Pedro Viana 28/02/2013A Companhia Negra, de Glen Cook: uma fantasia sombria e repleta de aventurasRetirado da Revista Fantástica, sua revista online sobre Literatura, Cultura e Entretenimento. Visite! www.revistafantastica.com.br
Um livro que chamou a minha atenção. Não só pela capa, mas pela proposta que ele apresentava: mostrar o “ladro negro” das fantasias épicas. Muito se comentava sobre esse livro nas redes sociais. Vários autores famosos gostam de Glen Cook, como Eduardo Spohr, Steven Erikson, Leonel Caldela e George R. R. Martin. E além de ser meu gênero preferido, ver a fantasia sobre outra perspectiva me levou ao ato de comprá-lo. Confesso que não me arrependi em nenhum momento.
A Companhia Negra é uma irmandade formada por mercenários que trabalham por contrato. Ela perdeu seu próprio prestígio ao longo do tempo, sendo reduzida a função de “manter a ordem” numa ilha sulista. No entanto, viu a chance de se reerguer com a generosa oferta de um dos emissários da Dama – uma poderosa feiticeira que despertou de seu sono, pronta para recomeçar uma nova guerra que mudará o mundo. A Companhia passa a trabalhar para Ela, com a missão de deter o movimento rebelde, que se expande cada vez mais nos territórios do norte. A partir daí, acompanhamos a história de personagens fascinantes, em busca de seus próprios princípios e suas próprias verdades. Seja a força da espada ou o poder da magia – ambos são usadas tanto para o bem quanto para o mal. Afinal, nem todas as histórias são feitas de heróis.
A história em si é muito boa – e do modo como acabou o livro, tornar-se-á melhor ainda. Notei algumas semelhanças (se foram coincidências ou propositais eu não sei) com o
Senhor dos Anéis. A figura do mal, representada pela Dama, governa seus exércitos numa grande torre. Por vezes, Chagas – o protagonista – descreve um grande olho vasculhando sua alma e seus segredos. Tudo isso me lembrou de Sauron. E o interessante dessa comparação é a troca de lados nos dois livros. Em
A Companhia Negra, nós acompanhamos o outro lado – da Dama, representando o mal – tentando destruir o movimento rebelde, que supostamente representaria o bem. Mas esse é um conceito muito debatido por Glen Cook, que mais no final, dita a célebre frase na voz da própria Dama: “O Mal é relativo, Analista. Não se pode pendurar uma placa nele. Não se pode tocá-lo ou cortá-lo com uma espada. O Mal depende de como você se posiciona, apontando o dedo.” Uma grande reflexão que o livro traz.
Se você é uma daquelas pessoas que odeia a fantasia por causa dos nomes difíceis e impronunciáveis das personagens,
A Companhia Negra foi feita para você. Glen Cook usou palavras simples e sutis ao dar nomes às personagens. Confesso que gostei muito desse artifício. Tenho uma memória péssima para decorar nomes que parecem ter sido criados por um bêbado no teclado. E Chagas, Duende, Elmo, Corvo, Dama, entre outros, foram uma dádiva para minha memória.
Muitas pessoas criticam Tolkien (autor de
O Senhor dos Anéis) com relação a grande quantidade de descrições, tornando a narrativa cansativa e monótona. A meu ver, ocorreu o contrário em
A Companhia Negra. São poucas as descrições durante o livro. A pergunta que estou me fazendo é: isso é bom ou ruim? Na certa a escassez de descrições tornou a narrativa ágil (e alguns podem interpretar essa escassez como uma cartada do autor, que decidiu optar pela imaginação do leitor – se for assim, eu concordo que seja interessante). O problema é que, principalmente no começo, fiquei perdido na história. Passagens importantes acontecem em um piscar de olhos. Num dos trechos do capítulo um, por exemplo, ocorreu um grande salto temporal que eu nem percebi – de tão sutil que foi descrito. Vale ressaltar que isso não faz do livro algo ilegível. Quando cheguei ao quarto capítulo, já estava acostumado com a ausência de descrições e tomei a liberdade de criar por mim mesmo as personagens e os cenários. No penúltimo capítulo, onde ocorre uma grande batalha, as imagens transcorreram com nitidez na minha mente. Mesmo assim, eu considero esse um dos pontos negativos do livro. O universo de Glen Cook não conseguiu criar-se na minha mente, e acho isso dentro da fantasia algo inadmissível. Não que eu gostaria de vê-lo gastar páginas e mais páginas descrevendo a grama que os cavalos comem, mas se ele tivesse empenhado mais um pouco nas descrições de seus cenários e de seus personagens, o livro capturaria o leitor facilmente.
Voltando a história, não posso deixar de mencionar o que mais gostei na narrativa ousada de Glen Cook: suas batalhas. Foi nesse momento que comecei a me questionar se a escassez de descrições é eficiente ou não. Mesmo ele tendo usado o truque que muitos chamam de “Olho de Deus” na batalha do final do livro, achei ela espetacular. Como eu disse acima, nesse estágio eu já criava por mim mesmo muito mais do que o autor descrevia. E todos os sentimentos que englobaram o antes, durante e depois da batalha foram muito reais durante minha leitura. As próprias personagens passam isso – seus problemas e intrigas humanos – mas no final isso ficou bem claro. Na contracapa do livro, há uma menção que diz que Glen Cook, ex-fuzileiro da Marinha norte-americana, justifica a beleza de seus personagens afirmando que “eles são figuras reais, inspiradas nos homens e nas mulheres de carne e osso com os quais servi”.Continuarei acompanhando a saga até o final? Certamente que sim.
Trecho do Livro:
“O que você quer? – Era uma pergunta calma e direta.
Ele não precisava ficar assustado. Eu estava com medo suficiente por nós dois.
– Você esfaqueou um amigo meu, Rasgo.
Ele parou. Um brilho estranho surgiu em seus olhos.
– A Companhia Negra?
Confirmei com a cabeça.
Ele me fitou, estreitando os olhos pensativamente.
– O médico. Você é o médico. Aquele que chamam de Chagas.
– Prazer em conhecê-lo. – Tenho certeza de que minha voz soou muito mais forte do que eu me sentia.
E então pensei: o que diabos faço agora?
Rasgo abriu o manto num movimento súbito. Uma espada curta de estoque veio em minha direção. Eu deslizei para o lado, abri meu próprio manto, me esquivei de novo e tentei sacar minha espada. Rasgo se paralisou. Nossos olhares se encontraram…” (página 126)