As benevolentes

As benevolentes Jonathan Littell
Jonathan Littell




Resenhas - As Benevolentes


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Lista de Livros 23/12/2013

Lista de Livros: As Benevolentes, de Jonathan Littell
“Rastejamos por muito tempo nesta terra como uma lagarta, à espera da borboleta esplêndida e diáfana que carregamos dentro de nós. O tempo passa, a ninfose não chega, permanecemos larva, constatação aflitiva, o que fazer? O suicídio, naturalmente, continua sendo uma opção. Mas, para falar a verdade, o suicídio não me atrai muito. Pensei nisso, claro, durante muito tempo, e se tivesse de recorrer a ele, eis como agiria: apertaria uma granada contra o peito e partiria numa viva explosão de alegria. Uma granadinha redonda da qual eu removeria o pino com delicadeza antes de soltar a trava, sorrindo ao barulhinho metálico da mola, o último que eu ouviria, afora os batimentos do coração nos ouvidos. E depois finalmente a felicidade, ou, em todo caso, a paz, e as paredes do meu escritório enfeitadas com retalhos de carne. A limpeza caberá às faxineiras, são pagas para isso, o problema é delas.”
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“Apesar dos meus defeitos, e eles são muitos, ainda sou dos que acham que as únicas coisas indispensáveis à vida humana são o ar, a comida, a bebida e a excreção, além da busca pela verdade. O resto é facultativo.”
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““Em todo caso”, acrescentava sentenciosamente Vogt, “Deus está com a nação e o Volk alemães. Não podemos perder esta guerra.” – “Deus?”, cuspia Blobel. “Deus é comunista. E se eu o encontrar pela frente, ele terminará como seus comissários”.”
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site: https://listadelivros-doney.blogspot.com.br/2010/04/as-benevolentes-jonathan-littell_30.html
zeppelin - TRICOLOR PAULISTA 22/10/2015minha estante
É um dos melhores livros já escritos sobre o tema.
Já li muito sobre a segunda guerra e o nazismo, mas sob essa ótica é inédito a visão e a perspectiva.


Edméia 17/08/2023minha estante
*Nossa ! Pesado esse livro; hein ?!




Alexandre Kovacs / Mundo de K 27/05/2010

Jonathan Littell - As Benevolentes
Editora Objetiva - Selo Alfaguara - 905 páginas - Publicação 2007 - Tradução da edição francesa por André Telles.

Vencedor do prêmio Gouncort de 2006, este é um livro difícil de ler e ainda mais difícil de se resenhar. Jonathan Littel escreveu um romance histórico sobre a Segunda Guerra com foco na campanha alemã do leste europeu e o extermínio sistemático de judeus e outros grupos étnicos, utilizando como recurso ficcional as memórias do protagonista Maximilien Aue, oficial da SS nazista que participou dos eventos principais ocorridos na Polônia, Rússia, Hungria e a derrota final do exército alemão com a tomada de Berlim pelos aliados. A crítica especializada se dividiu entre a adoração irrestrita, comparando Littell a Tolstoi em um novo "Guerra e Paz" (crítica do jornal Le Monde) a acusações sobre excesso de violência e pornografia (ver resenhas da tradução para o inglês dos jornais Times, Guardian e The Independent).

Ao colocar o seu protagonista na pele do carrasco, Littell tenta nos fazer entender o absurdo da guerra e do destino que faz com que um homem inteligente e culto como Maximilien Aue se veja envolvido em ações de extermínio em massa como o massacre de Babi Yar no front do Cáucaso, a batalha sangrenta entre russos e alemães pela posse de Stalingrado e o funcionamento dos campos de concentração de Auschwitz e Birkenau. Surpreende neste romance o nível de pesquisa e detalhamento do autor que utilizou personagens históricos como Heinrich Himmler, Adolf Eichmann, Albert Speer, Rudolf Hess e Adolf Hitler, além de descrever todo o mecanismo burocrático do exército alemão. A seguinte declaração de Jonathan Littell explica a sua opção pelo protagonista nazista: "Eu jamais poderia avançar se ficasse no registro da recriação ficcional clássica, com o autor onisciente, como Tolstoi, que arbitra entre o bem e o mal. A única maneira era me colocar na pele do carrasco".

