spoiler visualizarjoaohenrique.luttmer 23/06/2015
Calisto – Trilogia da Meia-Noite I de L.E. Haubert
Calisto é o primeiro volume da ainda em desenvolvimento Trilogia da Meia-Noite, obra de ficção fantástica da ainda nova e, ainda sim, promissora autora Laura Elízia Haubert, publicado pela editora Novo Século. A continuação desta, Sohuem, também já está disponível no mercado.
Em Calisto, é-nos narrada a história da fictícia Arrarock, ambientizada ao mesmo estilo das clássicas obras de ficção fantástica, tal qual as de J.R.R. Tolkien, R.A. Salvatore e George R.R. Martin, para dar comparativo com os mais conhecidos expositores do gênero.
Como contexto, é-nos relatado sobre como, há aproximadamente um milênio antes de onde se encontra nossa narrativa principal, Volker, um poderosíssimo e proeminente mago teria se rebelado e voltado seu potencial para o angariamento de poder próprio. Com a ajuda das chamadas „Insígnias de Gwen“, artefatos de grande poder, as quais o mago reunira, este inicia uma campanha de dominação de toda Arrarock. Tendo, naturalmente, adversários dispostos a detê-lo, instaura-se uma guerra de proporções tamanhas e impacto tão memorável, que a mesma acabaria por minguar-se ao folclore desta terra.
Tal guerra foi travada por duas alianças, compostas de, majoritariamente, quatro exércitos: de um lado, Volker e os „racis“, horrendas criaturas nativas de Racia, que se assemelhavam a uma mistura de orcs e humanos e, de outro lado, os magos, detentores de sabedoria arcana, os homens, raça predominante em Arrarock (ao que tudo indica) e os elfos, criaturas de pele alva e perolada e fascinantes habitantes dos bosques e florestas.
Ao fim da batalha, sucede-se que o exército de Volker é em sua maior parte dizimado, tendo seu restante desistido, sendo, assim, o ambicioso mago capturado e aprisionado e suas insígnias escondidas nos confins do mundo, no intuito de nunca mais serem achadas. Entretanto, quis o destino que estas fossem reencontradas e Volker libertado para, após mil anos, derramar sua treva novamente sobre Arrarock.
Calisto tem como protagonistas Draco Dawnovitch e Lucas Meirez.
Draco é um garoto de quase dezessete anos, filho da camponesa Joanne. É simplório, gentil e calmo, como todo devido camponês. Sua vida gira em torno de ajudar sua mãe com a pequena colheita, suficiente para mantê-los, e de suas andanças pela cidade de Läy, acompanhado de seu melhor amigo, Ryan, além de seus tenros sonhos de amor platônico com a bela Rowena, filha do prefeito.
Por motivos de força maior e ainda não compreendidos em sua totalidade, Draco, ao sair para caçar, acaba por achar um intrigante objeto – uma das insígnias de Gwen. Ainda que ele não soubesse, isto mudaria seu destino completamente.
Lucas Meirez é um jovem órfão da antiga e outrora grandiosa cidade de Nalfo, conhecida por, supostamente, ter treinado os lendários cavaleiros de dragão, que, com suas temíveis montarias, teriam ajudado a selar a vitória dos homens e elfos na grande resistência contra o sombrio poderio de Volker. Mil anos depois, porém, não havia nem indícios sobre a fatídica existencia destas criaturas, tampouco ideia de onde terminava a história e começavam as lendas.
Lucas é em geral mal-querido pela população, pos era frequentemente pego roubando pequenas coisa. Sua única companhia era Brás, um velho sem amigos e de poucas palavras.
Um dia, entretanto, sua vida muda de rumo por inteiro, ao encontrar e estabelecer uma peculiar relação com algo que antes encarava com ceticismo: um dragão.
Quis o acaso que estes dois jovens tivessem destinos gloriosos, embora ainda não imaginassem a dimensao destes.
Comentários concernentes às dimensões do livro
Creio que, de modo geral, este livro pode ser dividido em quatro partes, sendo essas introdução, desenvolvimento, clímax e fechamento. Pretendo abordar e desenvolver críticas a todas as quatro, embora antes gostasse de tecer alguns comentários sobre o livro em geral.
