Reccanello 23/02/2022A VIDA VISTA COMO UMA REPARTIÇÃO PÚBLICADesde sua chegada à aldeia do conde Westwest, aonde fora convocado para trabalhar como agrimensor, o personagem K. (de quem nunca conhecemos o nome completo) se vê enredado no burocrático serviço público local, que não apenas dificulta sua vida particular (criando empecilhos ao seu pernoite na estalagem) como, principalmente, impede que efetivamente comece a trabalhar na função para a qual fora supostamente designado. Por mais árduas e teimosas que são suas tentativas de entrar em contato com os altos oficiais do castelo, ao leitor é notório que todos os esforços de K. serão inúteis, seja porque os funcionários do castelo sequer tomam conhecimento de sua presença, seja porque os servidores dos níveis mais baixos não permitirão que o faça, atirando K. de um lado para outro do labirinto praticamente intransponível do exercício de dominação e servilismo em que se entrincheiram.
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Escrito durante cerca de seis meses em 1922, mas publicado apenas postumamente (Franz Kafka, seu autor, faleceu em 1924, de tuberculose), desde seu início o livro dá grande destaque à ambientação sombria e lúgubre dos lugares em que se passa a história, e à ambígua melancolia das pessoas que lá residem e cujas vidas são influenciadas em todos os níveis pela sombra do castelo. Essa ambientação, em variado grau repetida em outros livros do autor, levou a muitas e diversas tentativas de interpretação da obra, desde a bastante óbvia e simples crítica à burocracia estatal (para muitos, algo aquém das capacidades do autor) até uma certa visão religiosa da vida, mais especificamente quanto ao judaísmo, que retrataria o quase infindável caminho do homem até sua improvável redenção. Já outros veem na obra um paralelo com nossa psiquê, afirmando que o castelo seria uma representação de nosso inconsciente, enquanto a vila seria nossa consciência. Entretanto, e relembrando que Kafka vivia as incertezas, inquietações e angústias geradas pelo crescente processo de urbanização e pela Primeira Guerra Mundial, para mim a obra retrata uma espécie de crise existencial comum ao intelectual do início do século XX, o qual, diante de um mundo em constrangido silêncio acerca das barbáries da guerra, não encontra respostas para suas interrogações humanas, mas que, mesmo assim, se vê impossibilitado de revolta, porquanto absorvido pela rotina.
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Enfim, e se a ideia de Kafka era fazer as pessoas se sentirem presas num labirinto de burocracia e servilismo sem fim e, com isso, passar mal e passar raiva, então o livro é ótimo, uma das maiores obras já escritas!