Ao longo da narrativa de 900 páginas, enquanto o mal é exercido em toda a sua plenitude pelos homens e os fatos históricos demonstram não haver esperança possível, Maximilien Aue é atormentado por seus próprios fantasmas, uma paixão impossível pela irmã gêmea que o faz assumir o homosexualismo como opção de vida e a participação no assassinato da mãe e do padrasto na França. O autor por vezes parece querer realmente nos chocar com detalhes das ações de extermínio praticadas pelos nazistas, mas não tenho dúvidas do valor literário do texto que tem passagens inesquecíveis nos monólogos de Maximilien Aue. A introdução do romance deixa claro o que vem pela frente:

"Irmãos humanos, permitam-me contar como tudo aconteceu. Não somos seus irmãos, vocês responderão, e não queremos saber. É bem verdade que se trata de uma história sombria, mas também edificante, um verdadeiro conto moral, garanto a vocês. Corre o risco de ser um pouco longa, afinal aconteceram muitas coisas, mas, se calhar de não estarem com muita pressa, com um pouco de sorte arranjarão tempo".

Fico imaginando por que Jonathan Littell escolheu um tema tão difícil e desagradável para escrever, ele próprio nascido em Nova York, numa família judia. O mal, sempre presente, é o maior protagonista do romance que, apesar de tudo, é brilhantemente escrito em todos os momentos. Literatura pura, apesar da dor que provoca.
Érika dos Anjos 28/05/2010minha estante
Nossa... fiquei arrepiada com a sua resenha. Muito boa mesmo. Acredito piamente no que vc disse sobre ser difícil escrever algo em cima de uma obra complexa como essa. Parabéns pela resenha e, principalmente, pela leitura.


Felipe 04/01/2012minha estante
Com a sua resenha, economizo a minha. Avalizo integralmente as suas percepções e confesso o mesmo entusiasmo pelo livro; de fato a introdução se justifica: se calhar de não estar com muita pressa, é uma bela imersão na realidade infernal do personagem.


Michel 25/04/2012minha estante
Tua resenha, junto com a de Moacir Scliar (não sei se o nome está correto) já dizem tudo sobre o livro. Apesar de ter mais de 800 páginas , e ser recheada de diálogos complexos, sua leitura fluiu de tal forma que nem vi o fim do livro chegar. Não posso dizer que já foi o melhor livro que li, pois já me deparei com muita coisa boa mas, com certeza, está entre aqueles que me marcaram...


Lucia 14/11/2012minha estante
Fui adicionar o livro na minha lista e topei com a sua resenha. Excelente, Motivou-me a inciar uma releitura, pois como foi comentado por outros leitores não é um livro fácil e certamente vale uma segunda leitura, apesar do tamanho e da dor...


Regina 21/03/2017minha estante
Levei três meses para ler, parei várias vezes. Senti muita tristeza em alguns momentos e, em outros, muita repugnância mas consegui ir até o fim. Restou-me grande admiração pelo autor por escrever uma história tão detalhada. Recomendo a leitura porém alerto que não é um livro fácil.


AnaCris 31/12/2020minha estante
Excelente resenha. Um livro magnífico e perturbador. Dispensou-me de fazer minha própria resenha, pois nada teria a acrescentar.




Mariana Dal Chico 21/05/2020

As Benevolentes de Jonathan Littell foi ganhador do Prêmio Goncourt de 2006. Apesar de ser uma obra de ficção, o autor fez uma pesquisa extensa em documentos sobre a II Guerra Mundial.

O autor coloca o leitor dentro da ação, é possível sentir os cheiros, o frio, a fome, o medo; As descrições vívidas e detalhadas dos horrores da guerra geram desconforto extremo durante a leitura. Precisei de MUITAS pausas para respirar entre os capítulos e mais de 900 páginas.

É preciso ter muito cuidado com o protagonista, Max é um intelectual culto que tenta convencer o leitor, a todo custo, de que teria agido da mesma forma que ele se estivesse na mesma situação. O momento em que percebi isso, foi realmente assustador, por que em alguns momentos, Max é charmoso o suficiente para fazer com que o leitor cogite sentir simpatia/pena por ele. Lembrando que a narrativa é feita em primeira pessoa.

Max é complexo, muito humano em suas contradições, psicologicamente perturbado, narcisista e tem uma ideia doentia sobre o amor e relacionamentos sexuais. Um personagem muito bem construído, embasado e inesquecível.

