z..... 25/07/2017
Histórias de Tia Nastacia - 1937 (Edição da Brasiliense publicada em 2005)
Histórias folclóricas em que Lobato procura mostrar, ou entender, as origens e caracterizações comuns. A percepção se dá de maneira informal, na real e na prática, como uma aula brincando.
Tia Nastácia é instigada pela curiosidade das crianças em relação ao folclore e desfila seu repertório de histórias, seguindo-se observações da turminha sobre pontos inusitados, fatores que teriam influenciado ou a simples referência se gostaram ou não. Tudo em um clima de descobertas e zoação. Destaques para Dona Benta, em uma participação tipo orientadora pedagógica, e para a Emília em sua habitual espontaneidade, ora inusitadamente coerente, ora maluca, mas sempre carismática. Senti falta do Visconde. Estranho que ele não apareça e justamente em momentos ideais para se destacar...
Sobre as histórias, há aquelas que são surreais, parecendo uma mistureba de informações malucas, oníricas e aparentemente sem lógica, encontradas entre as primeiras no livro. E outras que são curtas e mais atrativas, encerrando gracejos da sabedoria popular ou uma lição.
Nas observações da turminha vemos referências à ingenuidade interpretativa do saber popular, interferências na narrativa original através da transmissão oral ao longo do tempo, reprodução de um saber que se impõe em ciclo desencadeante de várias histórias para mesmo tema, reprodução de um fator real de maneira inconsciente, adaptação de saberes externos ou apenas brincadeira. Esse fatores se intercalam nas discussões em justificativa para as histórias. Destes, o que chamou mais minha atenção foi a reprodução do inconsciente. Lobato pegou histórias que parecem muito antigas (talvez desaparecidas da oralidade e conhecidas apenas em livros) e as apresenta causando percepção que descamba para a extravagância sem sentido na atualidade. Reproduziam algo importante em sua época. Aquilo do inconsciente se vê, por exemplo, na opressão representada por gigantes ou madrastas, e o desejo de libertação difícil muitas vezes toma a forma de algo mágico. Sonho fácil de resolver...
Ainda sobre as histórias, tem algumas que remontam à minha infância, quando conheci "O pulo do gato", "O cágado na festa do céu" e "João e Maria" (embora com alterações sutis ou drásticas). Curti estas e outras que para mim foram inéditas, como "O macaco e o coelho", "O macaco, a onça e o veado" e "A formiga e a neve". Esta última foi a que mais gostei, tendo desenrolar parecido àquela história cantada de "A velha debaixo da cama" (para finos conhecedores). Entre as surreais e escalafobéticas do início me chamou atenção "O homem pequeno", por ter coisas metafóricas ao D. João, que dá também as caras como personagem.
Achei interessante a dinâmica do livro, mas por outro lado, em que espero ser preciso na colocação, são narrativas que não expressam a verdadeira identidade nacional enquanto histórias folclóricas. O que vem na mente quando falamos de cultura popular? Aí o Lobato me vem com histórias oriundas de livros estrangeiros ou no mínimo adaptadas. Não é a genuína mitologia do pais... Obviamente, tem um contexto aí, pois Lobato foi um dos pioneiros em valoriza-las e possivelmente pautou seu posicionamento no que havia de circulante em termos literários. Ele cita um pesquisador popular e seu livro, subtendendo que talvez tenha buscado inspirações nessa fonte. Em outras palavras, cadê o Boto, cadê os mitos indígenas, cadê o Boitatá, cadê a Cobra Grande (ei! me respeita o cabra que pensar bobagem), cadê a Matinta, o Curupira, o Negrinho do Pastoreio? Bem verdade que dão as caras em outro livro, mas é super estranho não se fazerem presentes nas narrativas da Tia Nastácia, representante maior da cultura popular no Sítio.
Não curti algumas coisas. Lobato não deu o destaque merecido à Tia Nastácia. As histórias são contadas subtendendo-se que ela está contando, vemos poucos diálogos em interação dela com a turminha e no final o protagonismo é repassado para Dona Benta, que conta histórias declaradamente estrangeiras, desaparecendo sumariamente a Tia Nastácia de qualquer referência. Ô. Lobato... Pisou na bola e não gostei dessa valorização ou falta dela.
Outra coisa, tenho a coleção em edições antigas da Brasiliense e que raios de capa mais infeliz essa! Qual é, sumano! Cadê a Tia Nastácia? Não acredito que preferiram a imagem de um dos contos, e dos mais chatos - "Manuel da Bengala"! Nessa coleção antiga da Brasiliense a Tia só aparece de relance na capa de um dos 24 títulos... Pisada na bola nesse desprestígio onde ela deveria ser o centro das atenções. Tem uma ilustração muito bonita dela no miolo que deveria ser a capa.
O que não gostei mesmo, principalmente, foi a história do tal bom diabo. Aqui Lobato transparece seu ateísmo e transforma as personagens do Sítio nisso também, com comentários que menosprezam, ainda que não seja a intenção, o conhecimento sobre Deus. Em meio a essa situação, achei tocante e singelo o capítulo encerrando com a solitária e desprezada fé em Tia Nastácia. Tem algo ali de sensível que se destaca.
E finalizando, tinha a impressão que era o livro que mais questionavam naquela questão em torno do racismo. Não é. Existe uma ou outra colocação da Emília, mas na conta de sua ignorância.
Ah, é isso o que vi. O livro certamente tem outras revelações, mas de minha parte, fuuuuuui!