Leonardo 18/05/2013
Uma bela história contada em passos bem traçados
Disponível em http://catalisecritica.wordpress.com
Diogo Mainardi é aquele jornalista que escrevia para a Veja. Sempre polêmico, atacando tudo e todos, especialmente Lula, para quem ele até dedicou um livro – Lula é minha anta. Ah! Ele também ataca o Brasil, os brasileiros e tem um discurso arrogante e cheio de empáfia.
Antes de saber que ele escrevia para a Veja, eu li um livro que ele escreveu chamado o Polígono das Secas. Isso foi há muitos anos, acho que por volta de 1992 ou 1993 e sequer lembro como esse livro chegou às minhas mãos. Também não lembro de absolutamente nada da história, apenas de que me deixou uma bela impressão que, sinceramente, não faço ideia se perduraria no caso de uma releitura.
Não sou de esquerda. Não simpatizo com Lula de maneira alguma. Meu pensamento político pende definitivamente para o lado direito. Apesar disso, detesto arrogância, e por esse motivo nunca fui fã das crônicas de Diogo Mainardi.
Por que então, você me pergunta, você foi ler um livro escrito por ele?
Comprei este livro para dar de presente à minha mãe ontem, no dia das mães. Infelizmente não viajei para o interior e não pude entregar o presente e, o que é bem pior, não pude abraçá-la. Aproveitei, contudo, a ocasião, para ler o livro. Já tinha visto diversos elogios à obra, e o tema – um relato pessoal sobre a convivência com um filho com paralisia cerebral – me chama a atenção, especialmente porque eu sabia que o autor jamais soaria sentimentaloide.
Tito tem uma paralisia cerebral.
É assim que o Diogo Mainardi começa o livro. A segunda frase do segundo capítulo ou, melhor ainda, do segundo passo do livro, que é dividido em 424 passos, começa assim:
Eu imputo a paralisia cerebral de Tito a Pietro Lombardo.
Diogo Mainardi explica então porque Pietro Lombardo, um importantíssimo escultor da Renascença italiana, tem responsabilidade direta pela paralisia cerebral de seu filho. O autor não tem medo de demonstrar um alto grau de erudição aliado à cultura pop. Faz referência, por exemplo, a Ezra Pound para logo em seguida falar de Desmond Miles, herói do jogo Assassin’s Creed. Vai de Vertigo, de Hitchcock, a Ricardo III, de Shakespeare. Ricardo III é chamado pelo bardo de “inacabado”, “incompleto”, “imperfeito”, “torto”, “anormal”, “massa informe”, “sapo venenoso” e “cachorro sangrento”. Também tinha “uma perna menor do que a outra” e os membros “mirrados como ramos secos” tinha uma corcunda “igual a uma montanha” e era “desproporcional em todas as partes do corpo”. Tudo isso para dizer que o Dr. William John Little, um médico da Obstetrical Society, de Londres, diagnosticou, em 1861, Ricardo III como portador de uma paralisia cerebral, decorrente de um parto prematuro.
O autor conta também como foi levado adiante o programa de eutanásia involuntária de Adolf Hitler, denominado T4, que usou termos como “Morte piedosa”, “Eutanásia”, “Vida sem valor” e “Vida inútil de ser vivida” para legitimar o extermínio em massa de milhares de recém-nascidos inválidos. Em sua segunda fase, além de exterminar os recém-nascidos inválidos, foram incluídos os adultos inválidos, os doentes mentais, os epiléticos e os alcoólatras. Depois começou o extermínio de judeus, e todos sabemos a história…
Mas o foco do livro não é isso. Se Diogo Mainardi fala de Pietro Lombardo, Ezra Pound (que odiava os judeus), de Assassin’s Creed, de Dante, de Hitler, Neil Young e até de Lula, é para voltar sempre a Tito, seu filho. Em vários momentos do livro ele escreve:
A história de Tito é assim: circular.
Em muitos momentos, muitos mesmo, Diogo Mainardi deixa claro que sua vida gira em torno de Tito. O pequeno é seu Deus, seu Tudo, seu Absoluto, sua Lei da Gravidade. Por causa dele, Diogo e sua família mudaram-se de Veneza para o Rio de Janeiro, onde era mais quente e onde Tito poderia ficar o tempo todo sem camisa e poderia andar na areia, recomendações dos médicos. Por causa dele foram a Boston atrás de especialistas e gastaram 30 mil dólares em tratamentos que não deram certo. Por causa dele Diogo Mainardi começou a intensificar sua atividade como jornalista e deixou de lado a literatura para ganhar mais dinheiro.
Diogo Mainardi relata como foi o nascimento, o erro da médica que queria apressar o parto e por isso furou o saco amniótico, o que acabou provocando asfixia em Tito por sete minutos, causando uma paralisia cerebral. Ele conta como foram os primeiros meses, como buscou tratamento, como seu filho aprendeu a usar um andador, como foi aprendendo a falar, como começou a conquistar seus primeiros passos. Duzentos e dezoito passos na areia e depois a queda. E Tito sempre caía sorrindo. E sempre caía, isso também era invariável.
É inegável o talento de Diogo Mainardi para fazer associações e contar a sua história de maneira fragmentada, interrompida, espasmódica. Também é notável a sua sinceridade e a sua entrega a seu filho, sua devoção, sua perseverança.
Para mim, o problema de A Queda não está exatamente em A Queda, mas em outro livro. Pouco tempo atrás li O Filho Eterno, de Cristóvão Tezza (resenhado aqui). Por mais que eu não goste de comparações, os livros são muito semelhantes: ambos são obras literárias oriundas de um relato extremamente pessoal de dois escritores talentosos. Enquanto Tezza fala da experiência de ter um filho com Down, Mainardi fala de Tito e de sua paralisia cerebral. O problema, como falei, é justamente eu ter lido O Filho Eterno. O estilo de Tezza já ajuda. O jeito agressivo e muitas vezes arrogante de Mainardi não me agrada. Tezza rasga-se em O Filho Eterno e deixa o leitor sem palavras. Sem ser melancólico ou dramático, transforma uma história pessoal difícil mais “normal” (digo normal porque Tezza não foi o primeiro nem será o último pai de uma criança com Down) numa fina obra de arte. Mainardi traz um relato correto, corajoso. É uma leitura que vale a pena mas que não alcança o nível de preciosidade literária.