spoiler visualizarKel 22/07/2023
Triste
Conheci a história dos 3 de West Memphis através do maravilhoso livro “O Segredo dos Corpos” (Darkside, 2017), que analisa autópsias de casos notórios como esse. Esse próprio livro diz que a mutilação encontrada em um dos meninos poderia corresponder à mordida de animais, possivelmente até mesmo de tartarugas, ou seja, corrobora com o indício de inocência dos três apontados como culpados.
A primeira vez que vi Damien Echols reparei muito em seus olhos, donos de uma tristeza profunda. Condenado aos 18 anos juntamente com Jason Baldwin e Jessie Misskelley pela morte de 3 meninos em West Memphis, Arkansas, ele passou quase 20 anos no corredor da morte.
Ao me deparar com a carinha do três meninos mortos aos 8 anos (Stevie Branch, Christopher Byers e Michael Moore) a sensação foi de cortar o coração, e como geralmente quem é condenado é culpado, comecei esse livro meio incrédula sobre a inocência de Damien, apesar de já no filme “Sem Evidências” estrelado por Reese Witherspoon e Colin Firth não ter ficado totalmente convencida da culpabilidade do trio de adolescentes, afinal não havia motivação. E não houve mesmo.
Damien Echols nos entrega um livro cheio de emoção e das mais puras verdades sobre resiliência e resistência. Imagine perder a juventude por algo não cometido, apenas tido como “achismo” a polícia local precisava de alguém pra culpar, precisava entregar às famílias um desfecho “justo” pelas vidas ceifadas.
Sem capacidade, competência e provas reais eles simplesmente resolveram que devido à um estilo de vida pobre e modo peculiar de se vestir garantia a Damien o papel de líder de seita satânica, e como o crime não poderia ter sido feito por apenas um carrasco, arrastaram Jason e Jessie com ele apenas pelo elo de amizade. Já foi provado que horas a fio de interrogatório torturatório podem levar a uma confissão falsa, e foi o que aconteceu com Jessie, já diagnosticado com o intelecto de uma criança mesmo aos 17 anos. É até uma passagem interessante Damien dizer não sentir raiva da confissão mentirosa de Jessie, levando em conta seu estado mental e seu estado de espírito nessa verdadeira “puxada de tapete” aferida pelos policiais.
Damien dá umas “viajadas” ao longo do livro, tem muita reflexão, tem umas histórias de infância irrelevantes e mesmo que ele tenha me convencido de sua inocência, tem algumas passagens que ele conta de inconsequência adolescente que querendo ou não, contribuíram para que ele fosse um alvo de suspeita. A ex namorada que tinha um gosto pelo satanismo e o fato de Damien ser obcecado por ela sem ao menos se preocupar que ela já não era boa coisa, o fato de se vestir com um sobretudo preto, em uma cidade minúscula e religiosa e como ele mesmo cita, um lugar onde a mentalidade é pequena e as pessoas não têm empatia umas com as outras, pelo contrário ao menor sinal de prosperidade, essa sociedade vira as costas a quem está em ascensão. Credo, q lugar horrível, nunca imaginei que fosse hábito de uma cidade inteira pensar pequeno e refletir sua inveja e inferioridade no próximo, ainda mais em um país rico.
Outros fatores como estar em constante rebeldia, o fato de não respeitar a vontade imposta pelos pais dessa ex namorada de se afastar dela e ainda fugir com a moça, esses atos irresponsáveis tiveram graves consequências. A essa altura ele já havia sido internado em um hospital psiquiátrico e diagnosticado com depressão, então perante a polícia, seu estado mental já era considerado alterado.
Injusto e preconceituoso o julgamento policial perante isso, mas por outro lado se ele fosse um jovem de boa aparência, boas notas, empregado e responsável, já mudaria muito o rumo das coisas.
