Roberto 12/08/2021
Euclides da Cunha era engenheiro de formação, além de ter se diplomado em Matemática e Ciências Físicas e Naturais. Dentre as muitas coisas que fez para sobreviver, trabalhou como repórter do jornal A Província de São Paulo, que foi renomeado como O Estado de São Paulo após a Proclamação da República, em 1889.
Foi enviado como correspondente do Estadão ao sertão da Bahia, para realizar a cobertura da Guerra de Canudos, na qual o Exército Brasileiro foi mobilizado contra vários sertanejos que, cansados do sofrimento causado pela seca, pela exploração de seu trabalho e pelo abandono a que eram relegados seja pela antiga Monarquia, seja pela nova República, congregaram-se em torno do místico cearense chamado Antônio Conselheiro. Este lhes prometia uma vida boa na Eternidade, caso passassem o resto dos seus dias na Terra em oração e penitência. Ao considerar vantajosa essa troca, os sertanejos estabeleceram-se numa fazenda abandonada, onde formaram o arraial de Belo Monte, no qual passaram a viver o ascetismo que lhes levaria aos Céus.
Dia após dia, o número dos seguidores de Antônio Conselheiro aumentava, o que contrariava os fazendeiros da região, a quem interessava a continuidade da exploração daqueles sertanejos. Canudos, como passou a ser chamada aquela comunidade por seus detratores, tornou-se autossuficiente e, dizia-se, passou a ser habitado também por homens de má índole, tese igualmente defendida por Euclides da Cunha. Aliado a isso, um conflito armado motivado pela recusa de um comerciante em entregar a madeira que a comunidade havia comprado para a construção de uma nova igreja serviu como estopim para a investida do Estado Brasileiro contra os sertanejos, já que estes passaram a ser pintados pela imprensa local e nacional como monarquistas, o que justificou uma série de expedições do Exército contra o arraial. A maior parte dessas expedições, aliás, ou foi derrotada pelos sertanejos ou venceu sem glória, o que levou o próprio Ministro da Guerra do governo Prudente de Moraes a liderar o último ataque contra Canudos.
O autor, que inicialmente coadunava a visão propagada pelo Estado sobre aqueles pobres desvalidos, foi chocado pela realidade deles, que presenciou ao chegar no sertão, e pela truculência com a qual o Exército buscou combater um problema que era mais social do que militar. Escreveu, então, Os Sertões com dois objetivos: primeiramente, explicar porque os sertanejos aderiram ao ascetismo proposto por Conselheiro; em segundo lugar, denunciar a ação do Estado e do Exército contra parte do nosso povo cuja dura vida no semiárido nordestino levou ao delírio místico e à revolta.
Fruto do seu tempo, Euclides da Cunha era adepto dos determinismos geográfico e biológico, tão em voga entre o fim do século XIX e o início do século XX. As chaves que utiliza para explicar o movimento de Canudos são, por um lado, as características geológicas e climáticas do Norte e do Nordeste brasileiros, que tornam aquelas regiões inóspitas e, por outro lado, a degeneração racial da população dessas regiões, majoritariamente mestiça. A geografia e a raça, então, teriam imposto aos nordestinos uma inferioridade física e mental, o que os teria levado ao desequilíbrio psíquico que o autor chama muitas vezes de nevrose. É por isso que os primeiros capítulos do livro tratam da terra e do homem do sertão. Mesmo que, em uma de suas frases mais famosas, afirme que "o sertanejo é, antes de tudo, um forte", em várias passagens do livro o autor advoga a inferioridade do nordestino, em sentenças que hoje são consideradas preconceituosas.
Essas passagens tornam a leitura do livro difícil. Alia-se a isso a erudição do autor (principalmente em geologia, topografia e horologia) e o vocabulário vernacular do período em que escreve, que tornam o texto um tanto cansativo. Ainda assim, quando Euclides da Cunha narra as campanhas militares contra Canudos, denunciando as desumanidades cometidas pelo Exército Brasileiro e relatando a brava resistência dos sertanejos, que resistiram até a queda dos últimos revoltosos, "um velho, dois homens feitos e uma criança", vemos a sua redenção e somos acometidos pelo anseio de chegar ao fim da narrativa.
Para mim, foi uma leitura bastante árdua. Não só pela complexidade do texto, mas também pelos sentimentos que me acometeram ao longo dele. Consegui vencer o livro tal como o Exército Brasileiro venceu os sertanejos de Canudos. Fica um sabor amargo na boca, tal como deve ter ficado na boca dos soldados, ao verem a procissão dos desvalidos que se entregaram ao final da campanha e perceberem contra quem tinham investido em todo aquele tempo.