritos, no geral achei sua leitura bem chata, talvez até por uma incapacidade minha em extrair todas as referências que ele utiliza.
Gustavo Guedes 03/04/2018minha estante
Nossa! Um dos poucos que não gostei foi Tlon, uqbar e orbis tertius. Mesmo assim, muito interessante sua análise. Pensei a mesma coisa, principalmente nos primeiros contos, mas depois essa sensação de sumiu e eu cheguei a adorar o estilo do autor. Muito legal.


Luiz Miranda 11/08/2018minha estante
Li umas 20 páginas e não entendi bulhufas. Melhor eu voltar pro Tio Patinhas mesmo...


Oz 12/08/2018minha estante
Pois é, Israel, não é das coisas mais divertidas e fáceis que tem por aí...




Gláucia 18/01/2017

Ficções - Jorge Luis Borges
Em 2012 li O Aleph e não entendi bulhufas, decidindo que não leria mais nada do autor. Mas ano passado a Aline Aimée iniciou o projeto #lendoficções onde gravou vídeos para cada um dos contos, cuja leitura era feita a cada 1 ou 2 meses e resolvi acompanhar. Devida à minha dificuldade em compreender seus contos, assistia aos vídeos antes e após a leitura de cada um. Clareou um pouquinho minha compreensão, mas fiquei impressionada em quanta coisa implícita há em cada um que eu jamais conseguirei alcançar sozinha. Para quem consegue penetrar nos labirintos da mente imaginativa do autor, esses vídeos acrescentarão um ganho muito grande à leitura. Minha eterna admiração à Aline e sua fala calma, segura, carregada de conteúdo e ao mesmo tempo despretensiosa.
Concluí que não é mesmo para mim, mas destaco dois contos que gostei e até consegui entender alguma coisa sem a ajuda dos universitários: A Morte e a Bússola e O Fim (esse último muito bonito).
22/02/2017minha estante
Gostei da sua sinceridade.


Gláucia 23/02/2017minha estante
Não dá pra querer enganar, vai que alguém pede pra eu explicar rss


Stella F.. 31/03/2018minha estante
Li e não entendi quase nada. Entendi demameira bem rasteira, então fui ao you tube e achei a Aline Aimée e assisti aos vídeos que são como aulas, e voltei a cada conto. Ainda estou nesse processo pq li o livro esse mês.




marcosm 28/02/2016

Para ler e reler
Um livro sem dúvida muito interessante e que merece uma releitura. Achei a primeira parte muito abstrata, de difícil interpretação, bem 'viagem'. Mesmo assim, os temas são densos e bem trabalhados, sem, é claro, muitas explicações. A segunda, Artifícios, gostei bem mais, é mais acessível, mas não menos densa. Alguns temas são recorrentes; morte, realidades alternativas, o tempo. A compreensão desses textos requer várias leituras, e dada a habilidade do Borges com as palavras e os temas que aborda, cada uma delas será bem prazerosa.
comentários(0)comente



Christian Rosa 08/05/2014

Às vezes me pego retornando a esse livro, seja relendo contos inteiros ou rememorando curtas e memoráveis passagens. Sem dúvida singular contribuidor à Literatura Fantástica, Borges é conhecido por tecer contos repletos de labirintos, tigres, espelhos e jogos geométricos. Nas palavras de Ítalo Calvino, era o escritor do cristal. Seus temas incluem a memória, o esquecimento, a limitada percepção humana, a literatura, o caráter caótico que permeia a realidade. Algumas vezes se apresenta com muito bom humor, como no irônico "Pierre Menard, Autor do Quixote"; em "Funes, o Memorioso", tomamos conhecimento de um homem cuja percepção e memória eram sobre-humanas; em "As Ruínas Circulares", um jogo caleidoscópico de irrealidade, de sonhos que sonham sonhos se apresenta a nós, que não deixa de parecer refletir a intertextualidade da Literatura. Também se destaca a diluição entre o ensaio e ficção, a especulação filosófica fantástica. Subverte as noções do real, adicionando notas e inventando livros. Sua prosa, escrita em elegante estilo, ainda que apresente prodígios, é lógica, racional, e nem por isso menos espantosa. O rigor com a palavra, as expressões cunhadas, tudo é tão bem construído que sempre nos convida à releitura. Não é um autor fácil de início: Borges exige a participação do leitor na construção dos sentidos. Erudito, tem gosto pelas citações e demonstra um domínio literário admirável. A reflexão e releitura são essenciais para melhor aproveitar o livro.
comentários(0)comente



