Djeison.Hoerlle 09/05/2023
Em uma cabeça descomedidamente dicotômica como a minha, qualquer espectro, mesmo os mais complexos, para fins de simplificação e catalogação, pode ser resumido em duas únicas categorias. O escuro e o claro, o limpo e o sujo, o bem e o mal. No caso dos escritores, divido-os entre os otimistas e os pessimistas. Isso não influencia no decorrer das narrativas e às vezes nem no desfecho. É no tom dela que vemos seus efeitos.
A essa altura, lamentavelmente já me descobri como um escritor otimista. A escolha do advérbio aqui não foi à toa. Mesmo nas ocasiões em que estou imerso em um drama ou um grande ponto de virada, sou atormentado por uma vontade de trazer humor. De fazer rir e de alguma forma, trazer ternura. Mesmo quando meus personagens não merecem. É uma coisa quase biológica.
O Mutarelli é dos pessimistas. Mas é um pessimista que faz também, rir e eu estou genuinamente surpreso por isso. Conhecia já há um tempo razoável aquele senhor calvo de voz doce, respostas reticentes e sorrisos fortuitos. Mas não lembro de já tê-lo achado engraçado. Também não lembro de tê-lo imaginado como um pessimista. Mas o narrador do Cheiro do Ralo é, e na minha cabeça, o narrador é Mutarelli, então isso já causa uma estranheza estranhamente magnética, que acho que foi o sentimento que permeou a leitura toda.
Li em algum lugar que O Cheiro do Ralo denuncia uma "complexidade do povão de São Paulo em uma prosa urbana moderníssima". Não concordo. Na minha perspectiva, o livro denuncia muito mais a complexidade de uma mente atormentada sabe-se-lá-por-qual-motivo (que ainda é um motivo muito mais plausível do que a maioria dos motivos que as pessoas insanas alegam. Isso quando usam algum.) A partir daí, vemos o quanto o tormento brotado em uma única cabeça espalha-se pelas demais, pois importunado pela sua condição, o narrador importuna e constrange todos que pode. E sadicamente, faz com que o leitor se divirta enquanto faz isso.
O Cheiro do Ralo é um relato pessimista e sombrio, uma enxurrada estilística bem humorada que, como o próprio autor pontua, "narra no ritmo dos nossos pensamentos". É também um ponto anômalo em meio à literatura produzida em nosso país e talvez por isso, eu tenha ficado tão fascinado.