Andre.Pithon 12/12/2022
4.5
Catch-22 foi um dos livros mais difíceis de mergulhar que eu li em muito tempo. Com uma narrativa construída firmemente abraçada no humor, um elenco de personagens gigantesco, capítulos que saltam de lugar para lugar e de momento para momento, é uma narrativa densa, complicada, de vocabulário difícil, que me obrigou a diminuir bastante meu ritmo de leitura. E é uma das melhores coisas que eu li nesse ano.
Acho que nunca ri tanto em um livro. Acho humor difícil de funcionar realmente bem em literatura, são poucos os momentos que conseguem ser honestamente hilários, mas Catch-22 consegue de capítulo em capítulo. Narrando a vida de soldados americanos na Itália durante a segunda guerra mundial, coloca-se em destaque a loucura da guerra, as contradições e absurdos de dezenas de tipos humanos, a burocracia incompreensível e estúpida de quando o várias vontades se cruzam e se destroem. É um livro que te faz rir, e depois te faz se questionar se você deveria estar mesmo rindo sobre aquela situação.
A trama é caótica, separada em um emaranhado de histórias e personagens, que eventualmente vai se estreitando, com Yossariam assumindo o papel de protagonista, mas passando por dezenas de personagens que passam do extremamente cartunesco para o dolorosamente humano. Mas a narrativa em si não realmente tem grandes momentos ou uma desfecho emocional poderoso, se construindo mais das pequenas tramas pessoais que do contexto geral, o que deixa faltando alguma coisa na conclusão final.
É um livro difícil de descrever, e que eu até tentei replicar o estilo nas últimas coisas que eu escrevi, como um experimento criativo, pois Heller escreve de uma maneira única. Não costumo fazer isso, mas acho que é importante deixar a obra falar no meu lugar, e largar uns trechos que fui salvando no decorrer da obra, bem característico do tom perfurante desse clássico americano.
"Yossarian was in love with the maid in the lime-colored panties because she seemed to be the only woman left he could make love to without falling in love with. " Pg.91
" With a devotion to purpose above and beyond the line of duty, he had then raised the price of food in his mess halls so high that all officers and enlisted men had to turn over all their pay to him in order to eat. Their alternative—there was an alternative, of course, since Milo detested coercion and was a vocal champion of freedom of choice—was to starve. " Pg. 251
" He was a very serious, very earnest and very conscientious dope. It was impossible to go to a movie with him without getting involved afterwards in a discussion on empathy, Aristotle, universals, messages and the obligations of the cinema as an art form in a materialistic society. Girls he took to the theater had to wait until the first intermission to find out from him whether or not they were seeing a good or a bad play, and then found out at once. He was a militant idealist who crusaded against racial bigotry by growing faint in its presence. He knew everything about literature except how to enjoy it. " Pg. 45
Catch-22 não foi fácil, e me levou umas boas duas semanas para realmente terminar, mesmo tendo pouco mais de 300 páginas. Provavelmente um dos últimos livros desse ano, foi um amarrar extremamente fascinante, e um candidato fortíssimo para entrar na minha lista de melhores de 2022 (em breve aparece).
Presque Vu define esse livro, e obrigado Heller por introduzir mais um desses no meu vocabulário e me tornar ainda mais insuportável. A fronteira da epifania, o acreditar que algo magnífico e inovador está prestes a acontecer, antes das peças voltarem a se encaixarem corretamente (ou talvez incorretamente) na realidade. Rir da guerra, rir da humanidade, rir da loucura e do absurdo, sentir que está prestes a apreender alguma verdade dos fios emaranhados de nada, e então, nada. O Presque Vu se passa. O Ardil é eterno.