Há uma discussão muito boa ( perto da pg 574) sobre o surgimento do sadismo nos oficiais da SS que eram diretamente responsáveis pela eliminação dos judeus e, mais para frente, vemos os desdobramentos desse debate e a “solução” encontrada.

Alguns sonhos do Max são detalhados ao extremo e foram um pouco enfadonhos para mim, mas tenho certeza que para os estudiosos da mente humana, é um prato cheio!

Leitura mais que indicada, mas é preciso escolher o momento certo porque é um livro que vai te marcar para sempre.

Ah! É interessante procurar a origem do título, que está ligada à mitologia grega e foi perfeitamente escolhido pelo autor.

site: https://www.instagram.com/p/CAYjw1HjP7x/
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Eduardo1304 03/05/2023

As Benevolentes
O livro retrata a saga de um oficial da SS nazista, durante a Segunda Guerra Mundial.
A leitura não é fácil, mas trás a reflexão o tempo todo.
Livro longo , mas vale a pena ler cada página , por apresentar as atrocidades e contradições do nazismo.
Um livro que mexe com o emocional o tempo todo.
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Martony.Demes 19/03/2023

Eu levei mais de 6 meses para concluir essa obra! Talvez pelo calhamaço que é, talvez pelas histórias intragáveis tanto de Aue como do cenário e situação em que ocorrem. Toda a história é contada por ele no transcorrer do início ao fim da segunda guerra! O narrador singra por diversos episódios dantescos do (mau) nazista. E vemos tanto o início avassalado e cruel do nazismo como sua queda.

A despeito de tudo, Aue consegue sobreviver no final. Talvez tenha como uma parábola. E tal como são denso é complexo as circunstancia pelas quais ele passa, seus fantasmas pessoais os cercam do início ao fim: problemas de relacionamento e identidade, incesto com a irmã e outros graves problemas pessoais!

Como eu disse, é um livro forte, com descrições cruas e sem filtros de muitas cenas que impactam profundamente! Leia o livro esperando que pode acontecer de tudo! E saiba que você vai ter que parar em algum momento por acontecimentos horripilantes como de fato foi a segunda guerra!

Além disso, o livro é uma fantástica e bruta jornada de história da segunda guerra mundial, narrando os principais diversos acontecimentos: invasões nazistas, batalhas (stalingrado), campos de concentração, tentativas de golpes a Hitler entre outras.

Posso reiterar que As benevolentes não são apenas um livro. É uma biblioteca de várias histórias contadas por um narrador embebido de muito questões pessoais não resolvidas que o afligem igualmente as estórias narradas!
Ana Carol 19/03/2023minha estante
Gostei da resenha! Apesar da observação inicial do tempo de leitura e do "calhamaço", instigou a curiosidade!




Daniel Andrade 10/10/2021

Uma das melhores experiências literárias disponíveis
Que livro espetacular. Desde que li a sinopse pela primeira vez fiquei doente de vontade e criei muita expectativa. Nem um pouco decepcionado.
A escrita do Littel é tão boa que em vários momentos me vi torcendo pelo Aue (o que obviamente não deveria acontecer considerando que ele é um doente psicopata nazista assassino).
Gostei muito desses mistérios que ficaram em aberto (os gêmeos são filhos do Aue com a Una? Quem matou o Moreau?), cria espaço pra bastante especulação.
Enfim, literatura de primeira prateleira. Não é das leituras mais fáceis por n motivos, mas vale a pena.
Ah, e duas observações:
1) "considerado pela crítica o novo Guerra e Paz". Oi????????????? A única similaridade que existe entre esses livros é que alguém morre no inverno russo. De resto...
2) Li numas resenhas que "as cenas de sexo são ruins". Amiga você queria o que? Rola incesto, doggin, banheirão. Queria que as cenas fossem confortáveis?
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Sandra 21/12/2022

Melhor leitura do ano, embora tenha sido a mais difícil de terminar. Foram seis meses, em vários momentos abandonei o livro por semanas e em outros lia sem conseguir parar. O livro é denso, alguns capítulos são maravilhosos, correm em um ritmo rápido, e outros são mais lentos.
A maior dificuldade é sem dúvida a violência gráfica com que o genocídio dos judeus é descrito aqui. O estômago ficou embrulhado em boa parte da leitura, mas valeu a pena. Recomendo demais!
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Luiz Felipe 14/09/2021

No lugar dele, você faria diferente?
Maximilien Aue tem um recado para você, leitor de As Benevolentes: se você tivesse vivido na Alemanha nazista, durante a Segunda Guerra Mundial (e no período pré-Guerra), muito provavelmente você teria concordado com tudo o que estava sendo feito em nome do Reich. Se não o fizesse, o máximo que poderia ter ocorrido seria uma discordância silenciosa, que, no final das contas, se reveste das características da cumplicidade. Oposição? Ele duvida. Você, como ele, e como todos os outros, faria o que tinha de ser feito. Era esse o trabalho. Era essa a Lei.

