Rickardo 02/05/2013
Ulisses
Sendo irlandês, Joyce escrevia sob sua tradição e cultura, utilizando-as direta ou indiretamente em seus textos. Durante o tempo em que viveu em Dublin, teve contato com a tradição oral e mitológica irlandesa através de diversas fontes, sendo sua própria família, em especial, seu pai, o maior portador dessa herança cultural.
Apesar de James Joyce ter sempre escrito sobre a Irlanda, especialmente sobre Dublin, viveu a maior parte de sua vida auto-exilado da ilha. Isso porque utiliza sua tradição como irlandês para chegar a aspectos mais abrangentes que o mero nacionalismo. Acreditava que se devesse utilizar a própria tradição e cultura, mas sem deixar de produzir uma literatura cosmopolita.
Em Ulisses, podemos perceber mais obviamente a referência à Irlanda, principalmente pelo fato de o romance ter sido consistentemente escrito sobre Dublin, no que diz respeito à construção física da cidade, sendo esta, uma espécie de personagem do romance. Além disso, temos vários outros aspectos irlandeses mencionados ao longo da obra, como a questão discutida sobre pertencimento ou não à cidade por parte dos personagens no pub, a pobreza da família de Dedalus, o alcoolismo de várias personagens, a personagem “The Citizen” e o próprio narrador do episódio “Cyclop” que se encaixam perfeitamente no estereótipo do Paddy, satirizado em várias revistas inglesas, as diversas menções históricas, principalmente a Parnell, o catolicismo, a menção ao idioma irlandês com a leiteira no primeiro episódio, a rispidez com Haines, que era inglês, por parte de Dedalus. Um pouco menos óbvia é a presença da cultura irlandesa também no aspecto cômico do romance. O senso de humor irlandês é utilizado com maestria por Joyce por toda a obra através da sátira e ironia que lhe são características.
Além dessas menções relacionadas à Irlanda e ao povo irlandês, há aspectos mais profundos que conectam Ulisses a tradição e cultura de seu criador.
A primeira referência apontada é o fato de Bloom ser como um judeu errante ao longo do dia, o que remete a uma lenda amplamente conhecida na Irlanda, que, inclusive, serviu de base para o romance “Melmoth the Wanderer”, por Charles Robert Maturin, em 1820.
O livro contém uma pseudo-história da Irlanda e é parte da tradição oral popular do povo irlandês, usado como referência por Joyce diversas vezes em suas obras. Como todas as estruturas míticas utilizadas por Joyce, este mito também teria sido usado de maneira parcial, como uma subestrutura arquitetônica para a superfície realista da história. Dessa forma, encontraríamos no mito fonte simbólica para as personagens principais.
Os “Goidels” compartilham da história hebraica, mas escolhem um caminho diferente, assim como Bloom e sua suposta origem judaica escolhe ser batizado como católico. Dedalus pode ser visto como representativo dos invasores de origem grega, particularmente Tuatha De Danann. Molly representaria as recorrentes conexões espanholas na pseudo-história irlandesa. “The Book of Invasions” também contribui para a compreensão da personagem “The Citizen”, que pode ser identificada como representativa da onda de invasões de “Fir Bolg”, já que estes seriam tradicionalmente caracterizados como pessoas rudes e feias. Assim, “The Book of Invasions”, ajudaria a explicar as personagens centrais como “estrangeiros” apesar de serem representações de dublinenses típicos, porque ser irlandês seria descender de imigrantes.
O interesse por um épico tipicamente irlandês, certamente teve influência na escolha da forma em Ulisses, que tem sido denominado um épico moderno. O conteúdo balancearia temas irlandeses, perspectivas, acontecimentos e tom com os sancionados pelo modelo clássico. Isso ocorreria através do uso de técnicas narrativas irlandesas, ou seja, descontinuidades na narrativa e variação estilística e do tom irlandês, que seriam os elementos cômicos.
Portanto é amplamente descrito nessa obra os aspectos formais que trazem dimensões políticas e nacionalistas, pois Joyce escolhe utilizar formas de narrativa irlandesas, sendo possível identificar a tradição poética irlandesa.