Quanto à revisão, chega a ser irritante, quando não decepcionante, o desleixo dos encarregados por essa parte no processo editorial desta obra. Erros grosseiros – e frequentes – foram deixados despercebidos, fazendo o entendimento em diversas partes da narrativa, de certa forma, cansativa. Tem-se a impressão de que o livro fora lançado sem o cuidado necessário para tal.
Quanto à narrativa, fica evidente o talento de Laura E. Haubert para a erudição e, de modo geral, mostra aptidão e domínio de bom vocabulário para a criação de livros de fantasia. Entretanto, isto nao a torna imune a críticas, ao menos não de minha parte, que me senti, vez ou outra, incomodado por falta de descrições em devidas partes do livro (desenvolverei mais sobre isso adiante) e pelo uso de certas alusões ao nosso mundo moderno, ferramental que, ao invés de nos trazer comparativos visuais com o universo de Arrarock, muito pelo contrário, mais nos fazem sentírmo-nos, em parte, arrancados da ambientalização proposta pela narrativa do livro.Exemplos disso são os momentos em que a autora faz referência a trailers de cinema e montanhas-russas:
[„Sem bondade ou trilha sonora, viu os anos de sua vida passarem numa única lembranca , igual a um trailer“] página 16, linhas 29-30.
[„O estômago revirava-se, a mesma sensação de quando vamos a montanhas russas.“] página 63, linhas 28-29.
Outro ponto no qual gostaria de tocar é o das referências às muitas perceptíveis influências de L.E. Haubert. Nota-se a grande admiração – embora isso seja, claro, inferência minha – a autores de ficção como Tolkien, J.K. Rowling e, em certa parte à série de livros Eragon, de Christopher Paolini. É favor notar que não estou de forma alguma inferindo que o livro careça de originalidade ou, pior ainda, faça plágio dos supracitados autores e obras. No entanto, não consegui deixar de sentir, em determinados recortes do livro, claros paralelos com memoráveis episódios da série de livros O Senhor dos Aneis, de J.R.R. Tolkien. Como é o caso da cena onde Dawnovitch encontra uma das insígnias de Gwen ao mergulhar, em contraste com Golum e seu amigo encontrando o Um Anel, ao, também, mergullhar num rio; ou na cena introdutória da guerra entre Volker e a aliança de elfos e homens, em contraste com a Batalha de Dagorlad, onde Sauron e seus servos enfrentam a Última Aliança entre Elfos e Homens, liderada por Elendil e Gil-Galad; ou então, para citar os outros dois exemplos restantes: a similaridade da comitiva de Draco, Viscoty, Ryan, Rowena, Lucas e, posteriormente, Kalí, com a Comitiva do Anel, tendo como objetivo a impedida da volta de um antigo mal através da destruição de um artefato de notável poder em uma montanha, seja este o Um Anel de Sauron ou as Insígnias de Gwen; a similaridade do „senhor dos bosques“ e seus domínions, belos e reclusos, com Elrond e Valfenda, respectivamente.
É claro, isto é muito mais uma observação do que uma crítica em si, afinal, é impossível, ou quase, não beber de fontes que são, indubitavelmente, divisores de águas na literatura fantástica, como é o caso da literatura Tolkieniana, assim como penso ser um exercício de grande dificuldade conceber elfos que não tenham similaridade com aqueles da Terra Média.
Sobre a introdução:
A introdução, que é a primeira das quatro partes nas quais dividi o livro, compreende a apresentação e desenvolvimento dos protagonistas. Com isso, quero dizer o período que se estende desde o início da narrativa até a partida de Draco, Ryan, Visconty e Rowena como uma comitiva. Creio ter sido este o recorte do livro que menos me agradou, numa análise sincera. Como já havia tratado brevemente acima, senti certa falta de desenvolvimento de acontecimentos e relatos, além de uma falta de descrição, coisa não tão presente nas outras partes do livro – e justamente numa onde acharia mais necessário, pois, afinal, dever-se-ia tentar cativar o leitor com os personagens nessa margem, coisa que não acontece com todos os personagens, resultando, pelo menos na minha experiência, numa quase indiferença quanto ao rapto de Joanne, por exemplo, quando comparado com outros acontecimentos futuros.