Everton Vidal 03/01/2014

Comecei sem muitas expectativas, Borges tinha me parecido pesado quando tentei lê-lo tempos atrás. Mas agora nas primeiras linhas de "Tlön, Uqbar, Orbis Tertius" já fiquei cativo. Terminei o livro com a sensaçao de ter presenciado o bigband, é talvez, o melhor livro latinoamericano já escrito. Sao contos geniais, engenhosos, magistrais, alguns como "La biblioteca de Babel", "funes el memorioso", "la forma de la espada", "tema del traidor y del heroe", "el milagro secreto"... contêm muitos e muitos livros em si, num universo novo (o borgiano) que se abre e se fecha e se abre numa corrente de imaginaçao e engenho.

Eu gostaria de ter a habilidade (e o tempo) pra escrever uma resenha digna da genialidade, profundidade intelectual e inquietude metafísica de Borges.
comentários(0)comente



Arsenio Meira 24/12/2013

Natal Borgiano

Vou me ater aos contos que mais gostei. Melhor, os que mais me marcaram, pois na verdade, gostei de todos. E merecem deferência especial os contos "Pierre Menard, autor de Quixote", "Funes, o memorioso", "A seita de Fênix", "O fim" e "A Loteria da Babilônia".

Além do gosto pelas narrativas curtas e pela poesia, Borges tinha em comum com Edgar Allan Poe a versatilidade de seus contos, do fantástico ao cômico, do drama ao policial. O homem era um bólido. Gênio. Já escreveram isso 895 milhões de vezes. Problema dos números. Escrevo, e ponto. O quarto conto da seção Artifícios é um sofisticadíssimo conto policial ("A morte e a bússola"). Sofisticado leia-se, sem pedantismo, porque Borges nos faz imaginar que terá uma solução mais ou menos previsível (as iniciais dos assassinados formariam o nome oculto de Deus), mas na verdade nos conduz a uma revelação mais sutil e engenhosa, em que os crimes são praticados não por inspiração de uma seita hasídica, mas tão somente pelo desejo do assassino de valer-se do acaso para criar uma armadilha de vingança.

O protagonista é o agente Erik Löonrot, mais dado a pistas e interpretações intelectuais dos crimes do que à busca de evidências banais.

O desenho dos crimes (no caso, o losango) não deixa de ser uma solução interessante para a época em que Borges escreveu, em que assassinatos em série não haviam sido banalizados pelo cinema e pela televisão. O que agrada no conto, no entanto, é a ideia de construção dos crimes seriais a partir do acaso (a frase que a primeira vítima havia deixado sobre a máquina de escrever) e do desejo de envolver a vítima principal num labirinto que irá encantá-lo e conduzi-lo à própria morte. Nenhum assassinato terá tido execução mais literária, nenhuma dupla assassino-vítima terá sido mais borgiana, e é isso, esse elemento puramente lúdico, literário e labiríntico que encanta nesse belo conto policial.

O tema principal do conto O milagre secreto, é a questão do tempo, sua forma e limites. Em que medida o tempo é linear ou cíclico, limitado ou infinito? Um instante é indivisível ou pode compreender uma hora, um dia, a eternidade?

Jaromir Hladík, um escritor de origem judaica, é preso em Praga pela Gestapo cinco dias após a invasão da cidade pelas forças alemãs, em março de 1939. Sua sentença à morte logo lhe é revelada, e ele terá de esperar dez dias para sua execução. Nesses dias finais, imaginará execuções para si (com a expectativa alimentada por um detalhe ocasional, capaz de salvar-lhe o pescoço), buscará consolo na ideia da eternidade de uma noite, de um momento e acabará encontrando o verdadeiro refúgio na ideia de concluir sua única obra que lhe parece digna de permanecer. Hladík dedica-se à tarefa, mas consciente do escasso tempo para concluí-la, implora a Deus um ano mais. Por meio de um sonho, Deus avisa que seu pedido será atendido.

