Flavinha 06/11/2020Uma história mineira com pitadas de realismo mágicoO romance ?Água funda?, da mineira Ruth Guimarães, quando foi lançado em 1946, foi bastante celebrado pela crítica. É de uma força literária impressionante. A escritora, uma mulher negra, foi apontada como uma revelação literária e tida como precursora do gênero realismo mágico no Brasil. Mas o que aconteceu foi que seu livro caiu no esquecimento por décadas e só foi resgatado recentemente, nos anos 2010.
A narradora conta os ?causos? da região do Vale do Paraíba e do Sul de Minas como se fosse uma costureira emendando pequenos pedaços de tecido. Ela vai criando imagens que se transformam em uma rica colcha de retalhos. O processo narrativo é calcado na oralidade, a costura da colcha imaginária é feita artesanalmente. São muitas personagens cujas histórias vão se entrelaçando, as linhas e os fios vão formando uma paisagem carregada de supertições e de fatalidades, cheia de crenças populares e de duras realidades interioranas.
Esse livro foi pra mim uma ótima surpresa, me fez lembrar das minhas origens mineiras, tão distantes e ao mesmo tempo tão próximas. ?Água funda? lembra um pouco da narrativa de Guimarães Rosa, principalmente nas mineirices dos dois. Eles eram contemporâneos, ?Sagarana?, por exemplo, é do mesmo ano de ?Água funda?, o que me fez questionar porque ele é tão exaltado como escritor e ela tão desapercebida nos livros de história literária brasileira. Sem tirar o mérito do Rosa, claro, mas só consigo analisar essa disparidade pelo ponto de vista do gênero e da raça.
Ruth Guimarães, obrigada pela história.