Eu diria que a primeira grande reflexão que o livro nos leva a fazer é até que ponto temos poder de autodeterminação suficiente pra entender o que é certo e o que é errado e, após identificar o que é errado, lutar pelo certo. Se o leitor vivesse naquele contexto social, político, econômico e cultural, o que teria feito de diferente?

Mas seria Aue tão somente um burocrata que "se obrigou" a fazer coisas, ou ele sentia certa inclinação pras funções designadas ou, até mesmo, prazer em pertencer à raça superior?

Eu poderia dizer que esse livro é um monumento literário, do estilo de monumento que fascina e aterroriza. O autor já começa trazendo conceito no título, "As Benevolentes", que remete à mitologia e faz muito sentido dentro da narrativa, sendo citado de forma específica somente ao final. A divisão da obra traz mais conceito, pois os nomes das sessões se referem às peças ou danças de uma suíte barroca, onde cada uma delas possui um movimento específico (tempos curtos, tempos longos, etc), num ritmo que literalmente é utilizado na narrativa, que em certos momentos é mais densa, lenta e árida, enquanto noutros é ágil e resolutiva.

Aue convida o leitor para acompanhar a escrita das suas memórias. A guerra acabou e ele se salvou, vive a sua velhice na França onde construiu família e seguiu a vida trabalhando com tecelagem. No entanto, ele está com vontade de contar o que aconteceu, sendo que apesar de rechaçar o leitor num primeiro momento, ele demonstra, durante a obra, que se preocupa com a nossa percepção dos fatos. Não é um pedido de perdão, é tão somente um relato, relato este pelo qual ele reiteradamente tenta te convencer que: você não faria nada de diferente.

Max Aue, em linhas gerais, foi um oficial da SS, que ao longo da guerra foi galgando posições dentro desse órgão pertencente ao grande e complicado aparelhamento político-militar do Partido Nazista (nesse ponto, as especificidades e o trabalho de pesquisa do autor se mostram brilhantes, sendo que na edição da Alfaguara existe um apêndice que serve para consulta). Fazem parte de sua história personagens conhecidos da nossa História, como Eichmann, Himmler, Heydrich, Kaltenbrunner e, até mesmo, o próprio Hitler. Jonathan Littell desenha as personalidades dessas figuras através do que se conhecia delas, e as insere na vida do seu carrasco-narrador. Aue vai participar ativamente de diversos momentos decisivos da Segunda Guerra Mundial, e ele quer te contar tudo, com detalhes. Desse modo, as descrições dos fuzilamentos, das marchas, do front, dos campos de concentração, são exaustivas e literalmente deixam o leitor aterrorizado e cansado. Na minha experiência pessoal, as descrições dos fuzilamentos pelos Einsatzgruppen foram as mais difíceis de ler (e aparecem logo no início do livro).

Para além da guerra, Aue possui uma vida em família. E aqui Jonathan Littell demonstra que não está pra brincadeira. Descobrir as vivências do Aue em família é um dos "deleites" do livro, então não mencionarei nada, só que, talvez, as descrições dos desejos sexuais e das efetivas relações sexuais do personagem podem incomodar leitores desavisados. E elas aparecem do nada. Às vezes você tá lendo uma frase que parece linda e ele coloca um "arrombad*" no meio (é sério). Apesar de toda a disfuncionalidade da vida pessoal do Aue, entendo que ela não existe somente para ser um elemento de choque (já que literalmente o choque é inevitável pelas intensas e inúmeras descrições de mortes de judeus), há coerência com tudo o que está sendo contado.

