João Pedro 02/05/2021Profundidade sentimentalLembro que, há alguns anos, quando eu ainda era muito reticente quanto à leitura de clássicos e já navegava nestes mares literários do Skoob, me deparei com o perfil de algum livro de Virginia Woolf e cogitei a leitura. Passado um tempo, porém, acabei desistindo da ideia... Lembro da impressão que possuía de que a obra de Virginia era algo como melancólica, talvez por ter, de certo modo, associado a seu suicídio.
Hoje, felizmente, despido dessa pré-concepção, me permiti iniciar a leitura da obra de Virginia Woolf por "Ms. Dalloway" e só posso dizer que estou deslumbrado. Mais do que o enredo em si, é a forma narrativa da autora que destaca todo o seu poder com as palavras. Como Clarissa Dalloway costurando em sua sala de estar enquanto comanda os preparativos para a festa que dará em sua residência, Virginia Woolf costura com palavras uma teia de sentimentos, paixões e emoções que interliga todas as suas personagens, tudo isso em um espaço temporal de um dia (uma quarta-feira londrina de junho de 1923, para ser mais preciso).
É fascinante como a ausência de linearidade narrativa explorada por Virginia lhe confere a liberdade de muito bem explorar o íntimo de suas personagens, com uma profundidade sentimental peculiar. De fato, esse ir e vir por vezes demanda atenção redobrada do leitor, sendo bastante comum a necessidade de se reler trechos para se compreender sobre qual personagem a autora está narrando. Isso, porém, não atrapalha o ritmo da leitura; em verdade, é um deleite, pois a cada releitura se desvenda, tal como flor desabrochando, a beleza incutida em suas palavras.
"Ms. Dalloway disse que iria ela mesma comprar as flores." (p. 14)