Miguel Freire 08/04/2024
Um gigante, em todos os sentidos
Duna é um dos maiores romances de ficção científica de todos os tempos. Disso ninguém tem dúvida, e eu mesmo não posso contestar essa afirmação. Creio que poucas obras possuem o mesmo peso e a mesma grandiosidade que esta.
Duna, ou Arrakis, é o nome de um planeta deserto hostil, onde a água é o bem mais precioso que existe e o único lugar do universo onde se encontra uma especiaria chamada mélange, que dá certas habilidades especiais a quem a consome. A galáxia está sob o governo de um Império, e o sistema governamental é o mesmo do feudalismo: várias Casas governam os planetas e lutam entre si para expandir seus domínios. No livro, acompanhamos a jornada de Paul, filho do duque Leto Atreides, desde quando, por decreto do Imperador, eles passam a ser os novos governantes de Arrakis. Porém, tudo não passa de uma armadilha organizada entre o Império e a Casa Harkonnen, inimiga mortal dos Atreides, e assim a história vai entre traições, lutas, batalhas, intrigas políticas e provações.
Paul não é um simples filho de um nobre. Ele é uma espécie de messias, fruto de um longo e intrincado plano genético que o torna capaz de prever o futuro, de unir o espaço e o tempo. O arco do personagem com certeza é um dos melhores que eu já vi. Todo o processo de aceitação, de controle e de autoconhecimento do jovem é sensacional. Não que seja fácil ou tranquilo de ler: o poder da presciência é algo muito delicado de se trabalhar, pois pode deixar a história ou previsível, ou bagunçada demais. Mas, Frank Herbert conseguiu descrever como a mente de Paul funcionava em seus “transes proféticos” de uma maneira magistral: complexo e profundo para entender, às vezes até difícil, mas ainda sim coerente e organizado.
O livro também possui uma carga filosófica e religiosa muito (mas MUITO) grande. O número de provérbios, ensinamentos, versículos, ditos populares e trechos de obras literárias é tão gigantesco que é quase inacreditável pensar que todos foram criados por uma pessoa só. A rigorosa estrutura religiosa dos fremen (o povo que vive nos desertos do planeta), refletindo a dureza e a aridez de sua vida, é bem completa, com toda uma estrutura metafísica, hierárquica, ritual e comportamental. Acho que a completude e a grandiosidade deste mundo só perdem para a Terra-média do Tolkien.