Henrique Fendrich 28/01/2021
Grandes e complexas obras como essa sempre suscitam interpretações das mais variadas, e ainda mais quando se trata de um Kafka, que usava as alegorias como poucas vezes se viu. Também eu tenho as minhas interpretações a partir dessa singular história, que não são menos verdadeiras do que qualquer outra, já que o leitor é, afinal, o senhor da obra.
Logo de início, o que me chama a atenção no universo do Kafka é a incompreensão entre os seres humanos. As pessoas não se entendem umas às outras e também não conseguem se fazer entender, por mais que tentem se explicar. Cada indivíduo analisa o comportamento do outro a partir da sua lógica individual, mas as pessoas são muito diferentes entre si, de modo que invariavelmente se constata que elas não se comportam como nós poderíamos esperar.
Desse desencontro de expectativas nascem situações absurdas, mas também uma reação muito natural, que é a de um ser humano se precaver contra o outro. Como ninguém se entende, pode-se esperar qualquer coisa de qualquer um, de maneira que a desconfiança é a regra e a maneira de assegurar que os projetos pessoais de cada um não serão frustrados.
Isso se expressa nas relações individuais, mas também nas coletivas. O "castelo" perseguido por K. ao longo do livro tem, entre as suas várias interpretações possíveis, a de Estado. Ora, o Estado é uma ficção criada pelo ser humano para melhor organizar a sua vida. Ocorre que, em certa medida, o Estado se torna também a incompreensão oficializada, institucionalizada. É uma batalha perdida tornar o Estado coeso em todas as suas intermináveis ramificações. Daí resulta que também o Estado, e vemos isso cotidianamente, é gerador de absurdos.
Ao mesmo tempo, o Estado seduz, porque as figuras de autoridade que o operam representam uma possibilidade de segurança em meio a esse mundo onde ninguém se entende. Então acontecem essas duas coisas: quem está lá se esforça para ter o menor contato possível com os que não estão, pois eles são vistos como ameaça ao seu mundo pronto e acabado; os que não estão, por sua vez, darão a vida para estar, em uma lógica que lembra muito a dos concursos públicos, vistos como tábua de salvação para muita gente.
Mais uma coisa me parece importante. Se não somos capazes de compreender ao outro, claro está que também não conseguiremos sentir compaixão por ele, pois esse é um sentimento que exige algum grau de identificação, e só nos identificamos com aquilo que entendemos minimamente. Se o outro é ameaça e motivo de desconfiança, não será digno da nossa compaixão, e nessa toada cometeremos muitas injustiças tão somente porque estamos completamente cegados pelos nossos próprios objetivos individuais.
Acresce-se que, quando as pessoas se dão conta de que foram compreendidas de modo errado, elas se empenharão em se explicar, e o livro é repleto de grandes "DRs" entre os personagens, mas sem que disso resulte uma maior compreensão entre eles, pois todos estão excessivamente convictos de si mesmos para poder acolher outras razões.
São coisas nas quais pensei enquanto lia esse grande livro, com personagens muito marcantes e uma trama pra lá de interessante, tudo isso reforçando a grande pena que representa o seu fim abrupto.