Ricardo Santos 10/01/2017Faroeste no JapãoA maneira mais empolgante de conhecer a história do Japão feudal é lendo o clássico Lobo Solitário. As aventuras do estoico ronin Itto Ogami e de seu nem sempre inocente filhinho Daigoro são, ao mesmo tempo, belas e brutais. O roteiro de Kazuo Koike tem soluções narrativas ora sutis, ora de grande força, além da extensa pesquisa sobre o período Edo (1603-1868), o auge do xogunato, uma espécie de ditadura militar. Como o xogum comandava o país com mão de ferro, os daimiôs (senhores feudais) eram mantidos sob controle, até com o uso da violência. Os daimiôs rebeldes eram massacrados e o nome de sua família caía em desgraça. Os samurais sobreviventes, agora sem um senhor para servir, tornavam-se ronins, figuras errantes, assassinos de aluguel, bandidos de todo tipo. Em Lobo Solitário, a visão de mundo é aparentemente amarga, mas, no fundo, há um senso de justiça. Itto Ogami é um anti-herói à maneira dos cowboys interpretados por Clint Eastwood. Um canalha na superfície, mas com uma ética que procura fazer o certo. A arte de Goseki Kojima transforma todo esse contexto em imagens de um realismo e de uma fluidez cinematográficos. Este primeiro volume, relançado recentemente pela Panini, tem nove histórias fechadas, em quase 300 páginas, que dá pra ler em um dia, de tão viciante. Terá periodicidade bimestral. A saga completa tem 28 volumes. Há mais de dez anos, eu comprei os volumes iniciais, quando a Panini lançou a série pela primeira vez no Brasil. Nas mudanças da vida, acabei perdendo esses volumes. Minha intenção agora é acompanhar este relançamento até o final. (Quem não tiver tanta paciência pode investir nas edições omnibus da Dark Horse, em 12 volumes.) Esta nova edição da Panini está bem cuidada. Bom papel, boa encadernação, revisão atenta. A diferença para a primeira versão está na contra capa, que agora tem a arte de Kojima. Na anterior, ambas as capas tinham a mesma arte de Frank Miller & Lynn Varley. Infelizmente, está nova versão não tem os textos no posfácio sobre os autores do mangá, os bastidores da criação da série e o contexto do período Edo. Sugiro que baixem o scan da versão antiga apenas para ler estes textos, são bem interessantes. As aventuras do Lobo Solitário foram originalmente publicadas no Japão, em revista, de 1970-1976. O formato de história curta casa muito bem com o estilo seco de seus criadores. Claro que existem certas liberdades para aumentar a dramaticidade dos acontecimentos (cabeças de cavalos, pernas e braços de inimigos são arrancados com um golpe de espada) e a estrutura das histórias segue uma formulazinha. Mas tá valendo. A única coisa que incomodou mesmo foi o tratamento às personagens femininas. Elas ou são frágeis ou são mau-caráter. Lobo Solitário é uma saga obrigatória para fãs de quadrinhos. E, para o público em geral, é uma leitura instrutiva e cheia de emoção.