T. Ururahy 28/04/2012
Um sonho concretizado para a literatura nacional
“Sonhou que caminhava por uma estação de metrô. Paredes de azulejo branco refletiam as luzes das lâmpadas de vapor metálico, provocando em sua pele agradáveis ondas de calor. Viu, ao final do longo túnel, o que lhe parecia ser um farol de locomotiva. Seguiu em direção ao ponto luminoso.”
Olá, senhores(as)(itas)! Não há outra palavra para descrever a resenha de hoje senão SATISFAÇÃO. O livro em pauta chama-se “O Sonho de Eva”, do autor nacional Chico Anes e foi lançado pela Editora Novo Conceito (através do selo Novo Conceito Jovem) em Abril de 2012. Minha alegria em ler “O Sonho de Eva” se dá pelo fato de que o autor – membro da República dos Escritores, assim como eu – sempre foi considerado internamente entre os escritores do grupo como um dos mais promissores, com o texto mais universal e capaz de se enfiar entre os best-sellers internacionais sem problema algum. Ou seja, havia uma apreensão quando eu comecei a ler o livro finalizado: será que minhas expectativas vão se confirmar? Eu estou certo com relação à qualidade do texto do Chico? Ó vida, ó céus!
De imediato, a obra acerta na premissa. Trata-se da história da Dra. Eva Abelar, uma autoridade mundial em sonhos lúcidos (Google it! Vale a pena), que vê sua vida desmoronar no mesmo dia em que seu filho desaparece e sua irmã (aparentemente) se suicida. A partir desse ponto, o enredo segue uma linha entre a ciência e o lúdico, construído de uma forma tão interessante e plural (discutiremos o conceito mais adiante) que em determinado momento você não consegue mais dissociar as duas coisas. A leitura não é rasa, existe um aprofundamento crítico com relação ao nosso livre-arbítrio e à nossa crescente dependência da tecnologia, mas é um subtexto tão sutil que, se você prefere apenas curtir uma boa história, vá em frente que eu garanto que não será bombardeado por informações que não pediu.
No que diz respeito à narrativa, o autor demonstra conhecimento técnico cena a cena, desencadeando uma ligação personagem-leitor que o impede de se desligar da trama. Estamos falando do clássico “sentir o que o protagonista sente”, técnica a qual Chico Anes demonstrou ter total domínio. Quanto à pluralidade do texto, ao trabalhar em dois mundos (o real e os sonhos lúcidos), o autor utiliza mudanças no ponto narrativo do texto, intercalando primeira e terceira pessoa de forma a “virar a chave” imediatamente quando o leitor se depara com a mudança. É sutil e funciona. Claro, eu adoraria ver elementos mais bizarros e viagens oníricas mais intensas, mas isso é o escritor de Literatura Fantástica falando (rs).
As passagens em que as explicações científicas são amarradas com a trama e apontam ligações entre grupos/sociedades secretas e suas intenções nada amigáveis com relação à humanidade me lembrou Dan Brown. Para quem, como eu, gostou de “Ponto de Impacto”, “Fortaleza Digital” e “O Símbolo Perdido”, a leitura de “O Sonho de Eva” destoa apenas em um ponto: Chico Anes intercala cenas intensas e ágeis (típicas de Dan Brown) com passagens mais extensas e oníricas, como não poderia deixar de ser. Outro fato que reforça ainda mais a pluralidade do texto do autor.
Para não dizer que não falei das flores, senti falta de passagens mais extensas com o filho da Dra. Eva Abelar, um garoto autista. Mesmo que isso pudesse estender demais o texto com cenas que não impactariam o enredo, sei que o autor teria condições de criar uma leitura muito interessante sob um ponto de vista tão peculiar.
Ademais, por mais que os conceitos apresentados não sejam simples e corriqueiros, o leitor não depende da compreensão desses assuntos para desenvolver sem percalços o enredo até o final. Claro, eu recomendo muito uma pesquisa final sobre alguns dos temas abordados, alguns dos nomes de cientistas e pesquisadores citados, etc. Essa história de Sonhos Lúcidos e a visão científica do nosso livre-arbítrio são MUITO interessantes.
“A imagem de Anna tentando falar de dentro do túmulo voou por sua cabeça. Passou as mãos pelos braços, esfregando a pele arrepiada. Aquele era o tipo de som que alguém ouviria se estivesse no cemitério, depositando flores numa lápide, e o defunto começasse a gemer lá embaixo.”
Enfim, “O Sonho de Eva” cumpre com louvor seus objetivos de divertir o leitor ao mesmo tempo em que nos faz pensar em diversos assuntos existenciais sem cair na falha de travar o desenvolvimento do enredo. A obra entretém e, principalmente, reforça o quanto os autores brasileiros estão trilhando um caminho sem volta para o patamar de big books internacionais.