spoiler visualizarMary 15/01/2024
O Leilão do Lote 49 (Thomas Pynchon)
Demorei mais do que eu esperava, talvez por ser uma leitura mais densa. Inicialmente (no primeiro capítulo), pensei que a leitura não fluiria, por conta do vocabulário mais bem-desenvolvido, mas como eu estava enganada! A leitura é, sim, muito fluida, apesar de um pouco intimidadora.
Uma das coisas que mais me fascina no livro é a excentricidade das situações. São, sim, situações possíveis, mas muito improváveis, as chances de acontecerem são ínfimas (o acidente do spray durante o striptease Botticelli, por exemplo).
Ao mesmo tempo que o livro é basicamente uma profusão de informações soltas, é também uma trama que interliga todas elas de alguma forma (união de coincidências), no caso, por meio de Pierce Inverarity. Entretanto, essa é uma ligação cifrada, encoberta, sendo que quem realmente juntou as peças foi a Édipa, em sua incessante paranoia, acompanhada de infindáveis especulações. Ela não deixa de se questionar nem por um instante. Assim como todos os outros personagens, ela está sempre em constante mudança (no final do livro, sua curiosidade aguçada e seu entusiasmo pelo mistério haviam desaparecido por completo, fazendo-a apenas aceitar a realidade com apatia; tudo aquilo, todo aquele processo a consumira).
A paranoia da protagonista é tão grande que ela tem medo de quando chegar à "grande verdade", deixá-la escapar, de forma que ela simplesmente desapareça e só reste os indícios que a levaram até ela. Édipa estava sempre com a sensação de que algo iria se revelar para ela, magicamente. E enquanto mergulhava em um mar de conspirações e correlações, todos ao seu redor mudaram ou se foram. Estes sendo personagens simplesmente únicos (o Mucho, super sensível; o Dr. Hilarius com suas caretas e seu LSD; o Fallopian com sua sociedade extremista; Metzger como ex-menino pródigo do cinema etc).
Com a paranoia de Édipa, surgem os seguintes questionamentos: teria sido acaso ou manipulação? O que o Pierce tinha a ver com o Tristero? Este, se encontra enraizado em cada canto do legado de Pierce. E como o legado de Pierce é San Narciso e San Narciso não tem fronteiras, então estaria o Tristero ramificado por todos os Estados Unidos? Ou então por todo o mundo? Tudo parece levar ao grande empresário Pierce Inverarity.
Estava tudo ali desde sempre ou era tudo uma armação post mortem? Ou então teria sido apenas uma alucinação? Estaria enlouquecendo (não é pra menos, até o seu próprio analista perdera a razão)?
No final, o Tristero se torna um sinônimo de significado, o que é o que Édipa busca o livro inteiro e a paranoia é a ferramenta que ela usa para tentar obtê-lo ("Outro significado por trás do óbvio ou nenhum significado"). E em meio a essa busca, ela se perde, se encontra sozinha.
Um aspecto muito interessante é que não é pra entender tudo do livro, todas as divagações e metáforas, há informações que o autor intencionalmente quer que você deixe escapar (pelo menos foi dessa forma que eu interpretei). E, mesmo assim, isso não não afeta o entendimento da narrativa.
Não há, realmente, um grande plot na história, mas achei a ideia de haver uma fraude postal de oitocentos anos genial. Uma organização que falsificou (de forma hilária) selos de inúmeras épocas, estes colecionados por Pierce (enfim, o Leilão do Lote 49).
Glorificando o autor, achei simplesmente genial a forma com que ele atenua a linha entre a realidade a ficção. Quem diria que "A tragédia do mensageiro" é uma peça inventada e que a ideia do Demônio de Marxwell existe (talvez seja mera ignorância científica da minha parte)? Sendo esse último real, como haveríamos de saber que a invenção de John Nefastis também não é? Pynchon desenvolve, graciosamente, uma trajetória histórica para o Sistema Tristero (que tanto atormenta Édipa), passando pelo Vaticano, pela Guerra dos Trinta Anos e envolvendo, até mesmo, a família Thurn und Taxis.
Obs: Adorei a simbologia por trás da trompa com o silenciador (M.O.I.T.A) que, aliás, é usada por várias sociedades e pessoas por diferentes razões.
A resenha ficou enorme, mas não tem como falar pouco desse livro.