Júlia Vichi 30/01/2019
Algumas pérolas em meio a pedregulhos
O conceito de que é preciso haver uma tensão entre tradição e traição é o ponto alto deste livro. A noção de que para criemos uma nova lei e uma outra realidade é preciso de um traidor é bastante iluminadora, haja visto que o traidor, em nossa sociedade contemporânea, é sempre visto com maus olhos. O traidor, segundo Bonder, é, na verdade, um revolucionário.
Porém, o livro apresenta alguns problemas:
1 - utiliza passagens judaicas para explicar quase tudo, as quais, para mim, não passam de autoajuda. É difícil concordar com boa parte do livro se Bonder parte da premissa que "Deus" criou o "Paraíso" e lá deu ao homem a possibilidade de transgredir, pois se partirmos de uma visão científica, essa não seria a explicação mais provável do porquê os humanos têm esse ímpeto de transgressão, tendo em vista a Evolução;
2 - o autor tenta, muitas vezes, relacionar Religião com Evolução de maneira problemática. Como no trecho "Deuteronômio (12:28): "Guarda e cumpre todos estes ensinamentos, para que seja bem para ti e para teus filhos depois de ti, porquanto farás o que é bom e é direito aos olhos do Criador." Nilton Bonder alega que esta passagem aborda o sentido da existência de forma semelhante à de Darwin. Porém, sabemos muito bem que a religião e a ciência operam de maneira bem distintas;
3- Bonder diz que a ciência comprovará o que a Religião previu, algo que é bastante complicado de se alegar;
4 - o autor se alonga demasiadamente em certas explicações e retoma constantemente o conceito de tradição e traição; corpo e alma, só que com exemplos diferentes. O livro, apesar de já ser breve, poderia ser resumido em um número significativamente menor de páginas;
Apesar disso, encontramos no livro alguns pensamentos instigantes, como:
- "A imutabilidade do ser e da família, da propriedade e da tradição é a proposta desesperada de negar a natureza humana, que é mutante e requer novas formas de 'moral'."
- "A tradição se fez da traição."
- "E um novo 'correto' sem um novo 'bom' em vista significa aumentar a confusão e a perplexidade. Essa metamorfose nos assusta com a possibilidade de estarmos abrindo mão de nossa integridade e identidade."
- "O tradicionalista se apavora ao ver contrariada uma de suas máximas preferidas: sim, mexemos em time que está ganhando!"
- "Não haverá tradição sem traição, nem traição sem tradição."
- "A opinião pública, os dogmas, as convenções, a moralidade e as tradições podem muitas vezes querer representar uma 'unanimidade' que os desqualifica como determinadores do que é justo, saudável ou construtivo."
Em suma, o livro apresenta o conceito de tradição, traição e de alma imoral de uma maneira interessante, porém possui certos trechos que beiram à autoajuda e conexões complicadas entre Ciência e Religião.