Aline 24/01/2011
"E viu então lá em cima o castelo; viu no ar claro seu nítido contorno, mais nitidamente perfilado ainda pela neve, que, estendida em fina capa por toda parte, reproduzia por todas as formas." (pág 31)
Eu realmente caminhei com K. em direção a seu alvo, e se não tivesse tanta vontade de desvendar o mistério do Castelo, teria ficado pelo caminho.
O livro do Franz Kafka é muito bom, embora tenha uma leitura difícil e densa. Não há de se ler O Castelo como quem lê um texto qualquer: necessita-se de paciência, e muita atenção para absorver todas as idéias por trás dos diálogos, muitas vezes extensos.
O livro se inicia com a chegada de K. a um povoado. Nevava muito, e ele abriga-se num albergue. Logo que se deita, é incomodado por um rapaz que avisa a K. que para permanecer na aldeia, é necessário uma permissão do Castelo.
Assustei-me. Porque seria necessário uma permissão para dormir numa tábua em uma pousada? K. explica que é o Agrimensor contratado pelo Castelo, mas este fato não mudará a forma como foi, e será tratado durante o livro.
No outro dia, decide ir em busca de seus superiores para poder começar seu trabalho. O castelo pareceu-me distante, mas a este ponto, não imaginei o quanto. E à medida que o livro avança, sentia-o inalcansável. Cada tentativa de K., frustrada, frustrava-me, e me enchia de curiosidade. Cada repressão a K., machucava-me, como se a mim mesma, o fosse dirigida; como se meu também fosse o objetivo de continuar.
"Fixo o olhar no castelo, continuou K. caminhando; nenhuma outra coisa o interessava. Mas ao ir-se aproximando, o castelo o frustrava (...)"
O Castelo, por assim dizer, parecia animado, e juro que por vezes, o senti como o olho de Sauron, atento a cada movimento de K., antagonizando suas ações.
"(...) contudo, dar-se conta perfeitamente de que, sim, o observavam sem que isso afetasse, porém, na mínima coisa a sua tranquilidade; e realmente- não se sabia se isso era causa ou efeito- os olhares do fixador não podiam permanecer fixos , não podiam ser sustentados: desviavam-se."
Pensando assim, O castelo era muito mais que um simples local, ele era e é uma alegoria com significados diversos. A instância máxima de organização, A autoridade limitadora, a entidade criadora de leis e padrões. O castelo era para aquela sociedade o guia de suas ações, o propósito de suas existências insignificantes.
E K., um invasor. Um forasteiro burro, incapaz de compreender as regras do povoado, e que muitas vezes, com suas atitudes impensadas, profanava as leis, os locais, incomodava os representantes do castelo.
K. não entendia porque aquelas pessoas agiam dessa forma, mas, o que me interessou foi a postura de K.
"(...)aqui impera uma ordem rigorosa em todas as coisas." :(pág. 110)
No início, a forma como K. agia, mostrou-se de uma coragem incrível. No entanto, ao decorrer do livro, pareceu-me uma teimosia infante, e no final, uma tolice.
Pode-se perceber uma mão invisível em todo o livro, impedindo que as ações de K. o levassem ao cerne sagrado do Castelo. K. acabou enveredando-se num labirinto de burocracias, processos, secretários, interrogatórios, escritórios, que o afastavam cada vez mais da verdade, e o confundiam.
"Mas são os escritórios na verdade o castelo?" (pág. 192)
Não sei se em algum momento, ele realmente esteve perto de conseguir seu objetivo, e talvez, ele o conseguisse, se pudéssemos continuar acompanhando sua história de perto.
Mas, inegável é a presença constante do Castelo ao longo do livro. a maneira como este habita até mesmo as pessoas, em seus temores.
Atualíssima é a história do visionário Kafka, construindo seus personagens "coletivos" para fins geniais. Quem não conhece uma Frieda, um K., uma estalajadeira da ponte? Quem nunca se deteve, entre a vontade de perseguir um objetivo, e a burocracia eterna que o atrapalhava?
Este Castelo existe, e podemos Vislumbrá-lo a cada momento que abrimos os olhos às entrelinhas, e visualizamos o "Poder" centrado em meio a um labirinto. A autoridade que nos decepa, que nos frustra, que nos machuca. Os indivíduos reduzidos a pequenas marionetes, as vontades solapadas pelo fogo da burocracia e da mecanização.
"Em nenhuma parte antes vira K. tão entrelaçadas a autoridade e a vida, tão trançadas que às vezes podia parecer que a autoridade e a vida tivessem permutado seus lugares." (pág 79)
Ao final, Kafka nos deixa perdidos. Se K. chega ao Castelo, ou se resta inferir que nunca chegará, não sei, realmente. Desejaria ter sabido, pelas palavras do próprio Kafka o final desta história, mas, terei de escolher se o K. se esconderá todo o inverno no quarto da Pepi e suas amigas camareiras, ou se voltará ao seu posto de bedel para ser humilhado pelo Professor, e depois ir conferir o novo vestido da estalajadeira senhorial.
Agora, resta a mim, continuar o embate do K., e encontrar o mistério do Castelo!
"(...) ao fim, não se sabia se tinha resistido, ou se havia cedido." (pág.137)