spoiler visualizarBaah 24/09/2011
A Escola dos Annales
O livro “A Revolução Francesa da Historiografia: A Escola dos Annales” (1929-1989) de Peter Burke é dividido em: Apresentação, prefácio, glossário, bibliografia, cinco capítulos e subcapítulos.
Na apresentação, Nilo Odália escreve que o livro de Burke apresenta ao leitor uma visão sintética do que foi e é a Escola dos Annales.
No prefácio, o autor da uma ideia geral do que seria o movimento dos Annales, suas fases, seus membros, ideias, surgimento... Ficando assim mais fácil a compreensão para o leitor que não está inteirado no assunto. Em certo ponto Peter se descreve como um “companheiro de viagem dos Annales”, ou seja, um historiador que buscou inspirações no movimento. E declara que durante este ensaio vai se concentrar nos melhores livros produzidos pelo grupo tendo como objetivo fazer o leitor compreender o movimento como um todo.
O primeiro capítulo apresenta um estudo sobre a história da historiografia, pois segundo Burke, “é necessário conhecer alguma coisa do antigo regime que desejavam derrubar” (p.11), para entender o surgimento dos Annales é necessário compreender como se fazia a história antes. Para isso, o historiador fala sobre a época de Heródoto e Tucídides, que a forma dominante era a narrativa dos acontecimentos políticos e militares, em meados do século XVIII, alguns historiadores começaram a se preocupar com a “história da sociedade”, por fim chega à época de Ranke, com a volta da história política. Com o tempo, vieram opositores à história política, como os historiadores econômicos e a sociologia.
No capítulo 2, Burke apresenta os dois líderes da primeira geração dos Annales: Lucien Febvre e Marc Bloch. Primeiramente o autor descreve a carreira de Febvre e como este foi influenciado por outras disciplinas, tais como, geografia, antropologia, filosofia. Depois Burke parte para a carreira de Bloch e sobre como este foi influenciado pelo sociólogo Durkheim. Bloch e Febvre se encontraram em Estrasburgo, e eram cercados por um grupo interdisciplinar, o que foi importante para o surgimento do movimento dos Annales. Peter Burke cita o livro “Les Rois Thaumaturges” de Marc, que ele considera uma das grandes obras do século, e pioneira da “história das mentalidades”. Lucien por outro lado, trabalha na chamada “psicologia histórica”. Marc Bloch foi quem tomou a iniciativa de combinar a nova história com a biografia, ele e Febvre viraram editores da “Annales d’histoire économique et sociale”. Em 1930 a revista declarava a intenção de se voltar para a história social. O autor retoma o assunto da carreira e das obras de Bloch, seu estudo sobre a história rural francesa e seu método de ler a história ao inverso.
Nos anos 30, o grupo dispersou-se o que, segundo Burke, evidencia o sucesso do movimento dos Annales. Aos poucos o grupo foi se tornando centro de uma escola histórica com pesquisas interdisciplinares, uma história voltada para problemas, história das sensibilidades etc.
Ao participar da Segunda Guerra Mundial, Bloch consegue colocar no papel suas reflexões e inicia a escrita de um livro importante sobre o trabalho do historiador. Enquanto isso, Febvre continua editando a revista e elabora seus estudos tendo por centro problemas. Nesse momento Peter fala sobre o trabalho de Febvre e algumas criticas feitas ao seu trabalho. No pós-guerra, Lucian tem uma conquista importante: A criação da VI Seção da École Pratique des Hautes Études, onde a “sua” história pode desenvolver-se.
O interessante desse segundo capítulo é que o autor explora a carreia de Bloch e Febvre separadamente, o que nos dá a ideia mais ampla da origem dos Annales.
O terceiro capítulo inicia falando sobre Braudel, que foi convidado a trabalhar no Brasil e na volta de sua viagem conheceu Febvre.
A tese de Braudel “O Mediterrâneo” se mostra importante em várias questões, tem a preocupação em situar indivíduos e eventos em um contexto, e o objetivo é demonstrar que todas as características geográficas têm sua história. A tese é baseada em diferentes tradições, uma delas a dos Annales. Burke cita algumas criticas ao trabalho de Braudel e faz ele próprio algumas, dentre elas: o livro não propõe um problema, a organização triparte e o determinismo braudeliano. Porém até mesmo os críticos consideram a tese como uma obra prima, principalmente por contribuir para transformar as noções de tempo e espaço e chamar a atenção para a história global. Braudel não gostava de fronteiras e tinha uma grande tendência para a interdisciplinaridade. Depois da morte de Febvre, vira diretor dos Annales e recruta novos historiadores, tem uma preocupação em promover o “mercado comum” e difundir o estilo francês. Braudel parte para um novo projeto preocupado com a história da cultura material, com uma estrutura parecida com a do livro anterior, e com o objetivo de inserir o cotidiano no domínio da história. O autor novamente cita algumas criticas a esse novo projeto: a má vontade de reconhecer a autonomia das culturas e pouco tem a dizer sobre os valores capitalistas. Peter destaca a todo instante a preocupação de Braudel com a história total.
