Léia Viana 15/08/2023
Três mulheres, três décadas distintas e várias questões.
Três mulheres em três épocas distintas, mas com os mesmos dilemas e emoções compõem o tema central do livro "As Horas", de Michael Cunningham.
Soube da existência desse livro - sim, ainda não assisti ao filme - pelo Clube de Leitura da Ju Gervason: Lendo Clarice Lispector em ordem cronológica. Nos primeiros livros publicados por Clarice, a Ju Gervason aponta algumas semelhanças com as personagens Claricianas e sugere, tanto o livro quanto o filme, como apoio para uma melhor absorção do estilo das personagens femininas de Lispector.
Aqui encontramos essas três mulheres vivendo suas questões pessoais. Virginia Woolf, Laura Brown e Clarissa Vaughan, que vivenciam o tédio, a escolha da identidade sexual e um forte desejo de autonomia e auto-realização. Sendo que para compor o personagem da própria Virgínia Woolf, Cunningham se vale dos seus diários e também do romance "Mrs. Dalloway".
Aliás, é importante reforçar a sub-narrativa respeitante a Virginia Woolf contida neste livro. Também, é importante frisar que gostei da escrita, mas ao contrário de algumas resenhas que li, não achei poética.
Destaco dois fragmentos que considero importantes e que me fizeram refletir muito sobre a vida:
"Ela não é dada a bajular celebridades, não mais do que a maioria das pessoas mas não consegue evitar a atração exercida pela aura da fama - mais do que fama, imortalidade mesmo - que a presença de uma estrela de cinema num trailer, na esquina da MacDougal com Spring, sugere. Essas duas moças paradas ao lado de Clarissa, uns vinte anos, se tanto, desafiadoramente corpulentas esboroadas uma em cima da outra, carregando sacolas coloridas de lojas populares; essas duas moças se tornaram mulheres de meia idade, depois velhas, vão murchar ou inflar; o cemitérios onde forem enterradas acabaram arruinados, com mato crescendo em volta, cães perambulando à noite; e, quando tudo que restar dessas moças foram punhado de obturações de prata perdidas na terra, a mulher no trailer, seja ela Meryl Streep, Vanessa Redgrave ou mesmo Susan Saradon, ainda será conhecida. Ela existirá nos arquivos, nos livros; sua voz gravada será guardada entre outros objetos preciosos e venerados."
É interessante perceber o quanto nós, considerados simples mortais, só permaneceremos vivos enquanto quem lembrar de nós estiver vivo. Mas, os classificados como famosos têm esta vantagem: sua obra será perpetuada de geração a geração, sendo lembrados para quase uma eternidade pelo que realizaram ou como tocaram uma boa parte da humanidade.
"Gostaria de dizer a ela alguma coisa, alguma coisa importante, mas não consigo pensar em nada. "Eu te amo" é fácil demais "Eu te amo" tornou-se quase corriqueiro, algo que é dito não só nos aniversários, mas também de modo espontâneo, na cama ou na pia da cozinha, até mesmo em táxis, ao alcance dos ouvidos de motoristas estrangeiros que acreditam que a mulher deve andar três passos atrás do marido."
O quanto a mulher evoluiu na sociedade e o quanto ainda tem para conquistar? E a banalização de uma frase com significado tão grandioso e que hoje é simplesmente jogada ao vento, como um simples termo utilizado como uma forma de acelerar o relacionamento, a uma falsa segurança de que assim o compromisso está se firmando, que o outro é importante quando na realidade não o é.
Gostei bastante do livro mas fica a ressalva para quem ainda não o leu que leia após a obra de Virgínia Woolf: "Mrs. Dalloway". Não é fundamental, mas creio que a experiência será bem diferente.