Patcha 18/03/2024
O MELHOR livro nacional, me convença do contrário
Se eu visse o nome ou a capa desse livro numa livraria, provavelmente pensaria ser uma fantasia genérica aos moldes de Senhor dos Anéis. Mas eu já tinha lido excelentes obras do autor, e sabia que sua escrita era única o bastante para quebrar qualquer julgamento que a capa pudesse proporcionar. Também sabia que uma cena em específico desse livro fez o andar inteiro da Jambô passar mal. Dito isso, você já sabe o que esperar, não é mesmo?
Agora imagine comigo: e se os elfos, aquelas criaturas ?perfeitas e imortais, que nos enxergam como moscas?, não forem tão bonzinhos assim? E se estiverem mais próximos dos deuses lovecraftianos do que de guerreiros e artistas pomposos e idealizados? E se esses elfos lovecraftianos quisessem escravizar a Terra? E se tudo ao nosso redor fosse, de alguma forma, inspirado por eles, numa busca por servos fiéis, que os ajudassem a vir para a Terra?
É nesse clima que o livro começa. Vemos cultistas, organizações secretas e uma enorme teoria da conspiração, que conecta praticamente toda lenda urbana brasileira. Dos discos da Xuxa ao bebê diabo do ABC, de abduções a rituais de serial killers, tudo está de alguma forma conectado. Se quer descobrir como, terá que ler o livro. Pois o autor consegue não só encher a trama de elementos que já estamos acostumados a ouvir falar, como os costura magistralmente, criando um universo único.
Os personagens são muito bem construídos, com protagonistas nada idealizados. Você os vê tomarem atitudes mesquinhas ao longo de toda a trama, enquanto discutem temas poderosos como destino e escolhas de vida. Não posso prometer que irá se apaixonar por eles, como numa fantasia qualquer. Mas posso te garantir que todos serão muito reais.
E falando em coisas reais, precisamos falar sobre a cidade em que a história se passa: Santo Ossário. É uma cidade fictícia no interior do Brasil. Mas sua história é tão bem construída, desde a fundação da cidade até o presente do livro, que é impossível não acreditar que as ruas cobertas de hortênsias não podem ser visitadas por um viajante.
Não dá para classificar esse livro como um gênero só. Ele tem fantasia, tem drama, tem comédia, tem ação e tem terror. Tudo na medida certa para conduzir um clima realista e conciso. E quando digo ?realista?, não me refiro aos acontecimentos em si, pois alguns beiram o surrealismo. Mas você acredita em todos eles, pois todo o resto é real demais para ser mentira.
A mitologia pode soar bagunçada no início, principalmente por serem elementos muito diferentes. Quer dizer, você verá de monges dobradores de ar lutando contra zumbis à canibais caçando caipiras. E isso não é nem um décimo dos elementos diferentes dessa história. A questão é que, aos poucos, tudo vai fazendo sentido, tomando seu devido lugar nesse universo. Facilmente poderia ser uma saga de cinco ou seis livros, nas mãos de um escritor menos competente. Mas o Leonel te entrega só o suficiente, pois ele sabe que você sabe. E se não sabe, assim como nossos protagonistas, pode seguir o fluxo do mundo e deixar que algo te leve até onde precisa estar.
Ah, e sobre a famigerada cena que fez a editora passar mal? Infelizmente (ou felizmente) ela foi removida do livro. Mas o autor te deixa algo muito pior: a possibilidade de imaginar o que acontecia ali.