Segundo Peter Burke uma das tendências mais importantes dos Annales na época de Braudel foi a história quantitativa e a demográfica.
Ernest Labrousse, foi outro pensador importante para o movimento, pois este trouxe o marxismo e os métodos estatísticos. Chaunu, outro nome de peso, publicou uma tese volumosa que lançou os termos estrutura e conjuntura. O mais brilhante dos discípulos de Braudel, segundo Burke, é Le Roy Ladurie que escreve uma tese onde se aventura pela história total em mais de duzentos anos. O autor faz uma breve descrição do trabalho de Le Roy e aponta que ele quebra com algumas tradições.
No quarto capítulo, Burke inicia mostrando algumas situações para o surgimento da terceira geração. Aponta a dificuldade de traçar o perfil desta, pois não teve um líder, ocorreu uma divergência de pensamentos, os participantes do grupo escolheram caminhos diferentes a seguir. A terceira geração é a primeira a incluir mulheres e está mais aberta para ideias vindas do exterior. Nessa nova fase passou-se a se preocupar e se voltar para a “superestrutura” cultural, mostrando uma reação contra Braudel e uma reação contra qualquer tipo de determinismo. Passou-se a estudar relações entre natureza e cultura, a morte, infância e família. A história quantitativa teve grande importância em todos esses temas, mas contribuiu também, para o estudo da alfabetização e da história social do livro. No final da década de 70, algumas críticas começaram a ser feitas contra a abordagem quantitativa, contra o domínio da história estrutural e social. Talvez a mais conhecida crítica tenha sido a suposta negligência em relação à política, o autor parte para a defesa dos Annales destacando alguns casos onde a história política foi trabalhada. Os novos historiadores dos Annales eram atraídos pela antropologia simbólica e foram muito influenciados por Foucault, no que se refere a “história cultural da sociedade”. Além de retomarem a sério a história política, a biografia histórica e a narrativa. A terceira geração conseguiu ser popular na França em sua época, o que é um grande mérito.
Burke fala mais detalhadamente a respeito das carreiras e obras dos autores, o que torna o livro interessante, pois não fica apenas nos conceitos e ideias do movimento. Um problema é que o autor vai passando de um pensador a outro de forma muito rápida o que pode deixar o leitor confuso.
O quinto capítulo “Os Annales numa perspectiva global”, em minha opinião um dos mais interessantes, examina o movimento além-fronteiras, não só geográficas, mas também da própria ciência histórica. Na época de Braudel a revista e o movimento tornaram-se conhecidos em toda a Europa, o autor destaca dois lugares, onde foi bem recebido, a Polônia e a Itália, porém em alguns países como a Alemanha e a Inglaterra, os Annales não foram bem recebidos. As ideias e pensamentos do movimento foram utilizados por outras disciplinas, tais como: geografia, sociologia e antropologia.
No último subtítulo, Burke traz uma questão: “Qual originalidade e qual o valor de sua nova história?” (p.85), faz então uma retomada, um breve resumo do movimento e chega à conclusão que não foi totalmente inovador, porém em suas contribuições foi mais longe que qualquer outro grupo. O autor faz uma ressalva de que a contribuição foi profunda, porém bastante desigual, pois a maior parte da atenção foi voltada para a França e para o início da Idade Moderna. Na opinião de Peter Burke a maior contribuição do movimento foi expandir o campo da história por diversas áreas, para ele, “A historiografia jamais será a mesma” (p.89).
O interessante do livro é que além de falar sobre a Escola dos Annales, o autor se preocupa em descrever como suas ideias repercutiram no mundo, com outros pensadores e disciplinas.
A divisão em capítulos e subcapítulos é bem vinda e torna a leitura mais fluente, o glossário que traz explicações de conceitos utilizados pelo movimento, é uma preocupação importante do autor, pois ajuda na completa compreensão do livro. Com uma escrita fácil, Burke consegue passar toda a grandeza dos Annales, conseguindo chegar a seu objetivo, que era fazer o leitor compreender o movimento como um todo. Podemos tirar a conclusão que esta escola revolucionou o modo de fazer história.