Stuart.bookster 23/02/2022
O Nome da Rosa, de Umberto Eco
Um clássico da literatura mundial totalmente merecedor desse título, impecável em suas discussões e conceitos filosóficos, destemido em suas observações e ousado em sua trama. Muito se debate a respeito desse livro e a forma como ele se apresenta, confesso eu que fiquei admirado com sua complexidade temática e afronta a temas tão sensíveis, entretanto achei necessário que tivessemos alguns entendimentos a respeito das situações apresentadas nos livros, inclusive hei de comentá-los aqui.
Primeiramente, um trecho que me chamou muita atenção foi o seguinte:
"Pensando bem, bastante escassas eram as razões que pudessem inclinar-me a publicar a minha versão italiana de uma obscura versão neogótica francesa de uma edição latina seiscentista de uma obra escrita em latim por um monge germânico em fins do século XIV"
Muito me marcou esse trecho porque me senti lendo novamente no sexto ano o trecho do livro do SAS (Sistema Ari de Sá) que tratava sobre globalização:
"Globalização é a possibilidade de um autor argentino estar em um trem indo da Holanda para a Espanha, tomando café tailândes e comendo chocolate belga, escrevendo um livro em inglês utilizando como referência um autor chinês."
Achei muito legal essa comparação que meu cérebro me proporcionou uma espécie de "globalização" que se apresenta nesse trecho dentro da Europa em sua caminhada inicial rumo à Renascença.
Segundo, achei brilhante a forma como o autor faz uma crítica não tão sútil a falta de humanidade da sociedade atual, mascarada sobretudo pelo "patriotismo", sobretudo entre aqueles que pregam amor e compaixão com qualquer ser humano, especificamente nesse trecho:
"Francês e devotado ao rei da França ( os homens dessa terra corrompida estão sempre inclinados a favorecer os interesses dos seus, e são incapazes de olhar para o mundo inteiro como sua pátria espiritual)."
Além desses:
"Agudo para descobrir e prudente (se for o caso) para encobrir. Frenquentemente, de fato, é indispensável provar a culpa de homens que deveriam sobressair por sua santidade, mas de modo a poder eliminar a causa do mal sem que o culpado seja relegado ao desprezo público"
"Transformada em meretriz, amolecida no luxo, envolta na luxúria como uma serpente no cio! Da pureza nua do estábulo de Belém, aos bacanis de ouro e pedra, olha, até aqui, viste o portal, aqui não se escapa do orgulho das imagens!"
Essa crítica velada as instituições e acontecimentos da humanidade é sensacional, se aprofundarmos e expandirmos a crítica ela permanece válida até hoje, sobretudo diante do cenário de expansão de fronteiras digitais, crise de refugiados, o aumento da xenofobia e afins. Sociedades inteiras, sobretudo em países mais ricos, que pregam dignidade e respeito aos direitos humanos sequer são capazes de fornecer isso dentro da sociedade em que vivem, pois muitas das vezes não consideram os estrangeiros seres dignos o suficiente capazes de integrar sua comunidade. Para além disso, há uma crítica severa a Igreja e sua hipocrisia de enriquecimento ilícito, ofertado pela ganância dos homens que a controlam, sobretudo na "única" existente no período: Igreja Católica Apostólica Romana; muitas pessoas que mascaravam-se como certos pela sociedade por pertencerem ao Clero, quando na verdade são piores que aqueles que acusam de plágio. Muitos são os casos famosos dentro da Igreja, demonstrando que não devemos confiar em títulos ou aparências.
Terceiro, a forma como ideais filosóficos são ligados a noções matemáticas e gregas de simetria e perfeição, exemplo nos seguintes fragmentos:
"A beleza dos cosmos é dada não só pela unidade na variedade, mas também pela variedade na unidade"
"Pois a arquitetura é dentre todas as artes a que mais ousadamente busca reproduzir em seu ritmo a ordem do universo, que os antigos chamavam de Kosmos, isto é, ornado, enquanto parece um grande animal sobre o qual refulgem a perfeição e a proporção de todos os seus membros."
Fica vísivel aqui a forma como já começa a ser ver a beleza através de noções exatas, como simetria e afins, achei interessante perceber isso sobretudo porque demonstra o despertar do conhecimento "clássico" diante das "trevas medievais", sobretudo porque durante esse período ela estava restrita aos mosteiros, que são locais religiosos, então ter ideias dos clássicos que eram em sua maioria mais racionais que religiosos era uma afronta, por isso considerei importante destacar essa afronta.
Quarta e última a forma como relaciona natureza, magia e raça humana, sao diversos trechos que me chamaram a atenção por isso:
"As máquinas, afirmava, são efeito da arte, que é macaco da natureza, e dela reproduzem não as formas mas a própria operação."
"O objetivo da sabedoria era também prolongar a vida humana"
"Há uma magia que é obra divina, lá onde a ciência de Deus se manifesta através da ciência do homem, que serve para transformar a natureza, e um de cujos fins é prolongar a vida humana"
Esses conceitos achei puro brilhantismo de escrita, sobretudo pelo período em que se insere. Além disso, abordou uma fala que parece atual, ainda mais diante do cenário de pandemia no Brasil:
"Nem sempre os segredos da ciência devem andar nas mãos de todos, que alguns poderiam usá-los para maus propósitos"
Simplesmente sensacional esse livro, fenomenal do começo ao fim, incrível e deslumbrante, recomendo demais!