matlima 15/06/2019
Extremamente atual
A obra reúne uma série de textos escritos por Vargas Llosa ao longo de mais de uma década. Há uma boa concatenação entre as ideias e a leitura é bastante prazerosa.
O livro se aproxima da tese de Debord sobre "Eros e civilização na sociedade do espetáculo", mas o esforço de Llosa está concentrado na esfera cultural.
Ele distingue cultura da educação, afirmando que aquela vem se deteriorando nos últimos tempos. Assim como T. S. Eliot, defende uma visão restritiva (qualitativa e não quantitativa) da cultura. Esta seria apenas aquilo ?que faz da vida algo digno de ser vivido?
Assevera que o fenômeno de depreciação da cultura está ligado ao monoteísmo e ao tédio pós-guerra. O que antes era feito para engrandecer e durar, hoje é feito apenas para ser vendido, destinando-se ao rápido consumo. Neste cenário, a densidade dá lugar à superficialidade.
As críticas do autor são bem construídas, mas deixam evidenciado o seu elitismo e até pedantismo.
Ele cita também a globalização, que pulveriza as tradições e culturas locais em detrimento de um modelo único: o mainstream, isto é, o denominador comum que há entre as culturas dos cinco continentes.
No aspecto político, defende a liberdade e a democracia, fazendo críticas ácidas a toda forma de totalitarismo, de um lado, e aos pós-modernistas (como Focault), de outro lado. Salienta que a democratização "teve o indesejado efeito de trivializar e mediocrizar a vida cultural, em que certa facilitação formal e superficialidade de conteúdo dos produtos culturais se justificavam em razão do propósito cívico de chegar à maioria. A quantidade em detrimento da qualidade".
De um modo geral, Llosa demonstra um posicionamento político próximo do que se convencionou chamar de direita: Liberal na economia e conservador em termos culturais. Isso fica bem evidente quando ele critica o movimento de 1968, aduzindo que se tratou de um "carnaval" incapaz de afetar o poder propriamente dito, limitando-se a descredenciar a legitimidade das autoridades e instituições. Juízes, legisladores, professores e cia, todos passaram a ser questionados e o resultado foi a queda da educação e o desrespeito às leis.
Em seguida, o livro passa a tratar da revolução audiovisual, da internet e como tudo isso repercutiu na literatura, cinema e até política.
Cuida-se de uma obra imperdível.
Citações do livro:
- O cristianismo, segundo Steiner, com seus santos, o mistério da Trindade e o culto mariano, sempre foi ?uma mistura híbrida de ideais monoteístas e práticas politeístas
- Não se deve confundir cultura com conhecimento. Cultura não é apenas a soma de diversas atividades, mas um estilo de vida
- O conhecimento tem a ver com a evolução da técnica e das ciências; a cultura é algo anterior ao conhecimento, uma propensão do espírito, uma sensibilidade e um cultivo da forma, que dá sentido e orientação aos conhecimentos.
- A aquisição obsessiva de produtos manufaturados, que mantenham ativa e crescente a fabricação de mercadorias, produz o fenômeno da "reificação" ou "coisificação" do indivíduo, entregue ao consumo sistemático de objetos (citando Debord)
- A cultura-mundo, em vez de promover o indivíduo, imbeciliza-o, privando-o de lucidez e livre-arbítrio, fazendo-o reagir à cultura dominante de maneira condicionada
- A distinção entre preço e valor se apagou, ambos agora são um só, tendo o primeiro absorvido e anulado o segundo. É bom o que tem sucesso e é vendido; mau o que fracassa e não conquista o público. O único valor é o comercial.
- Em nossos dias o consumo maciço de maconha, cocaína, ecstasy, crack, heroína etc. corresponde a um ambiente cultural que impele homens e mulheres a buscar prazeres fáceis e rápidos..
- O político de nossos dias, se quiser conservar a popularidade, será obrigado a dar atenção primordial ao gesto e à forma, que importam mais que valores, convicções e princípios.
- não existe forma mais eficaz de entreter e divertir do que alimentar as paixões baixas do comum dos mortais
- uma coisa é acreditar que todas as culturas merecem consideração, visto que em todas há contribuições positivas para a civilização humana, e outra, muito diferente, é acreditar que todas elas se equivalem, pelo simples fato de existirem. E foi isso que, assombrosamente, chegou a ocorrer em razão de um preconceito monumental suscitado pelo desejo de abolir para sempre todos os preconceitos em matéria de cultura.
- Uma das perversas consequências do triunfo das ideias "das diatribes e fantasias" de maio de 68 foi que, como resultado disso, se acentuou brutalmente a divisão de classes a partir das salas de aula. A civilização pós-moderna desarmou moral e politicamente a cultura de nosso tempo, e isso explica em boa parte por que alguns dos "monstros" que acreditávamos extintos para sempre depois da Segunda Guerra Mundial, como o nacionalismo mais extremista e o racismo, ressuscitaram...
- Os filósofos libertários como Michel Foucault e seus inconscientes discípulos atuaram com muito acerto para que, graças à grande revolução educacional que propiciaram, os pobres continuassem pobres, os ricos continuassem ricos, e os inveterados donos do poder, com o chicote nas mãos.
- Quando a religião e o Estado se confundem, desaparece irremediavelmente a liberdade; ao contrário, quando se mantêm separados, a religião tende, gradual e inevitavelmente, a democratizar-se, ou seja, cada igreja aprende a coexistir com outras igrejas e com outras maneiras de crer, bem como a tolerar os agnósticos e ateus
- Todos os grandes pensadores liberais, de John Stuart Mill a Karl Popper, passando por Adam Smith, Ludwig von Mises, Friedrich Hayek, Isaiah Berlin e Milton Friedman, ressaltaram que a liberdade econômica e política só cumpre cabalmente sua função civilizadora, criadora de riqueza e de empregos, defensora do indivíduo soberano, da vigência da lei e do respeito aos direitos humanos, quando a vida espiritual da sociedade é intensa, mantém viva e ins?inspira uma hierarquia de valores respeitada e acatada pelo corpo social. Segundo eles, esse é o melhor modo de fazer desaparecer ou pelo menos atenuar a ruptura entre preço e valor.
- Vivemos num tempo de fraudes, em que o delito, se for divertido e entretiver o grande número, será perdoado.
- A liberdade é tolerante, mas não pode sê-lo para aqueles que, com sua conduta, a neguem, escarneçam dela e, afinal de contas, queiram destruí-la.
- Nenhuma Igreja é democrática. Todas elas postulam uma verdade, que tem o avassalador álibi da transcendência e o apadrinhamento espetacular de um ser divino, contra os quais se estilhaçam e pulverizam todos os argumentos da razão (...) A natureza dogmática e intransigente da religião se evidencia no caso do islamismo porque as sociedades onde ele deitou raízes não passaram pelo processo de secularização que, no Ocidente, separou a religião do Estado e a privatizou, transformando-a num direito individual, em vez de um dever público
- Minha impressão é de que literatura, filosofia, história, crítica de arte, sem falar da poesia, em suma, todas as manifestações da cultura escritas para a rede serão sem dúvida cada vez mais de entretenimento, ou seja, mais superficiais e passageiras, como tudo o que se torna dependente da atualidade.
- Os meios não são nunca meros veículos de um conteúdo, que eles exercem uma influência subliminar sobre este, e que, no longo prazo, modificam nossa maneira de pensar e agir.
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