Outra consequência da falta de maiores descrições e desenvolvimentos nesta parte, a meu ver, é a aparente repentinidade com que certas coisas acontecem, principalmente o relato de como Lucas encontra Niège, que me parecera por demais apático ou „robótico“.
Em contrapartida, é fascinante o jeito como tal parte da obra, especialmente quando surge a figura de Visconty, faz os personagens lidarem com a urgência da situacao vigente, além do choque resultante do que Draco pensava tratar-se da realidade e o que ela de fato o era.
Sobre o desenvolvimento
Como desenvolvimento, saliento tratar-se dos eventos entre a partida do grupo composto por Draco Dawnovitch, Viscoty, Ryan e Rowena até a chegada a Fälder.
Gostaria de ressaltar neste trecho a habilidade com que L.E. Haubert consegue tratar do desenvolvimento emocional de Draco, relatando seus sentimentos – tanto aqueles por Viscoty, que, há pouco, revelara ser seu pai, quanto por Ryan, seu companheiro, do qual, em verdade, pouco conhecia... Mas, principalmente, o desenrolar sobre como Dawnovitch se relaciona com a garota de seus sonhos, Rowena, que, se antes lhe parecia inalcançável, bela e misteriosa, agora era alguém que zelava por ele e, em contrapartida, se mostrava mais misteriosa ainda.
É tanto prazero como gratificante observar o desenvolvimento e amadurecimento de Draco ao ter de lidar com tais responsabilidades, ainda que até o fim do livro este se mostre imprudente e inconsequente em diversos aspectos.
O mesmo vale, em parte, para Lucas e o descobrimento de seus poderes com Niège, embora em menor escala, dado que o livro foca mais no desenvolvimento de Dawnovitch.
Sobre o clímax
Com maestria e precisão, instala-se, então, o „ponto alto“ do livro, isto é, o tempo da estadia dos protagonistas em Fälder até a partida de Lucas, Draco e Kalí para Calisto.
Dou destaque, em especial, para o desenvolvimento da histório por trás das insígnias e do próprio Volker, além do inesperado plot twist, isto é, a traicao de Rowena e sua aparente participação no sequestro de Joanne.
Sobre o fechamento
Entende-se como „fechamento“ os eventos desde a partida de Lucas, Draco e Kalí até o fim da narrativa.
Novamente, quero dar destaque ao evento que mais me impactou no decorrer deste livro, que é a morte de Rowena, esta inesperada, inexplicada e, não obstante, dolorosa, ao representar tanto o sofrimento de Draco, ao ver alguém que sempre pensara ter amado, embora de maneira pueril, morrer do jeito que morrera. Com Rowena, não morre apenas uma personagem misteriosa, bela e inexplicada. Morre com ela parte da pueridade e esperança de Draco – e do leitor – em ver Rowena de novo, e ver solucionado o porquê de suas ações.
Ao invés de todos os possíveis mistérios concernendo esta traição, isto é, perguntas como, „Estaria ela mentindo o tempo inteiro a todos os outros?“, „Seria verdadeiro o que dissera a Draco, sobre sua vida?“ e finalmente, „Por que traíra Draco, Lucas e todo o resto? Traíra, ou estava sob efeito de Volker?“, temos Rowena atirada ao chao, morta e incapaz de nos reponder nada que do tange à posteridade.
À parte suas falhas, Calisto, e ,muito possívelmente, sua continuação, Sohuem, é um livro capaz de facilmente divertir interessados em literatura fantástica, além de proporcionar uma cativante experiência ao nos fazer mergulhar em Arrarock e acompanhar o crescimento e amadurecimento de personagens como Draco Dawnovitch e Lucas. Uma prova do que pode nos trazer futuramente L.E. Haubert, contribuindo para a literatura ficcional fantástica brasileira.