Juju 17/02/2024
Caça, Ausência & Moralidade
Sete anos se passaram desde que Clarice Starling teve seu primeiro contato com o sádico Dr. Lecter ainda aprisionado em uma instituição de máxima segurança e com seu auxílio foi a responsável por capturar o assassino em série Jame Gumb, vulgo, Buffalo Bill. Era de esperar que a carreira de Starling como agente especial do FBI tivesse decolado e a mesma se consagrado de uma forma gloriosa, mas a verdade figura em um âmbito bem distante deste e de fato ela está prestes a enfrentar mais um fracasso magistral. Hannibal Lecter, por sua vez continua foragido, longe dos holofotes desde sua fuga há quase uma década, mas há quem diga que o doutor foi avistado em diversos cantos do mundo. E descobrir sua localização exata é mais do que uma obsessão para Mason Verger. Tal qual uma necessidade vital que o assombra dia e noite, um dos únicos sobreviventes do psiquiatra canibal, Verger fará de tudo para obter sua doce e saborosa vingança. E é em meio a este complexo quebra-cabeças que reúne passado, presente e um futuro incerto que os destinos de Clarice Starling e Hannibal Lecter se cruzarão mais uma vez em reviravoltas surpreendentes.
Este é, em tese, o último volume da série Hannibal. O quarto livro que o sucede é um resgate ao passado do psiquiatra, portanto, nós não temos informações novas sobre o futuro de Lecter ou dos demais personagens como Clarice Starling. E esse é também o livro que eu menos aprecio, ainda que não possa ser considerado de forma alguma uma obra ruim ou descartável. O fato é que desta vez Clarice Starling não está envolvida em nenhum tipo de investigação recente, na verdade ela está perseguindo um rosto conhecido do passado e tentando conhecê-lo melhor justamente para ser capaz de capturá-lo: Hannibal Lecter. Em paralelo, nós temos o arco dos irmãos Verger - Mason e Margot - e curiosamente para quem já assistiu aos filmes, vai notar que a irmã do sobrevivente de Lecter não existe na adaptação para as telas. Essa foi uma
decisão dos produtores bem como a alteração do desfecho da obra, por motivos que eu julgo extremamente válidos e compreensíveis, sensatos até - mas eu ainda vou chegar lá! Margot é interessante e eu acho que agrega profundidade, nos permite conhecer um pouco melhor a faceta terrível de Mason Verger, um degenerado completo e predador de crianças. Mas eu creio que tenha sido deixada de fora do filme, pois não era exatamente a personagem mais relevante dentro do livro e acrescentá-la serviria somente para tomar mais tempo de tela, correndo o risco de tornar a produção muito longa e cansativa. Ainda assim, eu particularmente gosto de Margot e gostaria de vê-la sendo interpretada por uma atriz competente.
A obra é dividida em 6 partes, creio que para torná-la mais fluída e seccionar de forma satisfatória os pontos-chaves que levam ao ápice final . Esse é de longe o livro mais descritivo e repleto de detalhes do autor Thomas Harris, o mais longo também, o que algumas pessoas podem enxergar como algo enfadonho. Eu penso que é o livro mais preciso, completo e bem escrito. A riqueza de detalhes em cenários, características físicas, aromas, locais, pensamentos, devaneios e reflexões nos permite conhecer melhor a psique do maior e principal personagem dessa obra que nos desperta extremo fascínio desde Dragão Vermelho: o Dr. Hannibal Lecter. Sobre o desfecho: eu consigo entender, porque o autor é competente ao correlacionar o passado do psiquiatra e suas lembranças a respeito da irmã morta - Mischa - com o que ele enxerga e projeta na agente Clarice Starling, as expectativas que possui em relação à ela que o levam a persegui-la mesmo anos depois (antes mesmo do último volume, Hannibal: A Origem do Mal, alguns detalhes sobre a infância de Lecter aparecem neste livro). Desse modo entendemos o grande interesse do doutor e a suposta clemência que ele demonstra em relação à Starling. Porém, tendo dito isto, eu não gosto do final. Eu não acho apropriado considerando que Hannibal Lecter é sobretudo um psicopata incapaz de nutrir sentimentos de qualquer estirpe. Não vou entrar em muitos detalhes, porque não quero estragar a experiência com o uso de possíveis spoilers, mas a mim soa incoerente e um tanto irreal esse desfecho, ainda que de um ponto de vista psicológico eu possa compreender que o tipo de relação existente ali é justamente baseada em benefício próprio e mútuo. Tanto Lecter quanto Starling projetam um no outro as ausências, os vazios que possuem dentro de si e os preenchem de uma forma bastante disfuncional, a própria Starling abrindo mão da própria moralidade apenas para dar um sentido à própria vida. Só não sei se isso seria possível mesmo em um cenário dentro da nossa realidade, portanto, permaneço cética e um tanto desgostosa. Enfim, acredito que a decisão dos produtores do filme ao alterarem o final do filme foi bastante acertada em vários níveis, não creio que um final semelhante ao do livro teria sido bem recebido pelo público em geral. Em resumo, foi esse o motivo que não me permitiu dar as 5 estrelas para Hannibal, todo o resto me foi extremamente satisfatório.
Novamente agradeço à editora Record por esse box incrível que me permitiu reviver essa série que tanto estimo em grande estilo.