Leila de Carvalho e Gonçalves 03/07/2018
Famoso Par
Cleópatra VII (69 A.C. - 30 A.C.) é uma das mais fascinantes figuras da Antiguidade. Natural da Grécia e rainha do Egito, ela é apontada pelos historiadores como uma grande estadista e estrategista militar. Sedutora e ambiciosa, foi amante de César, ditador romano, e do general Marco Antonio com quem pretendia criar um grande reino, unificando Oriente e Ocidente.
Escrita em 1606 por William Shakespeare, a tragédia "Antônio e Cleópatra" apresenta o confronto emocional e militar envolvido neste malfadado projeto. Ela foi baseada num texto de Plutarco, "A Vida dos Nobres Gregos e Romanos" que serviu de inspiração para outras duas obras, "Coriolano" e "Júlio César" cuja ação antecede os acontecimentos apresentados.
Com cinco atos e 3500 versos, ela é composta por pequenas cenas, uma novidade para a época, mas que dificulta e encarece o custo de produção. Por sinal, a própria força física dos atores é necessária, quando Antônio, agonizante, é içado até o templo de Cleópatra, representado por uma sacada sobre o palco.
Talvez, esse seja o principal empecilho dela não ser tão popular, pois o texto entre a farsa e a tragédia é brilhante, ao apresentar um Antônio dividido entre Roma e o Egito, obrigação e desejo, razão e sentimento. O papel de Cleópatra equipara-se em importância e o último ato é reservado inteiramente para ela. Ao contrário das tentativas de suicídio frustradas de Antônio, que beiram o picaresco até conseguir seu intento, a rainha é a personificação da heroína trágica e sua morte, de manto e coroa, é um grande espetáculo.
Otávio César, fundador do Império Romano, possui um pequeno papel e é responsável pelo epitáfio que sintetiza a tragédia: "Nenhum túmulo jamais encerrará em toda a terra um tão famoso par". Como afirma Emma Smith, professora de literatura na Universidade de Oxford, o leitor ou espectador está diante de duas celebridades e, tal como ocorre em nossos dias, o que se apresenta é sempre uma performance. Os protagonistas estão sempre rodeados de pessoas, jamais desfrutam de um momento de privacidade e o flerte, os acessos, a grandiloquência, tudo levanta suspeitas quanto à autenticidade. É impossível responder, se Antonio/Cleópatra ama Cleópatra/António, como se pode saber? Na realidade, a peça aborda a difícil tarefa de entender o "indivíduo público" e vai mais além, ao reconhecer a impenetrabilidade do "eu privado".
A escritora norte-americana Marilyn French possui uma frase exemplar, para fechar meu comentário: "Ao final de "Antonio e Cleópatra", Otávio César fica com o mundo; Antonio e Cleópatra" ficam com a vida."