Sua infância foi muito difícil, pobreza, abandono mesmo com a mãe e avó presentes, mas ele não tinha ninguém por ele, alguém que se preocupasse com seu bem estar e com o fato de trazê-lo para coisas positivas, então ele seguia a linha adolescnete com hábitos negativos e obsessivos.
Ao mesmo tempo, em algumas linhas ele faz considerações incrivelmente carentes e infantis dignas de pena. Um fato bonito é ele ter buscado Deus e a religião por si mesmo nessa época adolescente dentro da igreja católica
.
Há uma passagem em que ele é adotado pelo novo namorado da mãe, o que lhe garantiu o desafortunado sobrenome Echols, uma vez que seu pai não conseguia pagar pensão alimentícia, achei super indigno esse pai, submeter o filho a perder seu próprio sobrenome, a sensação de não pertencer mesmo, abriu mão de forma total, achei chocante a falta de amor e de responsabilidade por um filho. Achei indigno para Damien que o pai tenha aberto mão dele pelo sobrenome e por ele como pessoa. O padrasto, pra variar, era um lixo de pessoa e só trouxe sofrimento ao garoto.
O ruim do livro é que só foca nele, em seus terríveis anos na prisão, gostaria de ter sido apresentada a mais detalhes sobre o caso, a não apresentação de provas, a prova que incriminaria o padrasto de uma das vítimas mas que nunca foi investigada a fundo, nada disso aparece, então depois de mais de 100 páginas de uma vida sofrida, o livro fica um tanto engessado. Ok, é válido a visão de um detento no corredor da morte, mas tb só tristeza, injustiça e crueldade, aliada à condições mínimas de higiene, calor, frio e saúde mental, torna-se cansativo.
É interessante ver que ele mesmo prezou cultivar sua saúde mental através da meditação. Não comprei muito a história de 5 horas de meditação diária, mas quis acreditar que ele teve momentos em que conseguia refugiar-se em sua mente e estar em outro lugar, resiliência, força, e mesmo tendo abandonado o cristianismo, ele encontrou na religião oriental seu refúgio, seus guias e sua força, é muito válido e admirável, ainda mais pra alguém que estava preso injustamente, sem luz no fim do túnel e no corredor da morte vendo inclusive seus colegas tendo suas sentenças executadas. Aqui abro um parêntese em que ele cita doentes mentais sendo executados e cita um que pediu torta como refeição final, comeu metade e disse que iria deixar a outra metade para depois da execução. De cortar o coração saber que alguém que nem tinha entendimento da realidade foi executado. O mundo lá fora é bem pior do que a gente pensa.
É aterrorizante pensar no que ele passou em termos de violência física, psicológica principalmente quando anunciavam as próximas execuções e ele sabia que a sua estaria marcada também.
Uma coisa boa que a notoriedade do caso trouxe foi sua esposa Lorri, mulher de fibra, casar com um detento no corredor da morte acreditando em sua inocência e em sua libertação é para poucas, eu mesma não teria essa coragem. Artistas como Eddie Vedder e meu amado Johnny Depp também ajudaram Damien com dinheiro e influência para que o caso fosse novamente analisado como possível libertação e deu muito certo.
Com a lei do DNA, quase 20 depois a tão sonhada liberdade veio e foi gratificante saber que Eddie inclusive deu uma festa de “boa liberdade” para Damien Jason e Jessie, mais do que merecido.
Damien ainda tem a tristeza estampada em seus olhos, mas agora que a esperança lhe foi devolvida, a foto final onde ele encontra a neve, a vê e a sente, sendo que vários vezes no livro ele cita seu amor pelo inverno é como um lufada de ar fresco para alguém que sofreu tanto sendo inocente.
A história é única e mesmo com suas reviravoltas não deveria ter acontecido, para nenhum dos seis. Seis vítimas. Três em morte, três em vida. Fico feliz que mesmo após quase 20 anos, Damien, Jason e Jessie tiveram a sua segunda chance de viver plenamente.