O milagre secreto é mais um conto de Borges construído a partir de uma ideia fantástica e filosófica ou, melhor dizendo, fantástica porque nas fronteiras inapreensíveis do pensamento filosófico. A agonia de Hladík é mais um pretexto para Borges liberar suas deliciosas fantasias sobre o tempo.

No magistral "Ruínas Circulares", Borges conta as conquistas e desilusões do personagem sonhador, que alterna fases de sono permanente e crises de insônia, abstinências de sonhos e sonhos induzidos, sempre desta que é a matéria mais imponderável. Não há referência a livros ou autores imaginários. Tão-somente uma bela idéia desenvolvida em forma de história: a possibilidade de que alguém crie, por meio do sonho, um personagem que se torne real. O protagonista, um aldeão que navega rio abaixo e vive a dormir sob o abrigo das ruínas de um templo, sofre a obsessão: Eis aqui o sonho último do artista, em particular da literatura.

O aldeão faz por fim um pacto com o deus fogo do templo em que se abriga, e consegue criar e fazer viver sua criatura, seu filho. Este deve abandoná-lo, deixando-lhe apenas o receio de que o filho viesse a saber que não passava de produto da imaginação. O final do conto é tipicamente borgiano, circular, infinito, como o título já sugere. Li e reli essa pequena obra-prima. É um caminho sem volta.

Conto tipicamente borgiano, porque mistura livros e personagens reais e imaginários, e nos traz uma idéia central mirabolante e criativa, é Tlön, Uqbar, Orbis Tertius. Um grupo de pessoas cria um país e um planeta imaginário e insere verbete sobre o tema numa enciclopédia de prestígio (como a Britannica) ou mesma edita uma enciclopédia inteira sobre o planeta, com estudos sobre sua geografia, sua história, sua teologia, sua literatura. É um ótimo pretexto para Borges contar-nos as peripécias dos autores anônimos, enfiar fatos que misturam personagens como Bioy Casares e Alfonso Reyes, e falar de uma curiosa língua e metafísica. Uqbar é um país de localização incerta, de fronteiras imprecisas, na Ásia Central, Tlön é um planeta, o Orbis Tertius, onde as nações são arraigadamente idealistas e onde a metafísica é afinal um dos pilares da literatura fantástica.

Em Tlön, predomina a idéia do sujeito único, os livros não são assinados, porque se imagina que sejam produtos de um único autor, intemporal e anônimo. Como num jogo, em que o prazer maior é a verossimilhança, Borges mostra-nos com extrema delicadeza a maneira como surge a idéia do planeta imaginário, as referências aos livros e autores que o dissecam, as peculiaridades do lugar. As descrições do mundo imaginado são deliciosas, como nas cidades invisíveis de Calvino, embora Borges, ao contrário do escritor italiano, deleite-se mais com a criação dos criadores e do processo de criação em si do que com o objeto criado.

Há também um fino humor tanto sobre os americanos (o magnata que escarnece a modéstia de um projeto de criação de um país imaginário e propõe a concepção de um planeta inteiro) como sobre os ingleses e saborosa é a crítica direta às ideologias do século XX, que soa como música num conto tão sutil e inteligente.

Entenda-se ou não como conto, aliás, o leitor "é o sujeito mais livre do mundo", como decretou o nosso genial Nelson Rodrigues, chame-se de narrativa curta ou qualquer outro nome, o fato é que A Biblioteca de Babel, de Borges, é um exercício supremo de imaginação. A Biblioteca é o universo, e se não é infinita, a questão é irrelevante, já que seus limites são inacessíveis ao homem. Não há existência fora dela, ela abarca tudo. Lá estão os homens e todas as possibilidade de combinações de 25 símbolos (22 letras, espaço, ponto, vírgula) em livros de quatrocentos e dez páginas, com todos os idiomas e formas criptográficas possíveis, distribuídos em salas hexagonais que se comunicam por meio de pequenos vãos com outras salas hexagonais ao lado e acima, como uma colmeia perfeitamente geométrica e sem fim.

