Brenoarf 26/05/2021
‘’Contentar-me-ei de ter elogiado a loucura sem estar inteiramente louco.’’
Irônico e objetivo, Erasmo de Rotterdam, exímio teólogo e humanista, estabelece uma crítica cirúrgica à Igreja do século XVI, asfaltando esse percurso mediante uma certa “ridicularização” dos ditos sábios e filósofos da Antiguidade Clássica. Na obra, é estruturado um auto-elogio por meio do qual Erasmo assume a voz da loucura e passa a “desfazer” a sociedade de modo a explicar os mecanismos em que o desvairar se faz presente enquanto uma dinâmica vinculada às ocasiões, atitudes, vivências e profissões de uma forma geral. Sob essa ótica, não há como negar a excelência com a qual o autor transcendeu a rasa definição gramatical do termo loucura, pois, para além da ideia de “insanidade mental”, ele trata a loucura de uma forma externa ao homem, de tal maneira que o homem só será louco se desejar ser. Nessa sátira, a "Deusa da Loucura", divindade metaforicamente responsável pelos maus comportamentos humanos, se auto elogia por ser a única forma de fazer o homem sentir-se bem perante seus atos que afrontam as demais divindades. Aqui, a loucura é a verdade, é responsável pela perpetuação da espécie, pois, para viver como homem, é preciso abster-se de sabedoria. Engana-se quem acredita que o que nos torna humanos é a racionalidade, a sabedoria em sua versão dicionarizada... o que nos faz humanos é a Loucura. A alegria é preenchida pela incompreensão, não há razão que a define, que a limite. Quando isso ocorre, ela logo escapa! O bem-estar, a felicidade e, até mesmo, a verdadeira sabedoria, quando significados apenas na ideia limitada de razão, fazem com que passemos o restante da vida atrás daquilo que sempre está nos escapando na medida em que a encontramos, definimos, limitamos. Entender ‘’Elogio da Loucura’’ é entender a essência da Reforma Protestante, é conceber um esclarecimento acerca da ruptura religiosa com a educação, a política e ciência, é ter contato com uma perspectiva atemporal do aspecto moralista e hipócrita da idade média e do Renascimento. Uma obra excelente, contemporânea em narrativa e essencial a todos que almejam compreender a loucura como um patrimônio universal da humanidade necessário à vida e à felicidade dos mortais.