Para os que pretendem se aventurar por esse livro, desejo muita sorte, muita firmeza de convicções e cuidado, o Aue é traiçoeiro, ele faz você gostar dele, e quando você menos percebe você está torcendo pra que ele se dê bem em ações que no fundo tem uma única finalidade, com a qual eu espero que você não concorde (ainda que ele seja convicente). Por fim, a intertextualidade com o "Eichmann em Jerusalém" é grande, valendo com certeza a leitura de ambas as obras pra tentar entender melhor todo o contexto.
Martony.Demes 11/10/2022minha estante
Que beleza de resenha (e análise crítica)! Fez-me retomar a obra! Tinha pausado. Agora vou recomeçá-la! Obrigado por contribuir com essa excelente resenha!




Andreia Santana 15/07/2022

Anatomia de um crime contra a humanidade
Os piores castigos impostos pelas Erínias bastariam para apagar da memória coletiva os horrores da II Guerra Mundial e do nazismo? Maximilien Aue, protagonista de As Benevolentes (Alfaguara, 2007) se faz essa pergunta enquanto desfia um rosário de misérias diante do leitor atônito. Com quase mil páginas, essa é leitura árdua tanto pelo volume do livro quanto pela complexidade, crueza e opressão do tema.

Protagonista desse inquietante e premiado romance histórico do escritor franco-americano Jonathan Littell, Max Aue é um oficial nazista que décadas depois do fim da guerra e tendo escapado do expurgo (os julgamentos e as execuções de ex-servidores do III Reich), vive uma pacata vida de comerciante de peças de renda na França.

Idoso e com um problema de saúde constrangedor no intestino, ele oferece um relato que oscila entre a crueldade e o delírio, da campanha alemã na Rússia e no Leste Europeu. De certa forma, ler esse livro no meio da guerra provocada após a invasão da Rússia à Ucrânia, em fevereiro de 2022, facilita o entendimento das rivalidades entre esses dois países vizinhos e da complexa geopolítica do pós-guerra.

Além da história muito bem contada, o livro de Littell também traz uma riqueza de informações históricas e um providencial glossário com as patentes dos militares do Reich e as expressões típicas da caserna ou da cultura alemã, para ajudar o leitor a entender melhor a quantidade exorbitante de dados que compõem o romance. Dados esses que mesmo armazenados na frieza dos números – ele divulga as estatísticas de mortos entre judeus, ciganos, soldados russos, soldados alemães e civis, por exemplo, – revelam a dimensão apocalíptica dessa guerra.

As situações de abuso moral, psicológico e físico – principalmente sexual – da população civil dos países invadidos e das vítimas de extermínio reviram o estômago até de quem é acostumado com as histórias mais cruéis que a literatura já engendrou. Essa narrativa, em muitas passagens bastante escatológica, enfatiza o lugar do estupro como um crime de poder e humilhação. E isso causa repulsa e um desconforto que grita na alma do leitor.

Acredito que o autor desceu tão fundo na lama com a intenção menos de chocar ou de fetichizar esse tipo de violência visceral [e é importante ressalvar que no caso da guerra, é uma violência acima de identidades de gênero, faixa etária ou país de origem das vítimas]; e mais no intuito de advertir, de botar o dedo acusador na ferida.

Ao mesmo tempo em que narra as situações mais escabrosas e humilhantes vividas pela população dos países ocupados, demonstra que quem cometeu tanta atrocidade era gente comum, mediana, do tipo que se encontra em uma esquina, na padaria, no piquenique no parque. Ainda assim, gente que se habituou ao racismo e à xenofobia quase como se fossem traços culturais. O que é triste e revoltante.

Esse livro árido e sufocante tem ainda suas armadilhas, já que o leitor é apresentado aos fatos pelo olhar subjetivo e bastante contaminado de Max Aue. É o carrasco sem remorsos na velhice, praticamente indiferente e resignado a essa indiferença, quem revela os pavores de sua juventude como um autoconsolo para a própria consciência. E sem muito desejo de arrependimento.

Max Aue é esquizofrênico [ele já tinha alucinações antes de ir para o front e a guerra só piora sua condição] e nutre, desde criança, uma paixão incestuosa pela irmã gêmea, ao mesmo tempo em que coleciona jovens soldados como amantes. Ele se esconde em um armário com portas de vidro, como muitos outros oficiais da época, porque as pessoas LGBTQIA+ também pereceram nos campos de concentração, é importante não esquecer dessas vítimas do nazismo.

