Higor 09/01/2021
"Aprendendo com Nabokov": sobre as perambulações sem rumo e pequenas aventuras em Dublin
Um dos pilares da Literatura, sendo o responsável por consolidar o romance modernista através do fluxo de consciência e de tantos outros métodos tidos como revolucionários e impublicáveis, Ulysses é um livro-base em toda e qualquer boa lista de clássicos da Literatura que se preze, logo, encará-lo é questão tempo.
O problema de Ulysses é que, além de figurar em tais listas, o tijolo de mais de 1000 páginas de James Joyce também é figura carimbada em listas temíveis e desencorajadoras, como Livros mais temíveis, mais difíceis, mais incompreensíveis de se ler, logo, a quantidade de pessoas que não leu Ulysses, mas conhece sua fama, é maior que a que leu e tem algo a pontuar de fato.
Contando em 18 episódios dentro de 3 capítulos - onde cada episódio possui uma técnica de escrita - um dia da vida de Leopold Bloom, o dia de junho de 1904, Ulysses ousa justamente quebrar as fronteiras da narração convencional para contar situações banais, corriqueiras e até monótonas, que fazem parte da vida de cada um de nós. Há momentos em que o personagem vai ao mercado, ou quando vai ao banheiro fazer cocô, ou ainda quando se masturba. Cenas nada emblemáticas, mas que certamente eram tratadas com indiferença pelos escritores, talvez com a ideia de que não há nada de novo ou interessante a se contar a partir daqueles prismas.
Então vem James Joyce, com o pensamento e mundo recém-saídos da Primeira Guerra Mundial, e linhas e pensamentos já se encaixando no que viria a ser a Segunda Guerra, mas não decide escrever sobre tal assunto, que seria o mais comum de se abordar na literatura, principalmente após a Segunda, mas inspirado pelo movimento dadaísta decide ir na contramão do comum e, depois de 7 anos e três países, Suíça, Itália e França, lança um livro que choca a todos justamente por fugir do convencional, do senso comum, mas que, na verdade, parodia e critica tudo o que vinha sendo produzido até então.
Não que relatos de guerra, como Soldados Rasos, ou ficções sobre, como Adeus às armas e Viagem ao fim da noite não sejam válidos; pelo contrário, pois têm seu espaço e respeito na literatura, mas é justamente o fato de ousar, andar na contramão, quebrar todas as barreiras da literatura que fazem com que Ulysses seja o que é de fato. Épico. Imponente. Um Senhor Livro.
Óbvio que há um preço a se pagar para apreciar tal livro. Assim como a escrita deste livro, a leitura é um experimento que nem todos entenderão ou sairão sequer satisfeitos. A jornada é árdua e muitos, a maioria, ficam no caminho, mas o preço de encarar as 1000 páginas e chegar ao fim é impagável.
Não é exagero quando dizem que Joyce recompensa cada esforço. Eu ri, me emocionei, fiquei com raiva, compadecido e frustrado com muitas situações apresentadas na mente de Bloom, mas não sou hipócrita de dizer que entendi tudo do livro. Devo ter entendido uma mísera migalha desse universo gigantesco e que, ao mesmo tempo, se limita a um microcosmo do centro de Dublin. E por conta da dificuldade de entender, eu me empolguei, me frustrei, fiquei indignado, desmotivado, cansado, em vários momentos, mas persisti e estou aqui dizendo que entendi quase nada, mas que adorei a experiência e que preciso fazer releituras. Mais de uma.
Temido por uns e adorado por outros, Ulysses ocupa o respeito que lhe é devido não por acaso. Caótico e intragável de maneira friamente calculada, mostra quando um verdadeiro autor tem a escrita e a literatura em suas mãos.
"Lendo Lições de Literatura" é um projeto baseado no livro 'Lições de Literatura', de Vladimir Nabokov, em que suas aulas da década de 1940 sobre os Grandes Mestres da Europa foram transcritas e compiladas. Para saber mais sobre a lista e conhecer os demais livros, acesse:
site: leiturasedesafios.blogspot.com