Euflauzino 09/10/2018Um raio de sol no quarto escuro
Vamos para mais um choque de realidade, agora sobre o grande mal que aflige mais de 350 milhões de pessoas mundo afora (segundo levantamento da OMS). Tenho me preparado há tempos para escrever esta resenha e ter eu entrado no vórtice deste furacão, apesar de sempre me achar imune à depressão e resiliente diante da melancolia, retardou o processo da escrita ainda mais.
“Sob vários nomes e disfarces, a depressão é e sempre foi onipresente por motivos bioquímicos e sociais. Este livro se esforça para abarcar a extensão do alcance temporal e geográfico da depressão. Se às vezes parece que a depressão é uma aflição própria da classe média do Ocidente moderno, isso se deve ao fato de que é nessa comunidade que repentinamente estamos ganhando uma nova sofisticação no reconhecimento, nomeação, tratamento e aceitação da depressão – e não porque temos quaisquer direitos especiais sobre a doença em si. Nenhum livro pode abarcar a extensão do sofrimento humano.”
Passei por um período particularmente escuro que me sugou toda a vontade de fazer as coisas, meus planos e objetivos pareceram perder o sentido, perdi o apetite e o sono desapareceu também, meu peito estava sempre apertado e eu sem fôlego. Era como se estivesse me afogando sem me importar com as consequências. Certamente um ou vários tentáculos da depressão haviam me atingido. Sorrir se tornara impossível, perdi o prazer pela vida cotidiana, minha vontade enfraqueceu a ponto de não conseguir e não querer fazer mais nada, apenas ficar parado contemplando o vazio. Pensei: será que destruí minha capacidade de sentir felicidade?
“A depressão é a imperfeição do amor. Para poder amar, temos que ser capazes de nos desesperarmos ante as perdas, e a depressão é o mecanismo desse desespero. Quando ela chega, destrói o indivíduo e finalmente ofusca sua capacidade de dar ou receber afeição. Ela é a solidão dentro de nós que se torna manifesta e destrói não apenas a conexão com outros, mas também a capacidade de estar em paz consigo mesmo.”
Nem preciso dizer que este livro O demônio do meio-dia: uma anatomia da depressão (Companhia das Letras, 584 páginas) me caiu como uma luva. Já venho lendo muito a respeito da ansiedade e da depressão, seja por curiosidade, seja para entender a mim e aos meus. Ter esta edição de Andrew Solomon foi de fundamental importância para me familiarizar com um dos males modernos que mais cresce atualmente.
O livro é dividido em capítulos que não deixa nada de fora: Depressão, Colapsos, Tratamentos, Alvernativas, Populações, Vícios, História, Pobreza, Política, Evolução e Esperança, além de um epílogo inédito para a edição brasileira. Dizer que este é mais um livro sobre a depressão seria no mínimo precipitado. Não é um livro, é um compêndio contendo tudo o que já se fez para livrar o ser humana das garras desta doença. Basta citar Contardo Calligaris (escritor, dramaturgo e psicanalista, colunista da Folha de São Paulo) na contra-capa:
“Se tivesse que descer na fossa de uma depressão e levar comigo apenas um livro, seria o de Solomon. Não sei se me ajudaria a encontrar uma cura, mas certamente, graças a ele, eu me sentiria menos sozinho.”
Esta frase nos dá a dimensão exata da importância deste livro a todos os que sofrem por terem a depressão ou por conviver com quem tenha.
Solomon participou de dezenas de tratamentos, sejam convencionais, inovadores ou alternativos. Psicanalíticos, medicamentosos e naturais, nada fugiu ao seu escrutínio. Portanto, ele é mais que qualificado para demonstrar o sofrimento e indicar caminhos a serem tomados.
“O diagnóstico é tão complexo quanto a doença. Os pacientes perguntam aos médicos o tempo inteiro: “Estou deprimido?”, como se o resultado pudesse ser obtido através de exame de sangue. O único modo de descobrir se alguém está deprimido é escutar e observar a si mesmo, examinar seus sentimentos e pensar sobre eles. Se alguém se sente mal sem nenhum motivo durante a maior parte do tempo, está deprimido. Caso se sinta mal a maior parte do tempo com motivo", também está deprimido, embora mudar os motivos possa ser a melhor maneira de avançar, em vez de simplesmente deixar de lado a circunstância e atacar a depressão. Se ela o incapacita, então é grave.”
A depressão não é apenas sofrimento, mas sofrimento demais por se tornar depressão. A tristeza não pode ser um sentimento mais poderoso que a felicidade, porque sua longa duração pode causar depressão. Precisamos transformar a dor, não suprimi-la ou ignorá-la, mas há como aprender com ela.
“George Brown disse sucintamente: “A depressão é uma reação a uma perda passada, e a ansiedade é uma reação a uma perda futura”. São Tomás de Aquino propôs que o medo é para a tristeza o que a esperança é para o prazer; ou, em palavras, que a ansiedade é a forma precursora da depressão. Eu sofria tanta ansiedade quando estava deprimido e sentia-me tão deprimido quando estava ansioso que passei a acreditar que o isolamento e o medo eram inseparáveis. (...) Cerca de metade dos pacientes com puros transtornos de ansiedade desenvolve depressão severa em um prazo de cinco anos. À medida que depressão e ansiedade são geneticamente determinadas, elas compartilham um único conjunto de genes (que são ligados aos genes do alcoolismo).”
Quando me vi enredado pela tristeza compreendi que a depressão é a materialização do desespero. E pior, olhando mais tarde, de fora, como se o que eu passei fosse algo acontecido com outra pessoa, pude perceber que os deprimidos enfiam alfinetes em seus próprios botes salva-vidas.
Depressão é mais que a melancolia, ela nos arremessa no escuro, nos paralisa, nos incapacita. Imploramos a deuses externos de toda e qualquer natureza que nos livre dos demônios internos. E o maior deus moderno é o Prozac, vendido e consumido igual analgésico infantil, por isso é preciso ter cuidado com automedicação e com o charlatanismo e a exploração do desespero.
“Há duas modalidades principais de tratamento para a depressão: psicoterapias, que lidam com palavras, e terapias de intervenção física, que incluem os cuidados farmacológicos e o eletrochoque ou terapia eletroconvulsiva. (...) É extremamente perigoso que tantas pessoas pensem que um tratamento dispensa o outro.”
Estar “à beira do abismo” paralisado pelo medo. Mas há pequenos indícios que podem se transformar em depressão e a ansiedade contribui sobremaneira para isso. É possível perceber jovens fazendo uso de álcool para lidar com as interações sociais, a ansiedade é incapacitante também e a bebida acaba por socializa-los. Estes tanto procuram estar seguros do mundo lá fora quanto de seus “eus” interiores.
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