No alto oficialato nazista, a pena para relações homossexuais era o fuzilamento ou o envio aos campos de concentração. No entanto, ao criar um personagem gay que precisa demonstrar a todo tempo uma masculinidade exacerbada de forma tão selvagem e tóxica para preservar a própria vida, Littell toca em um ponto sensível e importantíssimo da cartilha das ditaduras e dos regimes totalitários: o controle extremo e total do indivíduo, de sua identidade, dos seus desejos e até da personalidade.

No caso das mulheres cis e heterossexuais, por exemplo, o Reich não punia comportamentos que aos olhos da cultura dos anos 1930/1940 seriam considerados escandalosos. Ao contrário, estimulava que elas se envolvessem com o máximo de homens possíveis e engravidassem para gerar ‘muitas crianças arianas’. Desde que esses civis, soldados ou oficiais estivessem dentro do ideal de perfeição física e mental ditada pela ótica racista do regime, lógico. Ao contrário da violência praticada contra as pessoas nas zonas ocupadas, aqui o sexo e a procriação eram vistos como um dever de Estado.

Ao final da leitura de As Benevolentes e, ao traçar paralelos com o mundo atual, o leitor constata sem nenhuma surpresa, mas ainda assim com bastante pesar, que na história da humanidade, o horror nunca dorme, só cochila. E sempre com um dos olhos abertos, à espreita...

O exemplar que eu li:

Foi emprestado por um amigo do trabalho que sabe que eu tenho obsessão pela II Guerra Mundial como objeto de estudo. Ele me falou do livro em uma conversa motivada por outro livro sobre as relações de Hitler e Stálin durante o conflito, que ainda está na minha lista de leituras futuras. Esse amigo fez uma breve sinopse d´As benevolentes para mim e eu pedi emprestado quando ele terminasse de ler. Acontece que esse amigo não conseguiu avançar na leitura porque se sentiu bastante incomodado com a narrativa crua, cáustica e assustadora do personagem principal. Ele abandonou o livro e o levou para mim. Demorei quase seis meses lendo, foi um dos livros que levei mais tempo – aqueles que abandonei e retomei não contam – para concluir, porque em alguns dias, quando estava de baixo-astral (e como não estar de baixo-astral no Brasil de 2022?), só conseguia ler uma ou duas páginas. Persisti porque o livro é instigante, extremamente rico de conteúdo histórico e absurdamente bem escrito, embora doloroso em um nível impensável em muitas passagens...

Um pouco de mitologia grega:

‘Benevolentes’ é uma das formas que os antigos gregos usavam para se referir às Erínias, as entidades que personificam a vingança e castigam os mortais pecadores. Elas são as responsáveis pelas tormentas sofridas no Hades [o mundo inferior que recebe as almas dos mortos, dividido em Campos de Punição (Inferno), Campos de Asfódelos (Purgatório) e Campos Elísios (Paraíso)]. Eram chamadas de ‘benevolentes’ ou ‘bondosas’ por ironia e superstição, pois acreditava-se que pronunciar seus nomes as atrairia. Eram três: Alecto, Tisífone e Megera. Os romanos as chamavam de Fúrias.

Uma peculiaridade:

O livro As Benevolentes ganhou tanto o Goncourt, um equivalente ao Oscar francês da literatura, no ano de lançamento, 2006; quanto o Bad Sex Awards, o que seria um tipo de Framboesa de Ouro literário dado às descrições de sexo consideradas muito ruins ou toscas em romances, no mesmo ano.

Outra particularidade:

Quando estava escrevendo essa resenha, o New York Times publicou uma reportagem sobre o documentário The Devil’s Confession: The Lost Eichmann Tapes (Confissões do Diabo: as gravações perdidas de Eichmann, em tradução livre). O filme, produção para a MGM de dois descendentes de sobreviventes de campos de concentração, revela um achado histórico valioso, as fitas gravadas por Adolf Eichmann para um simpatizante holandês do nazismo, anos após o fim da guerra e antes dele ser executado depois do julgamento em Jerusalém. No que sobreviveu dessa gravação e que por décadas esteve sob a guarda do governo alemão, com acesso apenas para pesquisadores acadêmicos, Eichmann narra as atrocidades da ‘Solução Final’ com uma frieza e indiferença inacreditáveis. O filme, até a publicação dessa resenha, só havia sido exibido em Israel e a MGM buscava parceiros para fazer a distribuição mundial. Também não estava disponível ainda em nenhum streaming acessado no Brasil.

