Vitor.Romito 29/08/2023
Muito bom
O universo de Warcraft é um dos que mais me fascina, junto ao de Star Wars. Coloco-o atrás apenas da Terra-média. Tal gosto deve-se ao aspecto multifacetado do mundo, em que cada lado da história tem os seus próprios dramas, dilemas, proezas, virtudes e defeitos. Ademais, este universo, cuja origem remete ao game da década de 90, foi expandido para muitas outras mídias, como o livro que acabei de ler. Sou jogador e conhecedor da lore do game. Mas as perguntas que tem são: precisa jogar o jogo para entender e apreciar o livro? O livro responde por si como uma história fechada? É um bom livro? As respostas são: não, sim e sim. E tentarei respondê-las melhor.
Para começar, a história segue após as aventuras no continente de Nortúndira e a queda do Lich-Rei. Algo acontece com os elementos de Azeroth que chamam a atenção dos xamãs, principalmente, Thrall, chefe guerreiro da Horda. Este, para estudar e entender o que se passa no mundo, deixa o posto para Garrosh Grito Infernal, filho de Grom, um excelente guerreiro e estrategista de guerra, contudo impetuoso, impulsivo e arrogante. O posto deixado para Garrosh desagrada Caerne Casco Sangrento, chefe do povo Tauren e grande amigo e conselheiro de Thrall. Na outra moeda temos a relação do príncipe de Ventobravo, Anduin, com os Anões, que, pelo desejo do pai, Varian, passa uma temporada em Altaforja, a fim de aprender o “jeito anão de viver”. A partir destes três núcleos, junto das sempre presentes tensões entre a Horda e a Aliança, ocorre o desenvolvimento da história, que serve como prelúdio da expansão “Cataclisma”.
Pela sinopse parece que, caso alguém pegue para ler, não entenderá nada. Não é bem assim. Claro que por conhecer a lore ficou muito mais fácil para mim. Mesmo que tenha seu público alvo, há pontos muito positivos na escrita da Christie Golden que não deixa o leitor em uma tempestade no oceano. Ela pontua o que ocorrera no passado para chegarmos a este momento. Exemplo é o início do livro, em que uma esquadra a Horda, liderada pelo chefe dos Taurens, vai a Nortúndria para trazer o restante do exército que marchou contra o Lich-Rei. Ou a passagem de Anduin com o seu pai e a interação do príncipe com a Grã-Senhora Jaina Proudmore. A autora procura manter (e consegue) o leitor nos trilhos.
O grande ponto deste livro, e o contrário do outro que lera (Thrall – Crepúsculo dos Aspectos), são as personagens. São, em sua grande maioria, muito bem trabalhadas, com destaques aqui para o Anduin, Caerne e Thrall. A jornada deles é muito marcante e bem escrita. Outros, com um tempo um pouco menor nas páginas, são igualmente cativantes. Baine tem um processo de ascensão dramático e intenso; Jaina mostra a sabedoria de uma grande líder; Magni é muito carismático; Agra tem sua força e carisma e ofereço um bom contraponto a Thrall; e Garrosh demonstra, em alguns pequenos momentos, uma surpreendente dualidade entre impulsividade e temperança. Até mesmo aqueles que pouco aparecem, como a Moira e a Magatha, tem suas motivações bem claras.
Além das personagens, as culturas dos povos é outro ponto forte. A forma como a Goldie descreve cada raça, com suas crenças e costumes é algo palpável. Dá para sentir a mistura de emoções as quais eles sofrem, seja nos fatídicos desastres elementais, seja nas disputas que ocorrem nas raças, devido a clãs distintos. E é isso que mais me fascina neste mundo. Não há uma dicotomia clara entre bem e o mal. Há pontos de vista diferentes devido a cultura de cada raça. Isso fica muito claro no livro, principalmente nos núcleos dos Taurens e dos Anões. Ponto para a autora, que passa esse tom cinza das duas facções. Também não posso deixar de escrever sobre a tradução, que colocou um pouco de gauchês nos Anões. Ficou tão bom que imaginava o Magni falando com uma cuia de chimarrão na mão.
Porém nem tudo são flores. Como escrevi, o livro tem um público alvo. Seja para o gamer, seja para o fã de fantasia, é para um público mais jovem. Assim, embora muito fluida e ágil, o estilo de escrita é um tanto repetitiva, até mesmo para fatos que ocorrem no próprio livro, o que poderá gerar certo incômodo.
Outro ponto é o desenvolvimento de um personagem Tauren, cuja motivação, apesar de clara e fundamental para a solução, foi meio jogada na trama, quase que como um mecanismo de roteiro para chegar onde deveria chegar. Em contrapartida, um personagem junto ao arco dos Anões tem a solução já pautada no desenrolar da história, da qual sabemos que existe, mas seu adversário não.
Agora, mais como fã do universo do que um problema do livro em si, senti falta dos Elfos Noturnos e muito mais dos Trolls. Quanto ao primeiro, até entendo, já que o arco da Aliança ocorre principalmente em outro continente. Agora para os Trolls não tem o porquê deste sumiço grande. Ao menos poderia ter uma intervenção do Vol’Jin durante as diferenças entre os chefes Tauren e Orc, ou mesmo no desenrolar do arco Tauren, nem que seja “meu povo está ainda fraco para conseguir peitar esses problemas aí”. Afinal, o cara nesta época estava na capital da Horda.
Finalmente, o desfecho do livro é bem redondo para a proposta que seguia. Mesmo sendo arcos fechados e já descritos em outras mídias, a maneira como a autora conduz é muito eficiente, seja na questão da ação em si, seja na curva dramática.
Assim, é um livro muito bom. Tem arcos claros, bem definidos e desenvolvidos, personagens carismáticos e com motivações claras, boa curva dramática e boa ação. Tanto a jornada como o destino me deixaram satisfeitos. Depois de lê-lo, deu até vontade de criar um Tauren ou uma Anão e jogá-lo no mundo de Warcraft.