Marlo R. R. López 21/02/2023'A valise do professor', de Hiromi Kawakami, é uma obra da literatura japonesa urbana na sua essência: um enredo aparentemente banal, um avançar monótono da narrativa que contempla temas como a dificuldade nas relações interpessoais, a solidão, o amor contido, a paixão por comida, a cidade como lugar de encontro e desencontro, e o desespero silencioso daqueles que não conseguem se expressar e encontrar seu lugar no mundo. Tudo isso temperado com belos cenários, silêncios profundos e heranças culturais de tradições milenares.
A protagonista da história é Tsukiko Omachi, uma mulher de meia-idade, de personalidade reservada, solteira, que tem o hábito de frequentar os bares da cidade à noite, degustando a culinária local e bebendo cerveja ou saquê enquanto descansa do trabalho e repõe as energias para o dia seguinte. É numa dessas incursões - no bar de um homem chamado Satoru, um de seus estabelecimentos preferidos - que ela se depara com um dos antigos professores da época da escola. Como não lembra de imediato o seu nome, ela o chama de Professor, muito embora ele se lembre do nome dela (o que é curioso, porque sabemos que normalmente se dá o contrário entre alunos e professores).
Assim tem início uma relação não-nomeada que vai deixando claro, aos poucos, o sentimento de solidão e desesperança que sufoca a ambos, embora ela e ele expressem esse sentimento de formas diferentes e em maior ou menor grau ao longo dos momentos em que estão juntos. É uma amizade curiosa e insuspeita com contornos difusos, que vai se transformando aos poucos em um tipo de relação mais nítida, mas não menos desencontrada.
Confesso que até o capítulo 3 eu não estava muito empolgado (o comportamento dos personagens estava me parecendo meio esquisito, inverossímil), mas depois da excursão para coletar cogumelos nas montanhas eu simplesmente não conseguia mais largar o livro. Há uma tensão entre os personagens principais que deixa o leitor fissurado, em suspense, ansioso para acompanhar cada passo da relação. Certos capítulos são de uma beleza extraordinária, que fazia tempos que eu não via em um livro - destaque para o capítulo das cerejeiras, da viagem à ilha e dos já mencionados cogumelos; este último é uma verdadeira aula de construção narrativa, um primor.
Fiquei a fim de ler outros livros da autora.