Na cultura irlandesa, a crença no outro mundo seria parte de uma visão de mundo até os dias de hoje e essas narrativas tem sido parte do repertório da crença mais do que da fantasia da obra. Ao adaptar tipos e temas relacionados ao outro mundo, Joyce teria encontrado o problema de representar a crença irlandesa, o que, por ser considerada uma visão de mundo estranha à dominante, certamente causaria estranhamento ao sistema de crenças racional da cultura Ocidental.
Outro aspecto relativo às estruturas arquitetônicas simbólicas da tradição antiga viria também da Soberania da Irlanda, um dos mais antigos padrões do mito irlandês. Em Ulisses essas estruturas se intercalam com “The Book of Invasions”, estendendo seu significado. Pelo fato da Soberania ser uma figura feminina, os elementos mitológicos estão relacionados a Molly, pois com a estruturação mítica dela como deusa relacionada à fertilidade, Bloom teria um paralelo a figura do rei legítimo.
No início da obra, aparece a leiteira velha e magra, juntamente com outros elementos relacionados à imagens de morte (homem afogado, cão, mãe de Stephen), a terra é apresentada como tendo perdido sua fertilidade, o clima seco. Em contraste, no final do romance Molly aparece, com seus seios fartos, confortavelmente acomodada, evocando imagens de paisagens exuberantes e ricas e o clima retorna a seu padrão usual fazendo a terra renascer. Esses elementos associados de duas diferentes imagens da Soberania no início e no fim da obra estariam conectados com o tema de união ao rei legítimo – a união garantiria frutos da terra e clima perfeito, enquanto a desunião causaria infertilidade dos animais e da terra e problemas climáticos.
O livro contém uma pseudo-história da Irlanda e é parte da tradição oral popular do povo irlandês, usado como referência por Joyce diversas vezes em suas obras. Como todas as estruturas míticas utilizadas por Joyce, este mito também teria sido usado de maneira parcial, como uma subestrutura arquitetônica para a superfície realista da história. Dessa forma, encontraríamos no mito fonte simbólica para as personagens principais.
O interesse por um épico tipicamente irlandês, certamente teve influência na escolha da forma em Ulisses, que tem sido denominado um épico moderno. E Tymoczko sugere que seja o épico nacional irlandês por transpor uma poética irlandesa em inglês, pois estabelece uma linha europeia para o gênero e princípios formais do conto heroico nativo. O conteúdo balancearia temas irlandeses, perspectivas, acontecimentos e tom com os sancionados pelo modelo clássico. Isso ocorreria através do uso de técnicas narrativas irlandesas, ou seja, descontinuidades na narrativa e variação estilística e do tom irlandês, que seriam os elementos cômicos.
Na cultura irlandesa, a crença no outro mundo seria parte de uma visão de mundo até os dias de hoje e essas narrativas tem sido parte do repertório da crença mais do que da fantasia. Ao adaptar tipos e temas relacionados ao outro mundo, Joyce teria encontrado o problema de representar a crença irlandesa, o que, por ser considerada uma visão de mundo estranha à dominante, certamente causaria estranhamento ao sistema de crenças racional da cultura Ocidental.
A questão do outro mundo é um tema bastante conhecido da tradição céltica, tendo sido, inclusive, utilizado diversas vezes pela cultural ocidental. Justamente por isso, figura entre os aspectos que mais corroboram a ideia de Joyce de unir a tradição céltica a ocidental.
Colocando juntos elementos realistas, imagens cristãs e mito irlandês, Joyce reafirma o potencial da emergente Irlanda urbana falante de inglês para a restauração da nação. Através da sexualidade de Molly, manifesta uma nova Irlanda simbolizada por uma mulher com uma nova moralidade, novo naturalismo de religião e uma perspectiva internacional, ao contrário do vigente puritanismo religioso e opressor.
A questão não é de todo original, já que outros autores já associaram Molly e a leiteira à terra, numa interpretação um tanto quanto exagerada e fantasiosa, mas considerando o elemento mitológico da Soberania e pensando na relação da origem espanhola de Molly com a formação do povo irlandês em “The Book of Invasions”, o argumento ganha novos elementos que o corroboram.