Érica 08/02/2014
Demonão e Titília
O triângulo amoroso que aconteceu entre D. Pedro I, sua esposa D. Leopoldina e a amante Domitila de Castro sempre me chamou a atenção. Lembro-me claramente do meu professor de história, ainda no cursinho, falando que ele assinava as cartas como Demonão quando estavam de bem e como Sua Majestade Imperial Dom Pedro de Alcântara I.
Desde aquele tempo ficava imaginando e lendo coisinhas aqui, coisinhas ali sobre esse relacionamento e como ele, em conjunto com o temperamento pouco afável em relação à sua esposa, causou a possível depressão que acometeu D. Leopoldina e levou-a à morte.
Lógico que caí de amores quando, na livraria, dei de cara com A carne e o sangue: A Imperatriz D. Leopoldina, D. Pedro I e Domitila, a Marquesa de Santos, da Mary del Priori. Para começar, já sabia que a escritora era uma excelente prosadora desde que li o seu Histórias Íntimas – outro excelente livro sobre o Brasil (só que este aborda nossa sexualidade, do passado ao séc. XXI).
Na verdade, Mary é um artigo raro – uma historiadora que escreve com leveza, graça tornando os eventos históricos pitorescos e agradáveis. Tem-se uma bela e rica aula de história sem ranço.
Assim, minhas expectativas para o novo livro eram bem grandes. Cultivadas ao longo dos anos... E não me desapontei!
Para começar, o título que coloca os dois itens que acompanharam D. Pedro ao longo de sua vida: a carne, devido ao seu conhecidíssimo apetite sexual que obrigava pais zelosos a trancarem as filhas em casa, e o sangue, sua herança aristocrática que lhe impingia obrigações, das quais ele procurava não fugir.
D. Leopoldina não era bela, tampouco D. Pedro, mas ambos possuíam o “sangue” – o elemento maior que definiu a união de ambos. Os dois descendentes de realezas europeias e era o que bastava. Devemo-nos lembrar que Kates e Graces tornaram-se possíveis apenas desde o séc. XX.
Quando de sua chegada ao Brasil, Leopoldina surpreendeu-se com a informalidade dos trópicos – aqui não se lia, nem se ia ao teatro, nem a festas, sentavam-se no chão e comiam-se com as mãos. (Combinemos que, afora alguns detalhes, continuamos do mesmo jeito – mas isso é outra história). A corte, até então nas mãos de D. Carlota Joaquina, a qual nutria profundo desprezo pelos trópicos (exceção feita aos machos tropicais), não foi adaptada aos costumes europeus.
E aqui, convenhamos, D. Leopoldina não fez da corte sua imagem ao chegar, uma princesa de família tradicional e rica, finamente educada e instruída – antes se submeteu e recolheu-se. Obviamente, os humores de D. Pedro, muito ausente e muito podador – retirava-lhe até mesmo a mesada, muito contribuíram para fazê-la triste e recolhida.
Além disto, ao enamorar-se de Domitila de Castro, D. Pedro, famoso por seus excessos, passou a tratá-la com deferência que ofendia a honra da imperatriz. Chegou a instalá-la em uma casa anexa ao palácio de onde tomava conta da amante pela janela questionando-lhe sobre as visitas.
O livro ainda é rico por trazer transcrições de cartas e bilhetes. Traz ainda fotos dos envolvidos – o que certamente é um detalhe a ser mencionado: é inegável o quanto este tipo de registro enriquece a narrativa.
Por exemplo, ri muito quando li o trecho em que D. Pedro pede a Domitila que não se lave para o próximo encontro de modo a preservar os seus odores. Ele ainda recheava suas cartas com desenhos de seu membro e relatos de como este o incomodava, por exemplo, quando estava com alguma doença.
Enfim, um livro de história, escrito por uma historiadora (e não um jornalista) que é delicioso de se ler e nos mostra nossa história de maneira pitoresca e interessante.
(publicado no jornal cultural "Conhece-te a ti mesmo")