Uma dica de material complementar:

Sobre a ‘Solução Final’, assisti recentemente ao filme Conspiração (EUA, Frank Pierson, 2001), que mostra os bastidores da reunião que teria engendrado o extermínio dos judeus. Vale prestar muita atenção a Stanley Tucci, que vive Eichmann no filme. O ator dá um show de interpretação ao incorporar a personalidade subserviente, asquerosa e burocrática do nazista. A sensação é que ele estava mesmo possuído pelo espírito do ‘demônio’. Esse tem no HBO Max

Ficha Técnica:
As benevolentes
Autor: Jonathan Littell
Tradutor: André Telles
Editora: Alfaguara (2007)
912 páginas
R$ 81,70 (novo no site da Magalu), R$ 71,67 (novo na Amazon e site Americanas) e a partir de R$ 19,90 (usado na Estante Virtual)

site: https://mardehistorias.wordpress.com/
Martony.Demes 11/10/2022minha estante
Que resenha completíssima! Adorei! Iniciei esse livro ano passado e terminei pausando! Como não lembro de detalhes, devo reiniciá-lo! E com sua resenha, tudo ficou mais claro e curioso! Vou singrá-lo logo!

Obrigado por contribuir aqui! Parabéns pela bela resenha!


Moratori 20/09/2023minha estante
Sua resenha ficou muito boa!




Alipio 30/10/2020

As Benevolentes
Na mitologia grega, as " Erínias", também chamadas de " Eumênides", que significa " Benevolentes", eram deusas que simbolizavam a personificações da vingança e tinham a incubência de castigar os mortais de crimes de sangue. O uso do eufemismo em lugar do verdadeiro nome era para que evitasse que atraísse sobre sí a sua ira.


É justamente com esse titulo " As Benevolentes" que Jonathan Littell deixa extasiado os leitores desse clássico da literatura contemporânea. 

Maximilien Aue, ex-oficial da SS (Schutzstaffel), faz um relato frio e cru de procedimentos praticados durante a Segunda Guerra Mundial, onde a banalização desenfreada ao ser humano é retrada de forma cruel e a personificação do mal é desnudada.
Infanticídio, incesto, violências e suas atrocidades durante a Guerra são narrados de forma bem explícita. A narrativa é feita em primeira pessoa
.
No inicio da obra, o Narrador afirma:
.
" (...) É bem verdade que se trata de uma história sombria, mas também edificante, um verdadeiro conto moral, garanto a vocês (...) "

Maximilien Aue, encerra a narrativa com as seguintes palavras.
.

" Sozinho com o tempo e a tristeza e a dor da lembrança, a crueldade da minha existência e a minha morte ainda por vir. As Benevolentes haviam encontrado meu rastro".
.

@livros.historia
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Sergio 04/02/2021

Um livro cru e difícil como a vida
Um ex-oficial da SS recorda seus dias na guerra narrando com frieza de sua inabalável fé nazista (a frieza dos homens comuns, como bem observou Arendt) e entremeando sua narrativa com seus delírios de sua trágica vida pessoal.

Comparado, exageradamente a meu ver, com Guerra e Paz,ganhou diversos prêmios.
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Andre.S 04/03/2023

Um livro muito difícil, não pela escrita, mas pelo tema: mergulha na segunda guerra mundial pela visão da Alemanha, através da narrativa do Dr. Aue, personagem extremamente complexa. Com uma narrativa crua, violenta e , as vezes repugnante, um livro espetacular.
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Nanda Lima 19/01/2022

Absurdo
Meu ano de leituras não poderia ter começado melhor. Uma das obras mais difíceis e ao mesmo tempo recompensadoras que já li. Difícil, mas não por sua linguagem (aliás, que tradução impecável!), e sim por seu conteúdo desolador, brutal, monstruoso. Talvez seja a melhor obra ficcional ambientada na Segunda Guerra com que me deparei.
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Jaciara44 16/09/2020

Frases marcantes:
"Mas. Se um dia nossa força fraquejasse, se nosso poder cedesse, teríamos que sofrer a justiça dos outros, por mais terrível que fosse. E isso também seria justo"
"Não sei por quê, aliás, talvez seja um velho fundo de moral filosófica, que me faz pensar que afinal de contas, não estamos aqui para nós divertir.para fazer o que então? Não tenho ideia.
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