A grandiosidade do universo é melhor percebida na morte: a sepultuta dos homens ocorre no ar insondável, ao vento da queda do corpo no fosso que atravessa as colunas de hexágonos e nunca termina. Borges aproveita sua Biblioteca para lançar outras imagens geniais, como a idéia do livro cíclico de Deus, cuja lombada envolve uma sala circular, ou do livro de folhas de espessura infinitesimal que poderia conter todos os livros; a idéia do falso predomínio do caos e da falta de sentido sobre a plausibilidade (já que mesmo a esmagadora maioria dos livros com combinações aparentemente aleatórias podem fazer sentido em linguagens que não dominamos; a busca pelos homens do livro sobre seu futuro entre tantos livros sem sentido e tantas biografias futuras falsas de si mesmo; a busca do livro que revela a origem do Universo/Biblioteca...

A Biblioteca de Babel é, ao mesmo tempo, a metáfora da vida de Borges, em que o mundo são os livros, e o melhor espelho de sua imaginação vertiginosa.

Daniel 10/01/2014minha estante
Este livro ficou muito tempo na minha lista "vou ler". Mas um leitor de gosto semelhante ao meu me disse que tinha achado "muito chato". Vou colocá-lo de novo na lista.


Arsenio Meira 10/01/2014minha estante
Daniel, realmente aqui, ou a gente vai gostar muito, ou vai pular fora... Eu também fiquei um tempão para ler esse livro. Uma prima minha legítima, que é fanática por Borges e Cortázar me deu de Natal o livro. Eu já tinha um outro exemplar. Estava novinho... Entao, peguei o que ganhei e resolvi ler e espontaneamente, Borges me mostrou o porque dele ser considerado gênio. Preparo-me para o Cortázar. Sem hora marcada, mas vou ler. Abraços


Flávio 24/01/2014minha estante
Daniel, Borges é fascinante. Merece ser lido.
Arsenio, excelente resenha. No ponto. Não é fácil, mas nada deveria ser tão fácil.


Thiago Ernesto 15/10/2015minha estante
Sempre um prazer ler suas resenhas Arsenio! Lembro-me que quando mencionei minha intenção de, em breve, ler Ficções você me mandou ir com calma rs Pois é, não aguentei. Assim que li Pierre Menard não me contive e tive que procurar mais Borges! Abraço!


Marcos.Azeredo 19/07/2018minha estante
Estou querendo ler este livro de Borges, já que gosto muito de literatura latina-americana, Li Garcia Márquez e Cortázar, dois grandes escritores.


Márcio_MX 09/01/2019minha estante
Gostaria muito de ter tido a oportunidade de discutir Borges com você, amigo.
Mas sua resenha já foi um alento.


Marcos.Azeredo 22/07/2020minha estante
Esperava mais deste livro do Borges.




Eduardo 11/12/2013

Uma obra prima do Mestre Argentino
Ficções, é uma coletânea de contos do autor argentino Jorge Luis Borges. Borges, dividiu este livro em duas partes intituladas "O Jardim das Veredas que se bifurcam" e "Artifícios". Com mais uma prova de sua brilhante maestria, o escritor nos presenteia com mais uma compilação de excelentes contos.
A erudição mostra o alto grau intelectual de Borges, revelando toda sua capacidade criativa. Os contos - em alguns momentos - revelam algumas interligações sutis, que demonstram a quase perfeição da escrita do autor.
O caráter fantástico e metafísico de alguns contos do livro tornam tudo mais interessante. Discussões sobre Deus, o tempo e o espaço prendem a atenção do leitor. Em alguns momentos Borges cria reflexões e discussões que beiram a digressões, mas tudo aparenta ter um sentido bem construído, o que dá uma beleza especial aos contos.

Um escritor que merece ser lido. Sua obra redefiniu toda a literatura latina, bem como a mundial e não por acaso. O talento único de Borges pode ser lido em cada linha vertida nas cento sessenta e oito páginas deste trabalho. Incríveis cento e sessenta e oito páginas!
comentários(0)comente



173 encontrados | exibindo 136 a 151
1 | 2 | 3 | 4 | 10 | 11 | 12


Utilizamos cookies e tecnologia para aprimorar sua experiência de navegação de acordo com a Política de Privacidade. ACEITAR